‘Call Me by Your Name’: não há distinções físicas, culturais ou de estatuto social, há meramente um reconhecimento do valor do outro
O filme apresenta-nos inicialmente o ambiente de uma família judaica (discreta) e culta. Várias línguas são faladas na mesma frase, toca-se música clássica ao piano, debate-se política, ama-se a natureza e o tempo quente. Estamos a meio do verão, no norte de Itália, numa vila rústica, onde cada um aproveita as férias à sua maneira, tanto jovens como mais velhos. Ninguém está demasiado tapado com roupa, as pernas sempre à mostra, e a vida é simples, no sentido em que não existem conflitos.
Mas isso muda com a vinda de um jovem americano, Oliver, que se distingue pela sua estatura carismática, de cabelo loiro, e por uma aparente contradição entre o educado e simpático e uma certa arrogância (marcada quando diz “later”).
Porém, com o decorrer das férias, o jovem Elio, acaba por passar mais tempo com ele durante as viagens dos dois à vila ou durante os banhos de sol e, aos poucos, a relação entre os dois vai tornando-se cada vez menos constrangedora, algo que era sentido tanto por Elio, desde o início, como possivelmente pelo espectador. Uma amizade bonita floresce e tudo o que era anteriormente motivo de desconfiança e distanciamento é substituído por uma atração cada vez maior entre os dois, como também uma tensão sexual crescendo, algo que já era notável desde o início, mas um tanto dissimulada.
Um dos grandes conflitos internos do ser humano, atestada desde a Antiguidade, é a beleza do seu próprio corpo. No estilo greco-romano, as figuras eram representadas, principalmente na escultura, com tal perfeição que o ser humano não podia alcançar esse estado máximo de perfeição: as proporções dos corpos ou as próprias posições impossivelmente arqueadas. Este modelo de perfeccionismo sofreu inúmeras transformações ao longo da História, tanto no corpo masculino como no feminino; e este filme consegue explorar bem esta temática. Aliás, em certa medida, põe em causa a nossa forma de olhar para o corpo como um objecto idílico de sensualidade e de distinção social. Também explora a dicotomia sensualidade/sexualidade e a beleza nas relações humanas puramente assentes nos sentimentos, sem existir qualquer pressão social e pessoal em denominar e caracterizar a sexualidade de cada um, algo que desaparece aos poucos nesta relação tão idílica, humana e sincera. Talvez porque as duas personagens principais se apaixonam sem porem em causa a sua identidade ou o seu passado heterossexual. Não se tornaram noutras pessoas ou em melhores pessoas e, apesar de cada um ser o fruto proibido do outro, não pecaram, amaram-se simplesmente. Não existem cenas muito gráficas, uma característica diferenciadora de outros filmes com uma temática geral semelhante, porque o filme não pretende explorar esse lado do ser humano, nem pretende chocar o espectador, mas sim criar uma balada romântica. Apresenta sim uma troca de sentimentos intensa que nos leva a perder a noção do tempo da mesma forma que as personagens se perdem, não se apercebendo do eminente fim da sua relação. O verão para eles passa num ápice, como um verdadeiro amor de verão, da mesma forma que as moscas apareciam e desapareciam no olhar da câmara, chamam-nos a atenção mal aparecem como uma intensa experiência, mas desaparecem mal fixamos o olhar nelas, mas é uma mera especulação minha. Tudo é feito com uma energia intensa entre os dois e para ambos tudo aquilo é uma experiência que os cativa cada vez mais. Isso é visível nos intensos beijos ou brincadeiras na água no lago secreto de Elio.
Acima de tudo, este é um filme que nos faz questionar certos aspectos da sociedade, utilizando temas intemporais e clássicos. Independentemente da nossa companhia ao ver o filme ou mesmo da nossa orientação sexual, não nos deixamos de maravilhar com a relação bonita e natural entre os dois jovens. E a razão de ser assim é porque não poderia ser mais natural. O próprio ser humano relaciona-se com a natureza de uma forma pitoresca. As cenas são gravadas por entre os campos, onde as pessoas se vão amando e podemos observar calmamente os detalhes dos corpos de algumas personagens: os ossos, os músculos, a luz reluzente na pele, as sombras ou a sensualidade que é independente das formas ou tamanhos. Há uma beleza intrínseca em cada um que nos obriga a esquecer os padrões sociais de beleza. É o epítome do amor, em que ambas as pessoas estão ao mesmo nível “Call me by your name and I will call you by mine”: não há distinções físicas, culturais ou de estatuto social, há meramente um reconhecimento do valor do outro e uma tentativa da valorização do próprio, um processo de equilíbrio num mar de emoções. O único obstáculo e receio é o medo de cada um em arriscar, em partilhar os seus sentimentos, “Is it better to speak or die?”; e descobrir um novo lado do outro e de si próprio. Depois da experiência, somos obrigados a entrar num processo de superação, de cura, o caminho pelo deserto. E este processo é tão rápido na maioria das vezes, como se estivéssemos a fugir da dor, que na relação seguinte não temos nada para dar ou capacidade para receber. Cada experiência é pessoal e bonita, há sempre algo para aprender e fugirmos disso é fugirmos da mesma história que nos representa e nos identifica. A cena com que o filme acaba (o jovem Elio chora com a perda do seu amor), ao som de Visions of Gideon, talvez seja a mais humana e representa a questão em causa. Porém, também nos obriga a pensar no nosso passado como experiências insubstituíveis, intemporais somente no nosso coração e muito pessoais. Mostra o processo de recuperação emocional num andamento acelerado: o choro, o sofrimento e a solidão são substituídos por um sorriso ténue e tímido, enquanto Elio fixa o seu olhar nas chamas da fogueira.
É um filme cuja história não poderia ser mais simples, num ambiente caseiro, mas ao mesmo tempo cheio de emoções complexas, sinceras e que transbordam a tela ao longo das cenas, tanto numa noite iluminada pela luz estrelar como nos campos verdes sobre um sol quente. Call Me by Your Name, realizado por Luca Guadagnino, e que é uma adaptação da obra homónima de André Aciman, obriga-nos a percorrer o caminho bipolar, traiçoeiro e agitado das relações, um salto entre a excitação no seu estado mais puro até à tristeza inabalável. Pelo meio fica a excitação, o erotismo dos corpos, a ingenuidade mais bela e o deslumbramento pelo ser humano, uma descrição dura do ser humano, do que ele é capaz de fazer e de sofrer.
Por fim, um elogio ao trabalho do compositor e artista Sufjan Stevens, cujo trabalho neste filme pode ser resumido em três obras com um estilo muito próprio do autor, sendo uma delas uma adaptação de uma já existente feita de propósito para o filme. A letra salta da emoção reconfortante de sermos amados e de amarmos alguém para a solidão de perdermos essa mesma pessoa. Uma composição musical que conjuga na perfeição com o filme e que merece ser escutada após o visionamento do mesmo.