‘Kids of Jenin Camp’: crescer refugiado na Palestina

por Carolina Franco,    19 Fevereiro, 2018
‘Kids of Jenin Camp’: crescer refugiado na Palestina
Fotografia de Kids of Jenin Camp

O ano de 2002 marcou o conflito Israelo-Palestiniano com ataques constantes, entre eles o massacre no Campo de refugiados de Jenin. Com casas queimadas, refugiados presos, mortes e desaparecimentos, o caos instalou-se. Foi no meio desse cenário que, nos anos que se seguiram, nasceram 10 crianças (entre tantas outras) que hoje contam a sua história a Ismael Jabarine, um realizador palestiniano a viver em Hamburgo, para o seu documentário: Kids of Jenin Camp.
Em exclusivo para a Comunidade Cultura e Arte, partilha o que o move e quais são as suas expectativas naquele que é o seu maior projeto até então.

Fotografia de Kids of Jenin Camp

Os caminhos de Ismael e destas crianças cruzaram-se quando, a pedido do governo alemão, foi trabalhar enquanto diretor artístico no Cinema de Jenin, com o objetivo de o transformar num centro cultural – “Naquela altura foi a primeira vez, para mim, a visitar o campo de Jenin. Estava muito curioso porque nunca tinha ido a um campo de refugiados na Palestina; levei a minha câmara comigo e comecei a fotografar algumas pessoas do campo, com quem fui ganhando afinidade. Quando voltei para Hamburgo comecei a pensar nessas estórias e como eram tão emotivas, algumas muito tristes. Percebi que tinha de fazer alguma coisa com aquilo; foi aí que decidi voltar e começar a fazer vídeos.”, conta.
Foi em 2013 que começou a acompanhar a vida de 5 rapazes e 5 raparigas, na experiência que se torna mais do que na realização de um documentário, num estudo sociológico.

Amigos (nada) improváveis

Apesar de já saber que queria fazer um documentário no campo de Jenin, Ismael conheceu os seus protagonistas por acaso. Nele ganharam um amigo com quem podem falar, de seis em seis meses, sobre as suas preocupações e vontades; quem o diz é o próprio: “Acho que sou uma chamada de atenção que têm duas vezes por ano, porque sou o único adulto nas suas vidas que se senta e fala com eles, ouve os seus problemas, discute qualquer tipo de tópico e alguém em quem podem confiar. Alguém que sentem que os respeita.”.
Nenhuma destas crianças tem permissão para sair do Campo de Jenin, seja para rezar ou para ver o mar (que fica ali tão perto e alguns deles nunca viram); para fazer o que lhes apetecer. A impossibilidade de ter um visto de residência e a condição de viver como refugiado dentro do próprio país é um tormento que os vai acompanhando; que impossibilita os adultos de trabalhar e ganhar dinheiro para sustentar a sua família, e que enubla o futuro das crianças.

Fotografia de Kids of Jenin Camp

18 anos: o início da vida adulta e o fim do documentário  

Ainda que, para grande parte dos protagonistas, a vida adulta tenha chegado mais cedo do que era suposto e tenham já visto e passado por situações para as quais foram obrigados a ter maturidade, a maioridade é atingida oficialmente aos 18 anos. Esta é, segundo Ismael “uma idade muito crítica para as crianças no campo de Jenin, especialmente para as raparigas. Maior parte das raparigas de lá não vão para a faculdade, seja por problemas financeiros ou porque ficam noivas e se casam”. Nesse sentido, acredita que já tem sorte ao poder acompanhar estes 10 miúdos durante os 8 anos de filmagens e que ultrapassar este tempo seria demais.
O atingir da maior idade dita o fim do documentário, mas coincide com uma série de acontecimentos que não foram planeados para lhe trazer mais ou menos sentimento. Também em 2020 o pai das duas gémeas que protagonizam Kids of Jenin sai da prisão, após ter sido detido no massacre de 2002. “O pai das gémeas vai ser libertado, coincidentemente, na altura do fim do documentário, em Julho de 2020. Ver as gémeas a poder finalmente abraçar o seu pai vai ser um bom fim, porque até agora só o viram por detrás das grades e há dois anos que nem sequer o podem visitar por “questões de segurança”, como as autoridades israelitas lhes chamam.”, afirma.

O apoio do Campo como motor de criação

Ter a aprovação das famílias foi decisivo para a realização do documentário, mas foi o apoio do resto das pessoas no Campo de Jenin que funcionou como motor de criação e suporte do projeto. No começo a reação não foi muito positiva uma vez que, partilha Ismael, “muitas vezes vão estrangeiros ao Campo de Jenin tirar fotografias ou filmar, mas as pessoas não deixam de se questionar o que é que retiram disso; o que é que vão ganhar com essa experiência, se essas fotografias e filmes por vezes até criam uma imagem negativa a seu respeito, quando partilhadas.”. O cepticismo à produção visual ou audiovisual foi sendo ultrapassado com um fator de extrema importância: o tempo. Aliados ao tempo estiveram a nacionalidade do realizador e o que disso advém – conhecer a história da Palestina, conseguir comunicar através da mesma língua, entender as tradições adjacentes. Ao fim de um ano começou a circular livremente, a ser tratado e a tratar os outros por “tu”.

Seis anos de trabalho pelos olhos e pelas mãos de um só homem

 Ismael é praticamente o único responsável por todas as fases do seu documentário, das filmagens à edição.  Vai recebendo a ajuda de alguns amigos quando volta a Hamburgo ao fim de cada estadia em Jenin – editores, jornalistas com quem discute ideias e edita os vídeos. O grande motivo pelo qual não tem uma equipa é a falta de apoios financeiros para sustentar Kids of Jenin, o seu projeto no qual é o único investidor: “Até agora eu faço tudo por minha conta, pago tudo e não tenho qualquer apoio de instituições ou privados. Isto acontece, em parte, porque é um projeto com uma longa duração, creio. Ainda por cima é sobre crianças palestinianas e as instituições alemãs, por exemplo, têm algumas reservas em financiá-lo por causa da sua relação com Israel.”, confessa.
Se tivesse apoio financeiro Ismael gostava de ter uma equipa consigo a tempo inteiro. Por enquanto as preocupações são outras. Para realizar as filmagens que faltam, nos próximos dois anos e meio, precisa de uma nova câmara de filmar. Com o objetivo de arrecadar o dinheiro para o conseguir, criou uma angariação de fundos no site Indiegogo, que está disponível até ao próximo dia 21 de fevereiro.

Fotografia de Kids of Jenin Camp

As crianças de Jenin como voz das crianças refugiadas

 A dois anos e meio de acabar as filmagens, há ainda detalhes a pensar e muitas decisões a tomar. Uma delas é a utilização dos nomes verdadeiros dos protagonistas, que poderá comprometê-los e prejudicá-los no futuro, no caso de terem tocado em questões sensíveis que estejam na mira das autoridades Israelistas. Para essa, Ismael ainda não arranjou uma solução, até porque o rosto das crianças estará visível, mas espera encontrá-la junto das pessoas que habitam no Campo, nunca esquecendo a responsabilidade que tem de proteger estas crianças.
Para começar a divulgar Kids of Jenin criou uma página no Facebook, onde partilha pequenos vídeos que não serão necessariamente incluídos no documentário. Ainda que não considere que esta seja a plataforma certa, não nega os benefícios que já lhe trouxe: “Se o Facebook é o sítio certo? Claro que não. Mas é um meio de difusão no qual está muita gente hoje em dia, e o facto de eu ter 1200 pessoas pertencentes a continentes diferentes, é bom! Isso significa que essas pessoas, provenientes de sítios diferentes, já ouviram falar sobre as crianças e o Campo de Jenin.”.
O seu objetivo é mostrar sob que condições vivem e crescem os mais novos que lá habitam, que acabam por ser semelhantes às dos outros campos de refugiados. Ismael Jabarin não consegue prever o que irá acontecer durante os restantes anos de filmagens, mas acredita que a relação que criou com estes miúdos em 2012 não terá um fim em 2020. Espera que a relação que têm “lhes dê novas perspectivas, talvez alguma esperança” porque “a situação em que vivem é muito má mas se desistirmos de ter esperança, estamos mortos.”.

https://www.youtube.com/watch?v=xVkBhY0jyt8&feature=youtu.be

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