Indielisboa 2018: As curtas-metragens no feminino
O que todas estas curtas metragens que vamos apresentar têm em comum é o papel da mulher como protagonista de cada uma destas realidades variadas. Cada vez mais (finalmente) percebemos que vão surgindo boas narrativas com mulheres no papel principal, exemplo disso são estas cinco curtas-metragens, escolhidas para o Indielisboa 2018, colocadas na categoria Strong Power.
Começamos pelo documentário ficcional, realizado por Antoinette Zwirchmayr, que nos traz o último filme da trilogia sobre o seu pai e que se torna um repetente no Indielisboa, uma vez que também apresentou filmes em 2015 e 2016.
“Im Schatten der Utopie” é um filme bastante misterioso e esvoaçante que se mistura com a leveza da voz off. A imaginação parte para outro reino, tão distante do ar, e que repousa sobre as pedras preciosas do filme: ‘opalite, agate, amezonite, benitoite, flurite, amethyst, jade, quartz’. Escutamos uma voz feminina, intensa, a contar a história de um homem que se exilou em terras de Vera Cruz. A voz torna-se na componente mais importante do filme, porque é através dela que conseguimos ligar o resto dos elementos. Somos lançados neste mundo abstracto de imagens, e que aos poucos começam a fazer sentido, sem precisarmos de uma imagem constante que nos auxilie. A narrativa espalha-se a cada minuto, e a cada minuto é-nos dado tempo para respirar e tempo de silêncio. As imagens são pequenos pormenores subjectivos que só a voz os entende, a natureza torna-se o interprete que mais vezes aparece, o mar, as plantas, os animais. Tudo circula entre os elementos naturais e a filosofia dos pensamentos, mergulhamos nesta meta galáxia dos sentimentos humanos. As mulheres nas pedras, a voz que as une, o vento que as separa, e o mar que as limita.
A curiosidade precessa-se nos 24 minutos do filme e nunca se perde, mesmo quando o espectador pensa que domina e entende a história, mas que mais à frente percebe-se que afinal o filme é como a vida, imprevisível.
O espectador é atirado ao mar e espera-se que este nade até à costa e portanto entende-se que a vida depende das escolhas que se fazem, e que aqui também se pode escolher.
O segundo filme intitula-se ’Painting With Joan’ e leva-nos para o mundo da televisão dos anos 80, onde nos é dado a ver um tutorial de pintura. Uma espécie de youtube de péssima qualidade propositada onde se coloca todo o humor em prática na performance de Joan. Uma mulher nos seus 40 anos que tenta desenvolver as suas qualidades de pintora à frente de uma estranha câmara que insiste em ver constantemente. Jack Henry Robbins, também ele repetente no Indielisboa, com um bem humorado porn-eco ‘Hot Winter’, mantém a sua graça e ânimo e lança agora esta divertida curta-metragem artístico-espacial. ’Painting With Joan’ é repleta de um discurso bastante anedótico, numa tentativa de ser sensual, e com uma linguagem filmica semelhante ao do antigamente, mas recheada de peripécias pitorescas a roçar o jovial.
“Merencória” é um filme brasileiro do realizador Caetano Gotardo. Esta obra tem uma estrutura tripartida e começa com uma mulher deitada no chão a fumar, passado alguns minutos entra uma nova personagem e assim que começam a desenvolver um discurso passamos para a parte dois. É também nesta parte que surge o resto das personagens do filme e elementos de uma banda que estão num ensaio numa sala escura. A dada altura a música acaba e surge a terceira parte onde se pode ver um homem deitado no chão, num ambiente azul meio sufocante. Agora, existem dois elementos deitados no chão, um com o outro, nas colinas da mágoa e do amor. O filme termina como começou, com um casal em crise, e mesmo a música da segunda parte, não trouxe harmonia, só lágrimas. Só sentimentos que foram lavados pela tempestade, chuva por dentro e por fora.
Já “Jodilerks Dela Cruz” é um filme filipino e realizado por Carlo Francisco Manada. Esta curta conta história de uma mulher no seu último dia de trabalho. Um trabalho bastante duro, numa bomba de gasolina e no meio de uma cidade perigosa e aflitiva. Atravessamos todo o filme com algum receio, peso e somos confrontados pela pobreza e desespero. No entanto, é-nos apresentado tudo isto com bastante humor e leveza, como explicou o realizador: é a forma como o povo filipino passa pelos problemas. Mesmo que difíceis e complicados os problemas têm que ser levados de forma ligeira.
“Jodilerks Dela Cruz” desenvolve uma personagem feminina bastante forte, em que as suas acções e demonstrações de personalidade vão crescendo com a evolução dramática do filme. A obra acaba de forma trágica, com a expulsão propositada da bomba de gasolina, farta daquele desespero e frustração, ela resolveu dar tudo no seu último dia de trabalho e último dia de vida. O realizador explicou na sessão que aquilo não era algo trágico, era a realidade de um pais pobre, em que o individuo na maioria das vezes não tem nada a perder. Não tem como sair da pobreza, não tem forma de mudar o mundo, e entra numa espécie de repetição que não é fácil de lidar. Carlo Francisco Manada é um filme com uma realização e fotografia bem conseguidas, o som deixa-nos numa espécie de tensão, a música torna-se a descompressão e tudo o transforma numa narrativa curiosa.
‘Stay Ups’ é um documentário ficcional de Joanna Rytel que nos conta a historia de uma mãe solteira, já nos seus 40 anos, que tenta construir uma vida amorosa/sexual interessante, mas que se confronta com o problema social bastante complexo. Todo o filme se constrói à volta de uma visita nocturna que vem a casa, mas que para que isso aconteça, o filho tem de aprender a esconder-se e fingir que não existe, ou que existe mas sem dizer que aquela é a sua mãe. Ouvimos um discurso muito interessante desenvolvido entre a criança e a mãe, entre o que ela quer, mas que não pode. A criança apresenta uma máscara dramática, que nos faz ter alguma pena e receio por ela. A casa está cheia de brinquedos, e até isso parece ser um problema: torna-se uma reflexão social, entre aquilo que a sociedade acha que esta certo, e aquilo que é a realidade. Já a maternidade parece que sexualmente se torna numa doença, é assim que a criança é apresentada, como algo que esta ali a mais, um obstáculo para a felicidade da mãe. Esta é a visão que nos é dada e que faz questionar a complexidade deste tipo de problemas sociais, com esperança que a realidade se altere.
‘Stay Ups’ foi a curta-metragem que este ano ganhou o Prémio do Público.