A desinformação do jornalismo e por consequência da sociedade
Os balcões das crónicas enchem-se de opiniões pessoais, tal e qual como deve de ser. Mais ou menos bem construídas, revelam pontos de vista e perspetivas vincadas, por muito que surjam como obtusas e obscuras. Algo se percebe das abordagens feitas, das conduções realizadas em vias que oscilam no seu traçado. As dúvidas não são muitas perante este ou aquele palpite de um sujeito conceituado, tanto ao ponto de encabeçar uma coluna semanal ou quinzenal num periódico da eleição do comum leitor.
No entanto, e falo por mim, já me desgasta ver o palco de desinformação que as cruzadas de opinadores incorporaram para assumir como a missão do períodico por si mesmo. Leio jornais desde a tenra idade dos cinco anos (claro que não passava dos títulos, mas a experiência é já alguma), e nunca pensei que me viesse a desencantar pela partilha de informação, pelo dar a conhecer, pelo desvendar ao público do mundo. Também eu quis ser jornalista, e ambicionei fazer da escrita o passaporte para as retumbantes descobertas e as relevantes revelações. Tudo isto quis incorporar na minha suposta carteira de jornalista, corroborando-a com experiências mais ou menos positivas, mas sem nunca abdicar de um ideal que descurava a emoção na veiculação do facto, da realidade vivida e experienciada.
A missão do jornalismo é determinante, mas também se molda aos tempos. As pós-verdades pós-modernistas, por sua vez, trazem novos desafios, novas roupagens para a atitude conceptual desta profissão. Mais do que informar, tem de se deparar com a já milenar, mas cada vez mais saciada vontade de assistir ao derramar de sangue, seja ele visível ou invisível. O choque gráfico mexe com as emoções, mesmo que não garanta as mais certas informações. Se há a possibilidade de desdobrar e de desmontar os problemas assinalados e apresentados, nunca é enjeitada por quem, de seu desenfreado direito e acesso à informação, o explora. Chegamos ao ponto em que os meios de comunicação se assumem como os profetizados palcos, para onde se transpõem as novelas televisionadas, que contagiam e que fazem absorver tantos, por mais iterativos e repetitivas que sejam as suas ideias. Em todas, eis a presença do casamento, do hospital, do tribunal, do funeral, do nascimento, da agressão, do rapto, da traição. Um retrato daquilo que já vários programas e linhas de orientação programática fazem nas suas grelhas, onde só falta assistir ao grelhar de um algo ou de um alguém. Pouco mais é aquilo que impacta tanto do que estas evidentes presenças, que se consolidam no subconsciente coletivo de todos. Não é um traço de ser português, brasileiro ou latino, mas de parte significativa do nosso mundo.
Não se põem em causa as liberdades inalienáveis ao ser humano, especialmente, aplicando ao tema, aquelas que correspondem ao direito de conhecer e de ser informado, consciente e pleno daquilo que é a sua realidade intrínseca e extrínseca. Aliás, não só é recomendável, como é fulcral que, para uma sociedade de direito consciente, munida de ferramentas para manter o rumo dos acontecimentos saudável e transparente, esta seja informada e conhecedora, capaz de corresponder àquilo que o presente exige de si. Para que isso aconteça, todavia, existe a necessidade de se informar com rigor, critério, qualidade e sem viés, traduzindo a abrangência e o detalhe da realidade, tal e qual como ela aconteceu. Os meios de comunicação não se podem conformar com a iliteracia socioeconómica e político-cultural, devendo primar para que esse analfabetismo de ideias e de pensamentos não se mantenha conforme disforme.
Em vez disso, somos bombardeados com novelas políticas, sociais, financeiras e até desportivas. Aliás, o futebol, por mais encantador que seja como espetáculo jogado, como arte na articulação do expoente mental e físico, e como um fator de mobilização social, está a ser arruinado sistematicamente. Isto não pode ser delimitado, no seu contexto espácio-temporal, nos dias de hoje. Já no passado isto se sucedia, embora a explosão informacional não correspondesse em proporção. Contudo, a lisura daquilo que é redigido e transmitido permanece numa espiral recessiva, à imagem dos valores mais providenciais para que todos nós, como unidade respeitadora das individualidades, permaneçamos sólidos e sadios. Se dos palcos onde a informação chega ao público se faz espetáculo tragicómico de putativas situações com um valor de verdade imposto, é isto que povoa o sentido e o espírito críticos daqueles que se dedicam ao debate da realidade passada, presente e futura.
Mais do que atualizar, o caminho é o de sensaciona(liz)ar, de impelir e de enredar nas emoções, em que as habituais sociedades tribais reforçam os seus conflitos, e se vão associando aos calores dos politicamente incorretos, porque ser diferente é ser anormal (que já se tornou normal). Em vez de um entretenimento construtivo, e até lúdico, os públicos-alvo estão a ser subtilmente conduzidos para os fantoches das residências de peripécias alheias, onde a própria lascívia não se deixa adormecer, por mais que se reiterem os direitos das minorias, e se denunciem os velhos vícios dos conservadores depravados. O patriarcalismo debruça-se na sua poltrona, consolado com a troca de galhardetes entre o truculento do seu clube ou do seu partido e o seu adversário direto. No entanto, também as protagonistas destes climas familiares se deliciam com a morte daquela personagem do trama, enquanto o laranjinha norte-americano permanece nos seus arrufos com o rechonchudo da Coreia, o pequenote russo abafa as liberdades cívicas e políticas e o compadre do pernil dá as últimas rumo ao desterro da ficção bem real.
No fundo, a sociedade é pintada por aquilo que recebe e pelo que faz com o que recebe. A informação é mais processada que interpretada e problematizada, mesmo quando se chega ao ponto de rotular este ou aquele órgão de comunicação social, este ou aquele jornalista como virado para um lado ou para um gosto em específico. Os elitismos podem ser postos em causa, mas não o são porque poucos percebem aquilo que esses iluminados por LEDs escrevem nas suas editorias. Das suas altas funções informativas e, consequentemente, educacionais, o jornalismo cansou-se de tentar educar em prol de provocar. Por muito que o sistema educativo detenha lacunas identitárias e orgânicas, a prática jornalística não se pode vergar ao desejo primitivo de ver a faca agitada e o alguidar cheio. O mundo precisa, mais do que um caudal informativo que transborde a bacia dos oceanos de dados, de seletividade, de rigor, de pertinência, mas também de quem perceba o que é dito, como é dito e o porquê de ser dito. Com isto, não se quer silenciar o entretenimento, porque a vida é feita das alegrias e não das histerias que as desgraças desencadeiam. No entanto, para que haja felicidade, tem de haver verdade; para lá da emoção, importa o passaporte da razão; para que se idealize a realização, impera o sentido da informação.