A busca pela honestidade tem um nome: Nan Goldin

por Carolina Franco,    24 Novembro, 2017
A busca pela honestidade tem um nome: Nan Goldin
PUB

Nota prévia: a leitura deste artigo não deve, mas pode ser acompanhada pela audição desta playlist.

Pensar sobre a Nan Goldin significa, maior parte das vezes, pensar em mitos. A tendência para dificultar o fácil está muitas vezes presente no pensamento de quem consome arte, e engana-se quem pensa que a fotografia da Nan Goldin tem como intuito defender minorias marginalizadas ou alcançar um grande feito estético. Tudo gira em torno da procura pela honestidade, mostrando as coisas tal qual como são – sem mise-en-scène recriada, sem situações provocadas; apenas a verdade. Consegui-lo significa fotografar apenas aqueles que lhe são próximos ou, como a própria lhes chama, a sua tribo.

Picnic on the Esplanade, Nan Goldin (1973)
Cookie and Millie in the Girl’s Bathroom at the Mud Club, Nan Goldin (1979)

Nan começou a fotografar aos 15 anos, após o suicídio da sua irmã Bárbara, para que dali em diante não só tivesse um ajudante de memória, mas também evitasse o revisionismo da sua história. Ao vermos as suas fotografias conseguimos conhecer o ambiente em que viveu durante grande parte da sua vida e acabamos a tratar os seus amigos por tu.  Cookie, David, Suzanne, Philippe, Misty, Jimmy Paulette, Joey, Amanda, Piotr, Sharon, Victorio, Gilles, Gotscho.
Resumi-la à Ballad of Sexual Dependency seria redutor, mas pior ainda seria ignorar a sua importância.  Em jeito de apresentação de slides, como era exposta inicialmente, ou de livro, encontramos nesta balada, que nos conta estórias de dependência e abuso em relações amorosas, quase um alerta para questões de género. O auto-retrato “Nan one month after being battered” (foto de artigo) acaba por ser o culminar do relato da ligação que teve com Brian e o momento consciente em que se apercebe até que ponto esta a levou.

Cookie at Vittorio’s casket, Nan Goldin (1989)

A decadência é uma constante na obra de Nan, seja ela causada por relações interpessoais, o consumo de drogas ou a Sida – a doença que levou grande parte dos que lhe eram mais próximos. Transportando a máquina fotográfica para todo o lado, como uma espécie de apêndice, captou a metamorfose resultante dessa decadência sem deixar de parte momentos que, para grande parte das pessoas, não seriam fotografáveis, como aqueles em que os seus amigos estiveram hospitalizados e, inclusive, os seus funerais. Mas Nan Goldin não é “grande parte das pessoas” nem segue o conceito normativo do que é e para que serve a fotografia.
Apesar de ter alguns registos alegres e que transmitem positividade, a sua fotografia favorita é “Sharon nursing Cookie”, na qual Sharon, uma ex-namorada de Cookie, a melhor amiga e musa de Nan, aparece com um semblante pesado por saber que o estado de saúde dela não vai melhorar. A explicação que dá numa palestra para a World Press Photo Foundation é curta mas esclarecedora – de todas as imagens que captou, essa é a que lhe parece mais próxima da honestidade que sempre procura.

Sharon nursing Cookie on her bed, Nan Goldin (1989)
Gotscho Kissing Gilles, Nan Goldin (1992)

Não foi só a fotografar os outros que Nan aprendeu a ver a sua vida de outra forma. Após 18 anos a viver constantemente sob o efeito de drogas, em 1988 decidiu ir para uma clínica de reabilitação e teve de se conhecer a si mesma novamente. Fê-lo fotografando-se todos os dias. A sua vida deu uma reviravolta e o uso do flash foi desaparecendo gradualmente e sendo substituído pela luz natural, que até então não valorizava pelo simples facto de ter uma vida maioritariamente noturna.

Nan and Brian in bed, Nan Goldin (1983)
Heart-Shaped Bruise, Nan Goldin (1980)

Há na obra de Nan Goldin uma vertente de auto-conhecimento e, a médio ou longo prazo, de terapia. Por muito que se tente interpretar ou contar versões diferentes da sua vida, não há como fugir aos factos: a sua obra é o seu espelho. Com o documentário I’ll be your mirror dá as respostas que podem faltar para que se perceba como deve ser – com simplicidade – como a interpretar, e que de pouco vale tentar conceptualizar.
A fotógrafa que se recusava a trabalhar com máquinas digitais conseguiu, mesmo não sendo essa a sua intenção, abalar consciências e escrever uma carta em forma de diário que presta homenagem não só àqueles que perdeu, mas também a uma geração que viveu de perto situações semelhantes às suas.

Self-Portrait in Blue Bathroom, Nan Goldin (1980)

Não lhe interessa criticar o trabalho dos seus colegas, mas considera importante que se pense sobre o estado da fotografia. Defende que a crença de que um disparo pode roubar a alma a quem está a ser fotografado não é tão disparatada como parece, e que a única pessoa com o direito de fotografar outra é alguém com quem está diretamente envolvido.

No fim, resta apenas uma questão: consegue a fotografia da atualidade ser verdadeira?

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados