Política: profissão ou propósito?

por Lara de Sousa Dantas,    14 Março, 2025
Política: profissão ou propósito?

Tenho medo. Medo da velocidade com que tudo acontece, com que tudo se transforma em ruído antes de se transformar em verdade. Sou jovem e cresci a acreditar que a política era um espaço de ideias, de convicções, de construção. Um lugar onde se discutiam caminhos, não apenas cargos. Mas, à medida que fui amadurecendo, percebi que o jogo político parece estar cada vez menos assente em valores e cada vez mais dominado pela necessidade de subsistir.

Luís Montenegro é apenas um nome num ciclo que se repete. Hoje é ele, amanhã será outro. Não se trata de o defender ou de o acusar, mas de perceber como chegámos aqui: a um tempo em que os políticos são devorados antes sequer de conseguirem explicar-se, em que as manchetes substituem a substância e em que a política se tornou uma profissão e não um propósito.

A questão essencial é desconfortável: pode alguém servir verdadeiramente o interesse público quando depende financeiramente da política? Quando um político não tem outra fonte de rendimento, quando precisa do cargo para pagar as contas, não se torna inevitavelmente refém dele? É difícil acreditar numa total imparcialidade quando o salário político é a única garantia de estabilidade. O problema não está apenas nos indivíduos, mas no sistema que permite e incentiva este ciclo.

A política deveria ser um espaço de serviço, não um mecanismo de sustento. Quem nela entra deveria poder sair sem que isso representasse um colapso pessoal. Mas não é esse o modelo que temos. Criámos uma estrutura onde a sobrevivência política se sobrepõe à liberdade de pensamento, onde se governa para o momento e não para a história. O resultado é um desfile de decisões tímidas, pautadas pelo medo da impopularidade, pela necessidade de agradar, pela eterna busca de um próximo cargo.

E nós, cidadãos, somos cúmplices desta velocidade descontrolada. Consumimos política como consumimos notícias – depressa, sem paciência para o detalhe, sem tempo para a profundidade. Julgamos antes de ouvir, condenamos antes de compreender. Quem precisa de explicações quando o título já nos disse tudo? Mas será esta a política que queremos? Será esta a democracia que defendemos?

Olhando para Montenegro, para os que o antecederam e para os que o seguirão, não posso deixar de sentir que vivemos numa era de precipitação. Perdemos a capacidade de distinguir entre uma suspeita e uma condenação, entre um erro e uma fraude, entre uma política falhada e um crime de governação. A política tornou-se um palco onde os protagonistas mudam, mas o guião é sempre o mesmo: ascensão, ataque, julgamento mediático, queda.

Se o destino de um político está mais ligado à sua capacidade de resistir ao vendaval de perceções do que ao impacto real das suas decisões, então o problema não está apenas em quem governa, mas em quem observa. Podemos exigir políticos melhores, mas só os teremos quando formos também cidadãos mais exigentes com a forma como consumimos a política. Até lá, continuaremos a assistir ao mesmo ciclo, repetido até à exaustão, sem nunca sairmos realmente do mesmo sítio.

Talvez o problema não seja apenas a política, mas a forma como a tratamos. Porque, se continuarmos a julgar antes de pensar, a consumir antes de questionar e a preferir o ruído ao debate, então resta-nos uma certeza: o problema não é só quem governa. O problema somos todos nós.

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