Investigadores de todo o mundo consultam arquivo do líder africano Amílcar Cabral na Fundação Mário Soares

por Lusa,    20 Maio, 2024
Investigadores de todo o mundo consultam arquivo do líder africano Amílcar Cabral na Fundação Mário Soares
Retrato de Amílcar Cabral (1964) Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral

O arquivo de Amílcar Cabral (sabe mais), na Fundação Mário Soares e Maria Barroso (FMSMB), em Lisboa, é um dos mais consultados por investigadores de todo o mundo que produzem “investigação de ponta” sobre este líder africano, segundo o diretor-executivo da instituição. 

São mais de 10.000 documentos, entre cartas escritas pelo “pai” da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, enquanto secretário-geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), mas também correspondência com outros líderes nacionalistas africanos e até com o Governo português anterior à independência, como explicou à Lusa Filipe Guimarães da Silva.

“Temos percebido um acréscimo de interesse sobre Amílcar Cabral, sobretudo a partir de jovens investigadores, não apenas residentes em Portugal, ou de nacionalidade portuguesa, mas por todo o mundo, não apenas de África”, disse.

“A documentação é simultaneamente política, militar e diplomática e, portanto, também através dessa comunicação, conseguimos perceber a evolução das lutas de libertação na Guiné, mas também noutros contextos territoriais onde Portugal esteve envolvido”, disse. 

Os documentos incluem ainda o período anterior à liderança do PAIGC, como “a sua passagem em Portugal, dos seus estudos na área da agronomia, os seus escritos – os famosos escritos de Cabral”, prosseguiu.

Filipe Guimarães da Silva sublinhou que, entre os 150 arquivos disponibilizados na plataforma Casa Comum, à qual se pode aceder no site da FMSMB, o de Amílcar Cabral é dos mais procurados e contou que este espólio estava em Bissau “em risco de perda e destruição”.

“O espólio de Amílcar Cabral estava em Bissau e, portanto, foi por desafio das autoridades guineenses que a Fundação se veio a vincular e a associar ao projeto de salvaguarda e resgate documental de uma documentação que estava em risco de perda e destruição, uma vez que a Guiné atravessava períodos conturbados da sua história”, disse, referindo-se ao período da guerra civil entre 1998 e 1999.

E acrescentou que, em agosto de 1999, por “uma forte influência” de autoridades guineenses, a Fundação aceitou envolver-se e foi com uma equipa, com o então diretor do arquivo, Alfredo Caldeira, a Bissau para “procurar, organizar e também salvaguardar estes documentos”.

A fundação teve o apoio de uma das filhas do líder histórico, Iva Cabral, “que até então estava a ocupar-se da organização, também do ponto de vista intelectual, da documentação de Cabral, que esteve dispersa por vários sítios e acabou por ser reunida em Bissau, nas instalações do PAIGC”.

“A transferência física, que se operou em 1999, dos documentos de Amílcar Cabral para a Fundação foi decidida, não pela Fundação, mas pelas entidades que detinham esse espólio, esses documentos, porque entendiam que em Portugal se reunia, na altura, condições de preservação e segurança dos documentos que não eram possíveis na Guiné”, esclareceu.

Esta documentação, “que é múltipla, vasta – está reunida fisicamente aqui na Fundação, por decisão das autoridades guineenses, e está disponibilizada também na Casa Comum, sendo que existem várias cópias digitais partilhadas com as entidades detentoras deste arquivo Amílcar Cabral”, adiantou.

O conteúdo das 80 pastas que albergam estes documentos de Cabral, e que incluem, além de cartas e documentos manuscritos, livros e fotografias, foi digitalizado e pode hoje ser consultado por “qualquer pessoa, sendo um investigador, um pesquisador especializado ou um qualquer cidadão”.

A Fundação partilha, em várias bases de dados, “as cópias digitais deste arquivo e das digitalizações que foram feitas, por orientação expressa” do ex-Presidente Mário Soares, “que sempre teve a preocupação de haver uma colaboração, e uma colaboração pressupõe uma partilha generosa daquilo que a Fundação, também de forma solidária, foi desenvolvendo”.

Partindo desta documentação, Filipe Guimarães da Silva refere-se ao pensamento de Amílcar Cabral como “humanista”. “A intemporalidade destes valores é o que permite que Cabral, 50 anos após a sua morte, seja recordado e ainda há muito Cabral para descobrir, do ponto de vista da sua memória documental”.

A FMSMB vai assinalar o centenário do nascimento de Amílcar Cabral, que se comemora em setembro deste ano, com uma forte aposta na internacionalização do seu arquivo, para que possa ser ainda mais consultado, e com um ciclo de conferências.

Também este ano se assinala, em dezembro, o centenário do nascimento de Mário Soares.

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