A ‘Geography’ de Tom Misch conduz-nos a um novo paraíso musical
Nos tenros dos seus 21 anos, o britânico Tom Misch proporciona-nos o seu primeiro álbum, denominado “Geography”. Podia ser um mais no ano de 2018, já após alguns êxitos nos géneros do R&B, do soul e de quem aprecia a fluidez de um bom groove. No entanto, o inglês é mais do que um mero compositor e cantor. Também ele é produtor e instrumentista, responsável pela condução conceptual e artística do seu trabalho. A sua carreira começou, com algumas outras nos tempos modernos, com músicas apresentadas no meio digital, em várias plataformas sociais. As colaborações com artistas, como Jordan Rakei e Loyle Carner, ajudaram a dar-se a conhecer aos mais atentos fãs daquilo que se cultiva com a profundeza do coração no gelado reino britânico.
Considerados esboços, foi assim que o público conheceu “Beat Tape 1” e “Beat Tape 2”, este lançado no verão passado. Foram fragrâncias musicais que pretenderam a inovação, o impacto com um soul que se havia perdido ou segmentado muito na sua expressão musical. Aquilo que o pop moderno veio introduzindo chegou aos ouvidos e aos trabalhos de Misch, que também se embrenhou no hip-hop para a construção de uma personalidade musical única e diferenciada. Do saxofone ao sintetizador, às próprias palmas e a uma voz segura e estável para os 21 anos de um projeto musical que conheceu a sua consolidação neste trabalho discográfico.
Entre aqueles que fazem parte de “Geography”, “Movie” e “South of the River” já tinham sido lançados como singles, para além dos avulsos que foi partilhando nas redes sociais. De súbito, tornaram-se explícitos sucessos, refletindo essa identidade que se preenche na multidimensionalidade de um jazz e de um soul que se faz corresponder por um R&B e pelo pop de orientações contemporâneas. Muito naquilo que é o caminhar emergente das produções musicais associadas ao chillhop, estilo de união entre o jazz e o hip-hop. Um pouco à imagem dos Snarky Puppy e dos BadBadNotGood, Tom Misch é este caminhar instrumental e vocal para a expressão de um músico singular.
No entanto, e para entender melhor a realidade deste álbum, importa compreendê-lo como uma narrativa. Uma narrativa que nos conduz a uma viagem de sentidos, de apetites auditivos que geram as emoções de uma dança subtilmente ritmada e empenhada. Dispõe, para isso, do contributo do rapper GoldLink em “Lost in Paris”, do grupo de hip-hop De La Soul em “It Runs Through Me”, da cantora Poppy Ajudha em “Disco Yes”, e do músico Loyle Carner “Water Baby”. Todos eles a vocalização de um estilo muito voltado para o R&B, para o hip-hop e para o soul, que dotam e esclarecem o traçado musical de Tom Misch neste trabalho.
A geografia do álbum segue rotas, para lá de musicais, temáticas. Uma história de amor pelo mundo, com o palco parisiense no início, e que se entrega ao desejo do amor no trajeto que resta. O típico amor à espera da correspondência, e mesmo aquele vivido no seu âmago extático. A música canta-se com as letras e com os sons, que ajudam a percecionar aquilo que o cantor nos tem para dar. Mesmo no vazio lírico, sente-se a trajetória melódica e, por vezes, melancólica que nos vai apresentando. Esta multitude de sensações é preenchida e complementada pela variedade de instrumentos utilizados, pelas diferentes formas como estes interagem, e pelo critério narrativo em que todo o álbum assenta.
No fundo, uma das revelações do ainda precoce 2018 salta neste disco, com a confirmação de um jovem talento no ressurgimento das batidas de jazz, confluídas com o R&B e com o soul, em solo inglês. São promissores os passos dados no primeiro trabalho discográfico, que sustenta algum do trabalho mais esporádico e avulso que vinha produzindo até hoje. Admirável se torna, também, o facto de todo o álbum ser criado e encaminhado por Tom Misch, numa metodologia muito similar à Do It Yourself. Assistimos, com isto, à emergência positiva e revivalista, sem deixar de ser contemporânea, de um artista com voz e instrumento, para um fluir musical em perfeito envolvimento.