‘Isle of Dogs’, de Wes Anderson, é extremamente visual, preciso e muito bem escrito
Pela quarta vez em Berlim e a segunda a abrir o festival (a outra foi há quatro anos com Grand Budapest Hotel), bem como a segunda experiência em animação stop motion (a outra foi, claro, O Fantástico Senhor Raposo, em 2009) – Wes Anderson fez aquilo a que nos habituou, ou seja, deslumbrar-nos com esta nova variante do seu cinema meticuloso e profundamente artístico. Aqui com surpreendentes tonalidades, como os elementos divertidos que comunicam com o espetador que assiste a um filme japonês.
Mesmo sem superar o brilhantismo da animação anterior, Isle of Dogs ou em português Ilha dos Cães, com estreia nacional marcada para o dia 25 de abril, eleva para já a competição a um bom nível, com esta história sobre um grupo de cães exilados numa ilha convertida em lixeira. O cenário é o de uma praga causada por cães, outrora adorados e agora odiados e exilados pelo Mayor Kobayashi. É claro que aqui também se podem encontrar alguns indícios dos seres marginalizados, abusados, violentados, talvez a conferir um subtexto de modernidade a uma Berlinale que pretende navegar sob a bandeira da discussão e abolição dos abusos.
Uma vez mais, claro, com um cast de nomes sonantes, entre habituais colaboradores e amigos, para dobrar as vozes dos diversos animais e personagens. Como o próprio realizador texano confirmou na conferência de imprensa – é difícil dizer que não a uma animação, pois pode fazer-se em casa, onde se quiser, quando quiser. Razão pela qual contamos com a presenças de Bill Murray, Jason Schwartzman, Bob Balaban, Bryan Cranston, Scarlet Johansson, Tilda Swinton, Greta Gerwig entre outros. Até Yoko Ono participa com uma voz. Assim se acrescenta personalidade a estes cães alfa-dogs que procuram sobreviver num verdadeiro mundo-cão.
A ideia, explicou o realizador, foi combinar de três elementos: cães abandonados a viver no lixo, uma devoção cinéfila por Kurosawa e a paixão pelo Japão. Mais tarde, juntamente com um grupo mais reduzido de jornalistas, Wes Anderson e os seus parceiros na elaboração do guião Jason Schwartzman e o seu primo Roman Coppola e Kunichi Nomura (que também colaborou em Budapest e em Lost in Translation/O Amor é um Lugar Estranho, de Sofia Coppola), adiantou novos pormenores. O mais curioso foi que na versão inicial imaginara como se Kurosawa tivesse feito o filme em 1962, embora a situá-lo no futuro, em 2007. De resto, uma versão que o próprio confessou ter sido cobarde por não a explorar. Em todo o caso, manteve a inspiração dos filmes urbanos do mestre japonês, como High and Low, Stray Dogou Drunken Angel, ainda durante a década de 40, antes do seu relato histórico do cinema de samurais. Contudo, procurou sempre seguir o credo que deixou escrito no seu livro de apontamentos: keep it poetic.
E assim foi. Por isso mesmo, Ilha dos Cães não deixa de ser uma história tocante, confirmada por uma nova fábula humanizada e tocada pelo seu habitual e fino humor que atravessa o filme todo. Mesmo quando a matilha canina perde parte do seu fulgor naquela ilha do lixo, em que é acompanhada pelo menino de 10 anos, Atari Kabayashi, também à procura do seu cão Spots, desaparecido nesse espaço habitado por vilões, que pode mesmo ser encarado como uma variante do Velho Oeste.
Isle of Dogs serve não só como um ótimo filme de abertura, mas também um acrescento ao seu cinema extremamente visual, preciso e muito bem escrito.
Artigo escrito por Paulo Portugal em parceria com Insider.pt