A paixão segundo São Precário

por Jorge Pedro Ferreira,    3 Abril, 2025
A paixão segundo São Precário
Fotografia de Taylor Flowe / Unsplash

Não me levem a mal o desabafo, mas a escola pública está na merda. Não levem também a mal a vaidade de me considerar um bom professor e não tomem como modéstia a constatação de que, nos últimos anos, me cruzei com colegas a cujos calcanhares aspiro em competência. Uns de saída, uns a chegar, outros a meio do caminho — todos a remar contra uma maré que insiste em afundar o barco.

Especialistas em educação também me consta que temos, talvez menos do que peritos em futebol, mas ainda assim mais do que generais comentadores, aos quais já perdi a conta. E que nos dizem eles? Reformas, inovação, metodologias ativas, ensino híbrido, flexibilidade curricular — palavras bonitas que disfarçam o essencial: não há investimento real, não há valorização séria da profissão e não há vontade política de mudar coisa nenhuma para além das manchetes.

A paixão pela educação foi slogan com autoria, mas não faltaram variantes a apregoar o mesmo, a cada governo. E no entanto, continuamos. Porquê? Se todos reconhecemos a importância da escola pública, porque é que andamos a dar cabo dela? Quem é que ganha com isto? É só incompetência, ou há método nesta loucura?

Os professores são acusados de serem resistentes à mudança, mas alguém já viu a mudança que nos propõem? Turmas maiores, burocracia absurda, programas feitos por quem nunca deu uma aula na vida, salários que envergonham qualquer país decente. E ainda nos dizem que devemos inovar, motivar, usar tecnologia de ponta… onde? Nos edifícios onde chove dentro? Com materiais que não existem? Com o tempo que nos roubam para preencher relatórios inúteis?

E sim, sejamos honestos: nem todos os profissionais nas escolas são brilhantes. Há quem não devesse estar lá, há quem não queira estar lá, e há quem só esteja porque falhou no resto e encontrou um sítio onde consegue falhar com mais elegância. Mas a percentagem de incompetentes nas escolas é, aposto eu, muito inferior à percentagem de gente de merda que temos como decisores. Essa sim, atinge valores olímpicos.

O que é mais surreal é que, apesar disto tudo, há professores que ainda conseguem ensinar.

Mas até quando?

Qual é o ponto de rutura?

Será preciso chegarmos ao dia em que ninguém queira mais ser professor para finalmente percebermos que o problema não está em nós, mas no sistema que nos empurra para fora?

Não levem a mal as perguntas. Só gostava de ouvir algumas respostas. Ou, vá, pelo menos uma desculpa criativa.

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