A celebração dos 15 anos dos Nouvelle Vague
Para quem pensava que os Nouvelle Vague se limitavam a transformar músicas do rock britânico, americano e francês dos anos 80 em bossa nova, ficaram com uma outra impressão. Os Nouvelle Vague, também eles uma nova vaga de tantos hits de rock, nasceram há 15 anos e foram esses 15 anos que foram celebrados, num registo de festa e de celebração, como não podia deixar de ser. O dia 8 de dezembro de 2019 acolheu, assim, a banda francesa na Sala Suggia da Casa da Música, no Porto, numa noite que cheirava a relva molhada, após a chuva que tinha caído durante o dia. Foi, assim, um palco que recebeu as duas vocalistas, a doce e empática Mélanie Pain – a principal voz do grupo desde o seu início — e a irreverente e contagiante Phoebe Killdeer. Os fundadores do projeto, o guitarrista Olivier Libaux e o compositor Marc Collin, também atuaram ao seu lado.
As vocalistas começaram por entoar “Fade to Grey” — dos Visage — no meio do público, no corredor que divide as bancadas, até se encontrarem com os instrumentistas no palco, onde a ação se prolongou por pouco mais de hora e meia. Celebraram-se os quinze anos com uma revisitação a algumas das covers mais célebres do seu repertório, muitas delas sendo comuns às que foram tocadas nos restantes concertos que ocorreram em outros pontos do país. Isto porque o Porto foi a última das paragens de um percurso que passou por Faro, Lisboa, Coimbra, Leiria e Guimarães. No entanto, sentia-se a mística portuense quando, pouco antes do concerto começar, e de um espectador gritar, outro lhe responder “está calado, ó morcão”.
Depois de “Blue Monday”, dos New Order, de “I Wanna Be Sedated”, dos Ramones, e “Ever Fallen in Love (With Someone You Shouldn’t’ve)”, dos Buzzcocks, que aparentavam uma toada mais suave e reconfortante, tudo mudou. “Too Drunk to Fuck”, dos Dead Kennedys, foi o impulso que fez mudar e que empolgou os espectadores das diferentes bancadas. As palmas começaram a surgir, os assentos a ficar vazios e a assistência a dançar, algo que não aconteceu só nesta música. O trabalho visual fabuloso que acompanhou as condições idílicas que a Sala Suggia concedeu, do ponto de vista sonoro, reforçou algo que não pode ser deixado de parte: cada canção foi entoada como se uma identidade própria tivesse, independente das demais. Algo que não pode ser considerado mau, dado que se trata de um repertório composto por reinterpretações de clássicos de uma música que remonta ao íntimo da geração do pop-rock e do punk dos anos 80 e 90.
“Sweet and Tender Hooligan”, dos The Smiths, foi um dos breves momentos em que a toada voltou a suavizar. A interação de Mélanie e de Phoebe com o público foi sempre muito visível, havendo uma relação de proximidade mas também de incentivo de parte a parte. A apatia foi algo que, assim, se foi desvanecendo, consoante o padrão de cores e de luzes se foi adaptando àquilo que era interpretado. “Bela Lugosi’s Dead”, dos Bauhaus, foi um desses exemplos mais aguerridos, apesar da mencionada intimidade ser mais percetível quando se ouviu “Blister in the Sun”, dos Violent Femmes, “Guns of Brixton”, dos The Clash, ou até “Friday Night, Saturday Morning”, dos The Specials. A hora e meia passou rápido, ao som e ao vento da dança das duas vocalistas e do talento dos instrumentistas, com o público cada vez mais envolvido no que os Nouvelle faziam. “Love Will Tear Us Apart” foi a música final do alinhamento previsto, que levantou muitos das suas cadeiras, acompanhados por palmas a bradar essas cinco palavras tão célebres e eternizadas pela voz de Ian Curtis, o imortalizado vocalista dos Joy Division.
O encore foi comum ao que foi ouvido nos outros recintos aqui em Portugal, sendo composto por três faixas, faixas essas que também conseguiram envolver esse público já tão empolgado. “The Killing Moon”, dos Echo and the Bunnymen, e “In a Manner of Speaking”, dos Tuxedomoon, mais melódicas e suaves que as interpretações anteriores, foram intervaladas por uma versão de “Just Can’t Get Enough”, dos Depeche Mode, que voltou a ter os assentos vazios. Foi, talvez, a música, ao lado de “Love Will Tear Us Apart”, que colheu maior sintonia e alegria de ser ouvida, gerando, por isso, uma maior interação e uma maior salva de palmas.
O carinho e o clima de familiaridade mostrou-se presente e fundiu-se em pleno nesta celebração de uma década e meia de uma Nouvelle Vague na música. Embora o impacto não seja o mesmo que se proporcionou no cinema — seria injusto exigir tanto de uma banda com um registo tão particular, apesar de o transformar em algo tão próximo — o grupo francês continua a causar sensação com as transformações que vem fazendo de algumas das músicas mais conhecidas do rock dos anos 80. O Porto foi o ponto de chegada dessa comemoração, onde os elogios ficaram à comida, ao vinho e aos sorrisos das pessoas queridas, elogios esses que se prolongam pelo resto do país. Os caminhos entre a banda e a cidade voltam, assim, a separar-se, mas fica este banquete de melodias, de luzes e de cores, de sorrisos e de uma interação viva e plena, que se quer repetido em nova data a celebrar.