Zimmerman e Dylan são um só: o eterno miúdo rebelde do Minnesota
Foi com “Things Have Changed” que nos deu as boas-vindas à sua Never Ending Tour. Longe de cumprir o proforma de dizer “olá”, “boa noite” e quiçá umas palavras em português, Bob Dylan apresentou-se igual a si mesmo: o eterno miúdo rebelde do Minnesota. As calças de ganga e a t-shirt podem ter sido trocadas pelo smoking (que, ainda assim, não era o tradicional), mas o jeito disruptivo estava lá.
No palco circunscrito por cortinas aveludadas, surgiu com Dylan a sua banda, que não foi só “a sua banda”. Sentado no piano durante grande parte do concerto, foi para interpretar ”Why Try To Change Me Now”, original de Cy Coleman, que se dirigiu ao centro e abandonou a presença de quase-sombra em que tinha estado.
Medir e controlar as expectativas pode ser difícil, principalmente quando se fala de artistas que marcaram gerações. Ir a um concerto do Bob Dylan e não estar à espera de o ouvir na harmónica e na guitarra é uma missão quase impossível, por muito que tentemos distanciar-nos.
Foi sempre num espírito de reinvenção que tocou as suas músicas, fossem elas “Love Sick”, “Don’t Think Twice, It’s All Right”, “Make You Feel My Love”, ou “Blowin’ in the Wind”, que acabou por surgir em jeito de encore. Tão suas que fez delas o que lhe apeteceu. Se quisermos conhecer a postura introvertida e tantas vezes ácida de Bob Dylan, podemos recorrer a entrevistas ou a filmes. Podemos recordar que não foi receber o Prémio Nobel, e que deu respostas tortas sempre que pôde. Nunca esteve para fretes. Em Lisboa, mostrou que não deixou que a idade fizesse desvanecer a postura de contestatário, e que o tempo levasse as suas convicções.
A irreverência de um jovem de 76 anos pode, facilmente, ser confundida com a arrogância de um músico que já conquistou estatuto. É na simplicidade da voz e na força da lírica que encontramos a resposta. Assim, despediu-se com “The Ballad of a Thin Man”, um hino a todos os Mr. Jones – aqueles que perguntam mais do que pensam, que falam mais do que ouvem. Robert Allen Zimmerman (nome de nascença) e Bob Dylan podem não ser já os mesmos, mas têm algo em comum: a resistência do adolescente que foi à procura do sonho e encontrou um poder humanístico na música.
Nota: não foi permitida a captação de imagens durante o concerto.