A absurdidade do Amor

por Pedro Lopes Adão,    27 Setembro, 2021
A absurdidade do Amor
“The Lovers”, Paris (1928), pintura de René Magritte
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Que se fale do Amor e das suas absurdidades adjacentes, pois tais coisas — tão contrárias em essência — tendem a correlacionar-se. Assim, algo que pode trazer uma felicidade furtiva pode, por outro lado, quando não correspondido, manifestar-se danoso — e de entre todos os sentimentos catalogados, somente o Amor ou o Ódio performam reviravoltas intensas no nosso córtex pré-frontal, apresentando ao indivíduo que os experimenta, bem como aos outros que o acompanham, a abismal e desconhecida parte do abismo das emoções: abismo esse capaz de destruir aquilo que um é.

Por que há absurdidade no Amor? Porque torna-se absurdo pensar que é dele donde a vida vai colher o seu sentido, não obstante de o ser — primeiramente, um é porque nasce: e todo o nascimento torna-se possível através de, apesar de nem sempre, uma relação cujo princípio reside em sentimentos mútuos; em segundo lugar, aquele que é derivado do Amor tende a cair nele mais tarde na vida, consumando-o, talvez, pelos mesmos caminhos dos que o precederam, e considerando a sua cara-metade como um, senão o único, motivo para o sentido existencial da vida.

Alguma vez pensamos o quadro desta maneira? Os preceitos que precedem o nascimento são aqueles que depois se manifestam como inércia: não só o Amor tem a força de convergir, como tal potência permite amar os opostos psicofisiológicos, ou seja, a famosa parábola “os opostos atraem-se” consagra-se verdade.
Dito isto, alguns poderão argumentar o seguinte: “Falas em absurdo, mas tudo parece apontar para uma forma de «organização» interna”. Eu, por minha vez, não encontro argumentos que rebatam esta frase, e veja-se porquê. A absurdidade do Amor ocorre por este ser um paradoxo.
Mais precisamente, nós temos medo de perder alguém que amamos; ficamos tristes com a partida dalguém amado (partida temporária ou etérea e permanente); sentimos um incontestável conforto na ideia de “ligação eterna” à cara-metade; encontramos paz, amiúde, na exclusividade sexual.
Não é obvia a coerência natural de palavras contraditórias quando o Amor é o objeto de estudo? — tal afigura-se-me como uma demonstração rudimentar de ordem dentro do caos. Não serão os amantes absurdos à custa disto?

Regozijo-me do que falei até agora, porém, uma questão pertinente não pode ficar sem resposta.
O que é um amante? E, inevitavelmente, uma outra: Qual a essência de um amante? Na ausência de certezas — pois da minha incursão não pretendo um axioma —, a resposta possível é: Um amante é um ser humano sobrecarregado de um estranho e absurdo sentimento normalmente apelidado de Amor, e cuja essência reside na metamorfose do “Eu”, pela abnegação substancial do individual, em detrimento de um “Nós” — o desejo de fundir dois em um. Numa guerra, por exemplo, mesmo os indivíduos que não se consideram inimigos pessoais — a não ser pelo serviço a um credo ou nação — destroem-se, procurando encontrar as suas fragilidades. Por outro lado, no Amor, fragilidades transformam-se em aceitação, adoração e adornação de um outro: nós não julgamos os que amamos por terem medo de algo, antes procuramos ajudá-los a superá-lo e/ou a lidar com isso — em matérias como o Amor, as limitações humanas não são verdadeiramente limitantes.

Amor: uma espécie de negociação absurda: eu sou, tu és, mas nós somos as somas das refrações. Como será possível lidar com a perda de uma das partes?

“Eu amo”, acabaremos por dizer: e a partir desse momento, o Absurdo, independentemente de tudo e todos, liberta-se do seu significado habitual. No fim, Amor confunde-se e pode vir a revelar-se como salvação.

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