Behind the Scars: as cicatrizes não são uma coisa de vilões
Até há relativamente pouco tempo, o trabalho da fotógrafa britânica Sophie Mayanne dividia-se maioritariamente entre duas grandes áreas da fotografia: retrato e moda. Foi nas falhas dessas áreas que encontrou o propósito do seu mais recente projeto, Behind the Scars. O nome desta série de fotografias, que continua a ser concretizada, fala por si – explora a ideia de que as nossas cicatrizes fazem parte da nossa própria narrativa e que as devemos enfrentar com naturalidade. Está na altura de fazer desaparecer a associação deste tipo de marcas aos vilões dos filmes; maiores ou mais pequenas, todos as temos.
Os testemunhos dos manequins da vida real já tínhamos ao nosso dispor na conta do Instagram de Sophie, onde os vai partilhando. Falámos com a autora do projeto.
As nossas cicatrizes contam (parte d’) a nossa história. O que é que o Behind the Scars conta sobre ti enquanto fotógrafa?
Enquanto fotógrafa o Behind the Scars ensinou-me o poder que apenas uma fotografia pode ter e do que o corpo humano é capaz. Eu acho que para o observador talvez mostre a minha paixão e compaixão para com a fotografia, e o meu interesse no que nos torna humanos e diferentes uns dos outros.
Uma cicatriz pode ser pequena ou grande demais para fazer parte do Behind the Scars?
Nenhuma cicatriz é pequena ou grande demais. Até a cicatriz mais pequena pode ter um impacto significante em alguém – como podem as maiores.
É mito que os homens aceitam as cicatrizes melhor do que as mulheres?
Isto é algo que é frequentemente trazido à discussão por pessoas que descobrem o meu projeto – perguntam porque não inclui homens. A série inclui homens, mas desde o início que mais mulheres se dirigiram a mim com a vontade de querer partilhar as suas estórias, e tem havido falta de homens a querer fazer o mesmo. Se isto é porque eles se sentem mais confiantes ou mais nervosos, até para mostrar as suas cicatrizes numa fotografia, eu ainda não sei!
Se a publicidade de moda passasse a mostrar os corpos reais das modelos e as suas cicatrizes, daqui para a frente, achas que as pessoas começariam a aceitar-se mais a si mesmas?
Nas publicidades de moda eu acho que precisamos de trabalhar para a tornar mais honestamente diversa. Eu vejo muitas campanhas que desafiam a diversidade, mas com campanhas de moda nós precisamos de trabalhar em prol da produção de imagem que inclua as modelos que já existem nessas campanhas (sendo elas mulheres e ainda uma parte representativa da população) – simultaneamente mulheres que têm cicatrizes, problemas de pele, que carregam peso, que parecem indiferentes. As mulheres e os homens devem ter a possibilidade de co-existir junto uns aos outros em campanhas de publicidade sem ter medo de ser comparados.
Uma vez a Nan Goldin disse que as fotografias só são verdadeiras quando é alguém próximo a fotografar a outra pessoa. O que é que pensas sobre isso?
Sim e não. Acho que a coisa mais importante é confiar – se a pessoa que estás a fotografar confiar em ti, aí vais ter uma fotografia “verdadeira”. Caso isso não aconteça é possível que às vezes mantenham a guarda alta.
O que é mais importante para ti: aumentar a auto-estima daqueles que fotografas, mudar a mentalidade dos teus seguidores ou ter um impacto no trabalho dos outros fotógrafos?
Aumentar a auto-estima das pessoas que eu fotografo é incrivelmente importante, e eu espero que isto acabe por ser um meio de permitir a mudança noutras áreas. A cada vez que fotografo alguém para o projeto, as imagens são partilhadas depois, o que pode gerar conversa entre seguidores do projeto ou pessoas que tenham acabado de o encontrar.
Em que formato achas que faz mais sentido partilhar as tuas fotografias: em revistas impressas, exposições ou apenas na internet? Porquê?
Neste momento eu uso, em primeira instância, a internet para partilhar o projeto, maioritariamente o Instagram. Isto, em parte, tem a ver com a acessibilidade – posso partilhar o meu trabalho com uma audiência muito mais abrangente, muito mais rápido. Também tenho controlo sobre aquilo que estou a publicar – enquanto que às vezes em revistas o projeto pode ser editado num ângulo que a revista ache que vai ao encontro aos seus leitores. Por exemplo, algumas vezes as pessoas têm escrito sobre o Behind the Scars e dito que é só sobre mulheres. Eu tenho mais controlo sobre torná-lo honesto e diversificado, dessa forma. Mas tenho, no entanto, esperança de o mostrar em exposições e criar um livro impresso desta série no futuro.
A relação entre imagem e texto é essencial para o Behind the Scars?
Absolutamente essencial. A experiência do sujeito é tão importante como a fotografia em si mesma. Sem o texto o observador era deixado à deriva e não entenderia o contexto do projeto. Nem teria a mesma mensagem encorajadora para os observadores.
Acreditas que as pessoas podem lutar contra o poder do Photoshop e manter-se verdadeiras, num futuro próximo?
Eu espero que sim! Eu comprometi-me a ficar longe do Photoshop no meu próprio trabalho fotográfico e espero que os outros possam fazê-lo também.