David Marçal ensina-nos como perder amigos rapidamente… ou pelo menos a saber com os quais podemos contar
“Como Perder Amigos Rapidamente” é o título do livro de David Marçal publicado pela Gradiva no âmbito da coleção Ciência Aberta, em Novembro de 2024. Doutorado em Bioquímica, sendo um dos divulgadores e comunicadores de ciência mais ilustres em Portugal, possui obras publicadas pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, como “Pseudociência” e “Cientistas Portugueses”. Fazendo dupla com o físico Carlos Fiolhais, que faz o prefácio a este livro, renderam obras como “Apanhados pelo Vírus”, “A Ciência e os Seus Inimigos”, “Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias da Falsa Ciência” ou “Darwin aos Tiros e Outras Histórias de Ciência”, nesta mesma coleção. Com este livro, David Marçal adopta a famosa rúbrica quinzenal feita no jornal Público com o mesmo título, e com textos revistos e alguns adicionados.
Num mundo onde as pessoas são cada vez mais sensíveis e se ferem com pequenas susceptibilidades, levando tudo a peito, é muito chato ter amigos que, com dados e factos, nos apresentam argumentos que são extremamente difíceis de refutar. Isso justifica o subtítulo do livro “… e aborrecer as pessoas com factos e ciência” porque esses argumentos apresentam isso mesmo: factos! E é com factos e referências credíveis que David Marçal fundamenta toda a sua argumentação. Até porque, à medida que percorremos as páginas, são vários os estudos e artigos científicos que são citados, contando com mais de 200 referências bibliográficas que o autor convida o leitor a consultar no desfecho do livro.
O livro encontra-se dividido em quatro grandes capítulos, cada um deles com diversos textos onde David Marçal expõe um tema, refutando-o ou fundamentando-o com base em fundamentos científicos e dados comprovados. Pode parecer chato, e talvez ironicamente o próprio venha a perder amigos, mas acabamos por facilmente acompanhar o seu raciocínio. Em “Como Estragar Conversa de Circunstância”, o autor acaba por demonstrar que as pessoas têm uma ideia errada e pessimista em relação ao mundo que está cada vez melhor com os avanços científicos e tecnológicos. O autor desfaz também os mitos da meritocracia com factos chatos, difíceis de aceitar para alguns, acabando também por mostrar que alguns dos nossos comportamentos não são assim tão diferentes aos de outros seres vivos.
Em “Como Ser Cancelado”, o autor expõe temas de maior sensibilidade que nos podem levar a ser cancelados ou bloqueados nas nossas redes sociais. Como o facto do sexo ser binário, o que muitas vezes confundido com ideologia de género, ou a confusão feita entre aquilo que foi a escravatura e os descobrimentos portugueses. Questões como o negacionismo, que por vezes chega a ser tão perigoso como um determinado alarmismo excessivo e exacerbado, é retratado em “Como Criar Mau Ambiente”. Juntando também os benefícios do CO2 no nosso planeta, que não pode ser visto como algo necessariamente prejudicial, o autor argumenta também as vantagens da energia nuclear face aos combustíveis fósseis e às restantes renováveis.
Em “Como Arranjar Problemas de Saúde”, David Marçal desmonta a homeopatia e as terapias alternativas que parecem ser ciência, mas que nada de científico têm, sendo consideradas práticas pseudocientíficas. Apresenta-nos os célebres charlatães e chalupas que procuram vender ou promover algo curativo que não tem efeitos clínicos comprovados, chegando mesmo a colocarem-se contra a ciência. O autor chama a atenção com diversos casos destas personagens que levarem a tribunal quem os contrariou ou, melhor dizendo, quem também os aborreceu (e muito!) com factos e ciência, expondo quatro casos internacionais e dois que se passaram em Portugal. Acaba também por mostrar modo como as tabaqueiras têm um longo historial de manipulação de estudos sobre a redução dos riscos do tabaco a seu favor, dado a diminuição de consumidores de tabaco ao longo dos anos.
Com este livro, David Marçal ensina-nos como perder amigos rapidamente, ou pelo menos a saber com os quais podemos contar. Tal como o próprio refere, o título acaba por ser irónico, porque não é isso que pretende. Pretende sim, de uma forma clara e cuidadosa esclarecer os leitores sobre os temas que vai abordando ao longo do livro e também na sua rúbrica quinzenal no jornal Público. Os bons amigos não são aqueles que nos dão sempre razão e que concordam sempre connosco. São aqueles que muitas vezes são chatos, que se preocupam, e que nos fazem cair na realidade quando nos apresentam factos e evidências. David Marçal acaba por ser um desses amigos que é bom ter sempre por perto, e saber que com ele poderemos sempre contar.