Jessie Ware foi dona e senhora do palco do EDP Cool Jazz
O mês de Julho vai avançando e o EDP Cool Jazz vai deixando a sua marca ao longo do mesmo, com o sólido cartaz que marca a sua 15.ª edição. Na passada quinta-feira, Jessie Ware e Jordan Rakei subiram ao palco do Parque Marechal Carmona para uma noite mais dedicada às sonoridades soul, pop e R&B. Esperávamos encontrar um recinto mais recheado para ver este duo bem escolhido de artistas, mas talvez o histórico de Jessie com Portugal – a artista cancelou dois concertos cá em 2015 e 2017 – tenha deixado alguns melindrados. Certo é que a artista marcou presença em Cascais, após três dias bem passados em Lisboa, e deslumbrou o público do festival com o seu concerto notável.
Após uma travessia preguiçosa até à vila cascalense, chegamos ao belíssimo espaço do festival mesmo em cima do início do concerto do neozelandês Jordan Rakei. O espectáculo começa calmamente, com o dedilhar de guitarra de “Eye to Eye”, mas a ansiosa entrega vocal da canção prenuncia uma expansão sonora que acaba por acontecer, com a banda a juntar-se ao artista num ritmo ziguezagueante que parece envolver-nos. “Snitch” continua esta tendência rítmica, numa das maiores valias das canções de Jordan, a par das teclas de sonoridade lounge tocadas pelo artista. Outras características acabam por não ser tão interessantes, como a desenxabida guitarra acústica de “Lucid”.
O artista parece algo nervoso ao dirigir-se ao público, nesta que foi a sua estreia em terras lusas, apresentando-se a si mesmo por repetidas vezes. Quando se sentia mais à vontade era a expor os seus dotes vocais, principalmente em canções pujantes como “Sorceress”, de ritmo épico e guitarra ecoante e melancólica; era aí que a sua voz soul adocicada se destacava mais, arrancando então calorosos aplausos da plateia. Outros momentos mais experimentais, como os sintetizadores progressivos cheios de delay a galopar até ao início cool de “Talk to Me”, foram também de valor. Sem impressionar por aí além, Jordan e a sua banda apresentaram um concerto competente, que decerto terá deixado alguns elementos do público de pulga atrás da orelha relativamente à sua música.
Se o entusiasmo relativamente ao concerto que se seguiria crescia, é certo também que mantínhamos alguma cautela, pois um terceiro cancelamento por parte de Jessie ainda poderia ocorrer – brincadeira nossa, até porque há que rir para não chorar. Mas todas as dúvidas se dissiparam quando, por volta das 22:50, a banda da artista começou a ocupar os seus postos. Eis então que a elusiva Jessie Ware se apresentou perante nós, em carne e osso, e, com poucos artifícios, se atirou a “Sam”, a doce balada que fecha o seu último álbum, dedicada ao seu marido. Assim, sem mais nem menos, apontou logo ao coração de quem a ouvia, impondo silêncio e despoletando uma forte salva de palmas. No final atmosférico da canção, a brisa abanou o leve e largo vestido da cantora, que exalava uma classe apenas quebrada – ou redobrada, ainda não sabemos – pelo seu gargalhar adorável, que soltava como resposta aos uivos entusiasmados do público.
A partir daí, foi ao longo de uma setlist longa, surpreendente e versátil que Jessie se moveu pelo espectro da sua música, oscilando entre a sofisticação pop e o cardápio mais baladeiro. No primeiro extremo, “Running” marca posição logo no início com as suas teclas determinantes e ritmo midtempo pesado, relembrando a promessa a preto e branco de Devotion, álbum de estreia saído em 2012. Por outro lado, as baladas são o veículo ideal para a cantora demonstrar o enorme controlo que tem sobre a sua poderosa voz, equilibrando os momentos de maior força com a contenção em momentos cruciais. Talento não lhe falta e não passa despercebido, tendo em conta a reacção entusiasta do público a cada nota sustida ou momento de maior intensidade.
Para além da entrega vocal, a cada intervenção Jessie vai conquistando mais e mais o público. Torna-se difícil duvidar do que nos diz, dada a tamanha genuinidade das suas palavras, quando afirma estar incrivelmente feliz por finalmente ter regressado e que tem adorado os dias que passou no nosso país. A certa altura, considera incontornável referir o elefante na sala: os dois cancelamentos. Lamentou imenso o sucedido e, num momento de extraordinária descontracção, referiu que se começava a sentir como o Frank Ocean – artista dado a amargos cancelamentos de concertos. Fala-nos do que fez nestes cinco anos sem nos ver: casou, lançou dois álbuns e teve uma filha, com quem é difícil passar tempo durante as tours e à qual dedica “Thinking About You”. De forma tocante, diz-nos que no dia seguinte já matará todas as saudades, pensamento que nos aquece a alma e eleva aquela que é uma das suas canções mais desinteressantes a um patamar especial. “Já estivemos aqui num flirt para nos conhecermos melhor, mas chegou a altura de passar à acção”, diz-nos.
As canções soam todas elas limpas, despidas de excessos, criando o espaço necessário que Jessie preenche; um pouco como a disposição do palco espelha, cuja frente é inteiramente dominada por si, dona e senhora do palco. Movendo-se de um lado do palco para o outro com uma passada segura, incita-nos a acompanhá-la em “Kind Of… Sometimes… Maybe”, um dos seus momentos mais sexy. “Something Inside” é resgatada ao primeiro álbum para uma versão em crescendo, mas que retém as suas belas teclas chuviscadas. Uma cover de “What You Won’t Do For Love”, de Bobby Caldwell, apenas a guitarra e voz, dá azo a mais umas piadas acerca da sua ausência prolongada de Portugal (“I guess you wonder where I’ve been” é o primeiro verso), assim como à demonstração de um registo mais doce da sua voz.
Entramos na recta final a partir do momento em que se ouvem as teclas nocturnas de “Midnight”, que desembocam no refrão maior que a vida, quase tão celebrado pelo público como a canção maior da cantora, “Say You Love Me”, cantada por grande parte do mesmo. Mas, como esperado, o final faz-se ao som de “Wildest Moments”, antes da qual Jessie urge a que o público se aproxime. Mais uma invasão da plateia VIP por parte do público geral (mais contida que em BADBADNOTGOOD) e eis que se encontram aos pés da protagonista da noite, que dá a mão aos fãs e canta a olhar para os seus olhos. É a diva acessível de que a pop precisa.
Desta forma, Jessie Ware assinou aquele que foi mais um fantástico concerto sob a alçada do EDP Cool Jazz, comprovando que a forte aposta no cartaz deu frutos. Mas o festival ainda não terminou: Van Morrison actuará no dia 28 de Julho e Norah Jones fechá-lo-á no dia 31 de Julho – ambos os concertos terão lugar no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais.