A irreverência do arqueólogo Mark Aldenderfer
Na ligação entre a antropologia e a arqueologia, surge o rosto de Mark Aldenderfer, com um visual arrojado e arriscado para um académico. Porém, não se trata de um convencional reitor universitário, mas sim de um investigador no terreno, que dobra e desdobra montes e serras da América e da Ásia. Tudo em busca dos pequenos objetos que revelam muitas histórias e memórias, que remontam a gerações várias e a experiências diferentes de seres humanos que, por muito iguais em tanto, se destacam em questões essenciais. Dos vestígios do passado, projetos e investigações presentes para as descobertas científicas e históricas do futuro.
Nascido em 1950, estre antropólogo e arqueólogo é reitor da faculdade de Ciências Sociais, Humanidades e Artes do polo da Universidade da Califórnia em Merced, após ser docente na universidade do Arizona e no polo de Santa Barbara na da Califórnia. A sua infância foi passada no estado do Ohio, ao lado dos seus avós, que recordavam o tio do futuro arqueólogo, que se havia licenciado em Medicina em Harvard. Para além disso, foi um período em que vivia rodeado de relíquias familiares, para além de se envolver em várias explorações e em brincadeiras com os seus amigos. A sua mãe viria buscá-lo aos oito anos de idade deste, para viver consigo e com o seu companheiro na cidade, encontrando o seu novo refúgio no sótão, onde se debruçou com livros de paleontologia, herdados do seu tio. A curiosidade foi, assim, fomentada e reforçada consoante lia mais, assim como crescia a vontade de explorar o mundo e os ambientes que extrapolavam tudo aquilo que conhecia até então.
Recebendo o doutoramento aos 27 anos, na Pennsylvania State University, tornou-se especialista em investigação comparada em contextos de altas altitudes. Para a arqueologia, importou métodos quantitativos, a partir dos quais estudou as adaptações das comunidades humanadas a esses recintos. Do alto do seu inconformismo constante e fulgurante em relação ao que se sabe, dedicou-se a observar as práticas de caça e de coleta, para além da domesticação de povos da cordilheira dos Andes, na tentativa de perceber quem lá viveu e o que lá se sucedeu. Este material permitiu que se consolidasse como editor em várias edições académicas sobre antropologia e arqueologia, para além daquele que vem recolhendo e estudando na cordilheira dos Himalaias, em especial no ocidente tibetano, na América Central, na Etiópia e nos próprios Estados Unidos.
Alguns dessas publicações em que participa são das mais denotadas no estudo antropológico e arqueológico, como “Society for American Archaeology Archaeological Record”, “Journal of Archaeological Science”, “Latin American Antiquity”, “Science Advances” e “Current Anthropology”. Para além deste acervo da sua autoria, no qual se conta uma centena de artigos, lançou uma dezena de livros, e permanece como membro consultivo de uma das principais fundações de investigação arqueológica, a Wenner-Gren Foundation. Atualmente, permanece como estudioso nos Himalaias, em especial no Nepal, sendo apoiado pela National Geographic Society. Numa equipa multidisciplinar, que incorpora historiadores, alpinistas, cientistas e arqueólogos, são vários os artefactos que foram descobertos, e que remontam para mais de três mil anos de História. O próprio estudo do ADN dos fragmentos encontrados de antigos povoadores do lugar é uma prioridade no entendimento dessas populações, procurando vários meios de comunicação para a difusão daquilo que é o estudo das lembranças e dos túmulos tibetanos.
Numa das expedições que fez na Etiópia, em 1974, numa fase conturbada socialmente, o arqueólogo foi feito refém ao lado de um membro da sua equipa de investigação, após não acatar avisos de uns populares na zona em que iriam trabalhar. Não obstante, conseguiram escapar da turbulência popular, que passou a compreender e a sentir com especial compaixão quando passou a escavar nos Himalaias, razão pela qual ostenta duas tatuagens nos seus antebraços. As duas referem-se a símbolos de compaixão infinita (laço infinito) e à apreciação dos ciclos de vida da humanidade (roda de Dharma). Tentando não definir uma posição politizada, procurou, com o seu trabalho, preservar e valorizar a cultura tibetana, mesmo com uma conduta investigativa eticamente adequada e sustentada. O seu ativismo, embora moderado, nunca deixou de se denotar, fruto da emotividade que coloca nos seus empreendimentos, não se esquecendo que trabalha ao lado de pessoas, sobre pessoas, para as pessoas. Em destaque, estão as comunidades locais, que recebem a intrusão investigativa do arqueólogo, contrastando com várias questões e ideias daquelas que o académico traz para o terreno.
Para lá das investigações e dos resultados, ficam as experiências. É nessa sequência tão singular que o norte-americano, abdicando da comodidade hoteleira, dormita(va) entre as famílias da região em que trabalha(va). Também isso é parte do estudo, mas, essencialmente, suporte para a criação de amizades e de memórias, que vai relembrando e revivendo consoante volta aos lugares. Entre essas, ficou um peruano chamado Albino, a quem atribuiu a alcunha de “MacGyver dos Andes”, e que o ajudou, com o recurso a uma faca, um martelo e uma rocha, a ajustar o alinhamento dos pneus do camião em que circulavam. Experiências que dão a volta ao globo, e que reforçam o sentido de uma vida multicultural e privilegiada.
O próprio semblante de Mark Aldenderfer, de cabelo longo e de barba grisalha, para além de tatuagens budistas, é diferenciado, tornando-se bem-recebido por aqueles que, nos remotos lugares onde se debruça nas escavações e investigações, vão vivendo o seu quotidiano. As interações com estes tornam-se primordiais no trabalho que faz, no entender dos costumes e tradições, num pendor de igualdade e de diversidade de culturas e de identidades, de mediar eventuais conflitos e de reunir passado e presente. Com o seu espírito de descoberta e de apreço pelo passado, sente-se no seu expoente, na sua essência, no terreno, na exploração do que foi naquilo que é, para o que virá a ser.