NOS Primavera Sound: um segundo dia de extremos

por Comunidade Cultura e Arte,    9 Junho, 2018
NOS Primavera Sound: um segundo dia de extremos
A$AP Rocky

O segundo dia desta edição de 2018 do NOS Primavera Sound foi marcado por extremos. A música foi desde o metal até ao bastante celebrado hip-hop, passando pela electrónica pura, demonstrando a versatilidade do festival. Os extremos também se aplicaram ao clima, dado que as nuvens finalmente se dissiparam, deixando o sol dar um ar da sua graça, apenas para regressarem ao fim da noite, ameaçando rebentar em cima dos festivaleiros que ainda se encontravam no recinto. O dia foi mais rico em concertos, com a abertura do palco Pitchfork, e escolhas não faltaram. Fica aqui o nosso resumo do dia 8.

O público do Primavera rejubilou por poder sentar-se na encosta que dá vista para o palco Super Bock, permitindo-lhes assistir descansadamente ao concerto dos portugueses Black Bombaim.  Banda de influências stoner, impressionou com as suas guitarras a rasgar e baixo pesado, que compunham as suas canções instrumentais intensas. Aliás, o início deste dia de concertos – principalmente na zona dos palcos siameses (NOS e Super Bock, que continuam a funcionar alternadamente) – foi especialmente pesado.

O quinteto britânico IDLES veio na senda deste ambiente, entrando em terrenos mais agressivos, que levaram além a sonoridade do seu álbum de estreia, Brutalism. Joe Talbot, que dá voz às canções, lembra-nos do vocalista dos escoceses Twilight Sad, que passaram pelo festival no dia anterior, pelo estilo e pela intensidade que imprime nas suas canções. Talbot, por sua vez, é mais mordaz e sarcástico, movimentando-se dinamicamente pelo palco a gritar as suas canções interventivas para o microfone. Não dá tempo para muito mais, pois pouco tempo depois, no palco SEAT, alevantar-se-ia uma grande promessa da música alternativa.

IDLES

O projecto de Damon McMahon, Amen Dunes, já anda por aí há mais de uma década, mas só com Freedom – álbum lançado este ano – é que pôde gozar das luzes da ribalta alternativa. Ao fim da tarde, acompanhado de uma banda ao vivo, apresentou as suas novas canções que vão beber à fonte do rock clássico, com um som polido e bastante aprazível. A voz de Damon ouviu-se claramente, com a sua dicção e tremolo característicos que nos contam histórias baseadas na sua infância. Com o seu carisma adorável, conta-nos que as canções são parcialmente inspiradas por Lisboa, cidade onde passou seis semanas a escrever algumas delas; por isso se torna tão especial apresentá-las em Portugal. As canções mais emotivas, como “Believe” ou “Freedom” caíram bem no público, que as aplaudiu com gosto. Fica na calha o regresso em 2019.

Amen Dunes

A seguinte hora é um bom exemplo dos extremos deste festival. Os Zeal & Ardor, de origens suíças e americanas, rebentavam com o sistema de som do palco Super Bock, com a sua bateria imparável e guitarras lodosas que vão beber ao black metal, numa mistura especial. Algum público assistia, deliciado, enquanto fazia o característico headbanging, enquanto outros admiravam simplesmente o portento sonoro e a estética da banda: com cinco elementos dispostos lado a lado, foi bonito ver os três guitarristas a sentir o que tocavam ao mesmo ritmo, enquanto, intercalados, dois vocalistas se quedavam estóicos. Ao mesmo tempo, os Yellow Days apaziguavam o público do palco Pitchfork com a sua música plácida e agradável, se bem que por vezes o metal do palco vizinho se intrometia na mistura.

Yellow Days

Cinco anos depois, as Breeders regressaram ao Primavera Sound, para nos relembrar da pop rock alternativa que se fazia nos anos 90, mas também para nos mostrar aquilo que fizeram mais recentemente em All Nerve, álbum lançado este ano. Com um som bem produzido, que chegava a todos os cantos da encosta do palco NOS claramente, as americanas deixaram o público satisfeito. A sua boa disposição foi também admirável, com interlúdios que, entre outras coisas, faziam um shout-out a Steve Albini, dos Shellac, que subiria a palco logo a seguir. “Se não gostarem desta música, façam questão de o dizer ao Steve, foi ele que a gravou connosco”. Ainda houve tempo para fazer uma versão de “Gigantic”, dos Pixies. Ah, memórias.

The Breeders

Em revisitações mais recentes, tivemos um dos grandes nomes do indie rock do virar da década no palco SEAT: os Grizzly Bear. Sejamos honestos, este concerto não fez muito pela reputação do excelente último álbum, Painted Ruins, tendo em conta que o som estava mal produzido, com a bateria demasiado destacada e vozes escondidas por debaixo da mistura de som feita pelos nova-iorquinos. Por outro lado, as canções que o público já conhece e ama soaram precisamente como deviam soar. A subtileza de “Fine For Now” e “Ready, Able” – escolhas curiosas para um concerto de festival – desembocou em clímaces épicos, naquele que foi o modus operandi da banda, de construir tensão, para logo depois a libertar explosivamente. Ed Droste afirmou estar feliz por estar em Portugal, e o público também pareceu estar feliz por vê-los, aplaudindo bastante as ‘clássicas’ “Yet Again” e “Two Weeks”, até porque talvez fosse a primeira vez que as ouvissem ao vivo. O concerto terminou em grande, com a maravilhosa “Three Rings” (que fugiu à maldição das canções do último álbum) e a bela “Sun in Your Eyes”, com direito ao saxofone de Chris Taylor.

Grizzly Bear

Pouco depois da hora combinada, começou a ouvir-se o piano sério de “Get the Fuck Off my Dick” quase como um sussurro, antes de Vince Staples aparecer no palco. Começou o concerto a dizer para o deixarem em paz, muito ao estilo “desinteressado” que costuma ostentar, mas “Big Fish” assegurou-nos que também sabe o que é festa. Os instrumentais electrónicos do músico carregaram a actuação e mostraram distintivamente este hip hop do nativo de Long Beach: é digital, com batidas que convidam à dança, e versos ameaçadores. “Hope I outlive them red roses”, cantou na desconcertante “Blue Suede” enquanto envergava um colete à prova de bala, não estava para brincadeiras. Percorreu os seus vários projectos com músicas como “Lift Me Up” ou “Prima Donna” e até houve tempo para uma cover de “Ascension” dos Gorillaz, com as suas rimas rápidas e refrão repetitivo que fica no ouvido. Quando estava prestes a terminar, pediu o apoio do público “Antes de sair deste palco quero que ponham as mãos no ar e cantem estas duas palavras” disse antes de se ouvir a batida caótica e possante de “Yeah Right”. Terminava assim a estreia de Vince Staples em terras lusas, com um estrondo electrónico e barras cuspidas bem alto.

O palco Pitchfork estava pronto para receber um show repleto de grandes malhas de baixo de Thundercat e foi isso mesmo que o baixista proporcionou. As interrupções no som do seu baixo em “Captain Stupido” e “Uh Uh” não conseguiram parar a força indomável de notas e perícia que é Stephen Bruner, igualada pelo baterista e pianista que o acompanharam. O seu logo de um felino a rugir iluminava-o de vermelho enquanto disparava melodias e improvisava com grande destreza. “Esta próxima música também é sobre o meu gato” disse antes de mostrar “Tron Song” a um palco cheio. Mas apesar da grande qualidade instrumental de Thundercat, os solos quase infindáveis e jams com os seus parceiros de banda tornaram a actuação monótona em alguns momentos num set dedicado a Anthony Bourdain (“Perdemos um bom homem hoje”) e que terminou com “Them Changes” a ouvir-se a bom som, com a linha de baixo de Thundercat, como de costume, a imprimir um groove à música que era impossível de apreciar parado.

Um dos nomes mais esperados do festival era Fever Ray, talvez pela ideia de que, perdendo esta oportunidade, só pudéssemos ver um concerto da artista sueca daqui a muito tempo. Sendo assim, houve uma urgência especial para aproveitar a experiência, que muito entreteve o público, desde o fabuloso espectáculo de luzes às vestimentas teatrais das vocalistas que acompanhavam Karin Dreijer. O concerto focou-se bastante no mais recente e aclamado Plunge, com as suas batidas intensas e profundas, com destaque para a dançável “IDK About You” – canção produzida pela portuguesa Nídia –, na qual o público não resistiu a tirar os pés do chão. As teclas de “To the Moon and Back” induziram o transe esperado e a dicção deliciosa de Dreijer acompanhou na perfeição a electrónica pesada da sua música.

Fever Ray

Perante um palco NOS cheio, A$AP Rocky deixou o público à espera na esperança de que chegassem mais uns quantos. Só quando se ouviu o baixo penetrante de “Distorted Records” é que o artista se mostrou, carregando a música com grande pujança. No centro do palco estava uma cabeça gigante de um boneco de teste de colisão, aludindo a Testing, o álbum que veio apresentar, e em “A$AP Forever” e “The Kids Turned Out Fine” mostrou que as músicas do álbum lançado no mês passado já estão afinadas. Mas não se esqueceu dos êxitos mais antigos como “Everyday”, a opulente “Goldie”, cantada de dentadura de ouro na boca, ou a fugaz “Fuckin’ Problems”. O seu carisma carregou a actuação mas não chegou para tudo: algumas vezes era a voz gravada que cantava por Rocky num misto agridoce de momentos em que enaltecia a música, como na destruidora “Wild for the Night”, e noutros em que denotava preguiça da parte do artista. Encerrou o palco NOS com “CALLDROPS”, que com a sua guitarra lânguida e a sua batida lenta e dormente terminou o set algo adormecido do rapper de forma adequada, sempre com pinta mas sem a intensidade que se pedia de um artista do seu calibre.

A$AP Rocky

A noite mais estimulante do Palco Pitchfork continuava a dar cartas; os Unknown Mortal Orchestra distribuíram com generosidade o seu rock psicadélico de fácil digestão, sem nunca hipotecarem os acordes inesperados das suas composições. Tendo começado pelo reportório mais antigo, e após uma sessão de crowdsurfing em que não deixou de nos presentear com a sua guitarra virtuosa, seguiu para canções do mais recente álbum Sex & Food. O público correspondia de forma vibrante, deixando-se embalar pelos riffs coloridos e expressivos do colectivo americano. Um concerto que confirmou a frescura e a versatilidade da banda, renovando a expectativa para o futuro.

Unknown Mortal Orchestra

A fechar a noite, Floating Points voltou onde já foi e onde fez feliz o público que assistiu ao seu concerto com banda, em 2016. O palco Pitchfork voltou a recebê-lo, desta vez para um set a solo, em que as batidas se tingiam das teclas e sons agudos e fugazes característicos da sua música meticulosa. O baixo por vezes era tão intenso, que conseguíamos sentir as partículas de ar ao pé dos nossos ouvidos a vibrar, provocando sensações de mudança de temperatura – e isto não é exagero. As experimentações sonoras de Sam Shepard foram agradando o público, se bem que alguns elementos mais impacientes clamavam por mais ritmo quando passávamos por deambulações noise e ambiente, talvez pela hora avançada. Para quem aceitou o espectáculo por aquilo que foi, ter-se-á deixado impressionar pela mestria na manipulação do som e também pelas projecções visuais, que se adequavam ao ritmo daquilo que ouvíamos no momento; terá sido transcendente para quem o tiver deixado ser, e mais não precisa de ser dito.

Depois de Floating Points, muitos dos festivaleiros decidiram que estava na altura de seguir para casa. Mas para os mais corajosos, o palco BITS continuou a bombar pela noite fora, com actuações de Levon Vincent e Marcel Dettman. Para esses, o derradeiro dia do festival já começou há muitas horas atrás. Para os restantes, esse dia arranca hoje com Luís Severo e Oso Leone a iniciarem o último dia deste festival cheio de música.

Artigo escrito com contribuições de Bernardo Crastes, Miguel Santos e Tiago Mendes.
Fotografias de Sara Camilo / CCA

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