A Europa fortaleza: um ímpeto anti-refugiados
A problemática
Perante o dilema dos refugiados, procuro expor com este ensaio um conjunto de questões que me parecem pertinentes no que toca ao comportamento da União Europeia, assim como refutar assumpções erróneas que são preguiçosamente adoptadas por uma parte da população europeia, incorporadas até na retórica política que impera à direita e, acima de tudo, na extrema-direita.
Considerações breves
“Estamos na prática a falar de uma Europa que tem feito de tudo para se evadir aos compromissos que assumiu…”
Recentemente, no plenário de Estrasburgo, chumbaram-se quatro resoluções de busca e salvamento no Mediterrâneo, uma delas por apenas dois votos, 290 contra 288. Que leitura podemos fazer do chumbo e dos últimos sete anos?
Primeiramente, há que lembrar que o dever de prestar auxílio a pessoas naufragadas está consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, no artigo 98°, convenção essa ratificada também em Portugal. Ainda assim, por si só, esse dever não é suficiente já que o problema não está só na eventualidade dos naufrágios, é preciso compreender os contextos e as origens dessas deslocações. Porque é que estas pessoas fogem dos seus países, dos seus continentes até? Porque é que os refugiados tomam precisamente as vias mais perigosas, que ironicamente também são as mais caras? Porque é que não apanham simplesmente um avião que é tão mais cómodo, rápido e barato, para poderem reclamar o estatuto de refugiado que é seu por direito? Já lá vamos.
Em segundo lugar, não nos podemos esquecer que há muito a criticar numa União Europeia com vários estados-membros, logo a começar pelo Reino Unido, que não têm sido particularmente inocentes quanto às intervenções irresponsáveis no Iraque e na Líbia: autênticas caixinhas de Pandora que se abriram, de onde resultaram ondas de refugiados e/ou situações calamitosas, anómicas, que beneficiaram jihadistas e redes de traficantes (que por sua vez exploram as vulnerabilidades alheias). A Líbia, que antes era o país com o melhor IDH de África, é hoje (após essa intervenção irreflectida) um caos anómico com direito a escravatura, tráfico humano, um dos principais portos de saída de refugiados e migrantes que, após serem extorquidos por redes exploratórias, partem em barcos inapropriados para a travessia do Mediterrâneo, rumo à Europa. É claro que a União Europeia tem quota-parte das responsabilidades aqui e , em vez de assumi-las, prefere pagar quantias astronómicas à Turquia, na casa dos milhares de milhões de euros, para que esta lhe sirva essencialmente de tampão, confiando assim todas as responsabilidades a Erdoğan, que ainda por cima não é propriamente de confiança (veja-se o que está de momento a fazer aos curdos). Tudo isto porque a União Europeia insiste em não fazer o que seria mais lógico e digno: uma redistribuição equitativa de refugiados por cada país europeu, de acordo com as capacidades reais de cada um, para que haja justiça, por exemplo através de quotas.
Terceiro, estamos na prática a falar de uma Europa que tem feito de tudo para se evadir aos compromissos que assumiu com a Convenção de Genebra referente ao Estatuto dos Refugiados, onde se estabelece o direito ao tratamento condigno que devemos prestar aos deslocados de guerra e de outras catástrofes, que assim se vêem obrigados a recorrer às vias mais perigosas para fugir, porque todos os caminhos expectáveis estão comparativamente vedados. Porque é que estão vedados? Porque a União Europeia teima em continuar a não estar à altura das suas responsabilidades e dos seus compromissos. É vergonhoso que os países joguem depois ao jogo da batata quente, empurrando com a barriga o problema de uns para os outros, ignorando a seriedade e urgência da situação.
Dados e argumentos
“A melhor forma de acabar com imigração e com as ondas de refugiados é deixar de contribuir para a desestabilização de África e do Médio Oriente (…)”
Muitos daqueles que não querem aprovar a eutanásia para quem deseja morrer (em contextos de doenças terminais que causam enorme sofrimento), como é o caso dos democratas-cristãos e conservadores alegadamente “pró-vida” do PPE, são os mesmos que querem na prática deixar morrer quem no fundo procura sobreviver a todo o custo, fugindo desesperadamente à guerra e à opressão, mesmo quando isso implica travessias de barco perigosíssimas.
Acima questionei: porque é que não viajam confortavelmente de avião? Ora, não voam por causa da Directiva 2001/51/EC que, muito resumidamente, faz com que estas pessoas tenham de pagar milhares de euros a traficantes sem escrúpulos para entrar num barco sobrelotado, com altas probabilidades de afundar, se quiserem usufruir do seu direito ao estatuto de refugiado em contexto europeu, que só pode ser obtido quando estas já se encontram em solo Europeu. Se forem de avião, a União Europeia obriga as companhias aéreas a pagar multas e a cobrir todos os custos de repatriação caso não seja reconhecido o Estatuto de Refugiado a algumas dessas pessoas, pelo que as companhias, que estão obviamente mais focadas no lucro, não estão simplesmente dispostas a correr esse risco, preferindo impedir na prática a presença de todas estas pessoas a bordo, mesmo as que no fundo até teriam direito ao estatuto de refugiado. A União Europeia faz assim uma espécie de outsourcing de responsabilidades que deveriam ser suas, como se o controlo migratório e a determinação do estatuto de refugiado fosse uma matéria a deixar ao cuidado de companhias privadas. Se não fosse essa directiva, se a União Europeia assumisse frontalmente os seus compromissos com toda a seriedade que eles merecem, ou se estas pessoas pudessem recorrer simplesmente às embaixadas dos vários países europeus para requerer o direito a esse estatuto, então poderiam pagar simplesmente 400€ ou até menos, num voo confortável, ao invés de terem de se resignar aos campos de refugiados horríveis como muitos dos que existem em África, onde poderão permanecer décadas, sem perspectivas de vida. Se o escopo de escolhas é miserável, é óbvio que vários (embora sejam uma minoria, bem vistas as coisas) preferem tentar entrar na Europa a troco de muitas das suas poupanças, tendo em conta os valores praticados por traficantes.
Recomendo este vídeo que esclarece porque é que estas pessoas fogem de barco, em travessias perigosíssimas e caríssimas (sistematicamente acima dos 1000€), quando uma simples e cómoda viagem de avião custaria ⅓ ou até ¼ desse valor: vídeo: “Why Boat Refugees Don’t Fly! – Factpod #16”
Quem abriga mais refugiados no mundo?
Que país está a rebentar pelas costuras com refugiados? Será a Alemanha? Será a Suécia? Será a Grécia? Será a Itália? Será Espanha? Será a França? Lamento informar, mas erraram redondamente se pensaram logo em algum desses países da Europa. Bem mais de metade dos refugiados mundiais encontram-se abrigados nos seguintes países: Jordânia, Turquia, Paquistão, Líbano, Irão, Etiópia, Quénia, Uganda, Congo e Chade. Não há nenhum país da União Europeia no top 10 dos países que mais refugiados abrigam no mundo, e isto apesar dos países europeus possuírem indiscutivelmente as melhores condições financeiras (e sociais) para servir de refúgio a quem quer que seja, e apesar de muito ouvirmos falar de uma suposta “crise de refugiados simplesmente incomportável para a União Europeia”, tão hiperbolizada e com todo um dramatismo forçado, que é excessivamente lamurioso quando temos em conta os dados concretos. Duvido e duvidarei sempre da seriedade e das intenções de quem afirma que algum país europeu está de alguma forma a “abarrotar pelas costuras com refugiados”. Não é simplesmente verdade. A maior parte dos refugiados permanece nas regiões limítrofes do país de onde se vê obrigada a fugir, a ideia de que a grande maioria dos refugiados vem (ou tenta vir) para a Europa não corresponde simplesmente à realidade.
- Deslocados internos que permanecem na Síria: ~8 milhões
- Refugiados nos países limítrofes: ~4 milhões
- Refugiados que vieram para qualquer país da Europa: ~250 mil (menos de 2% do total de refugiados internos e externos sírios)
Argumentaria que a melhor forma de acabar com imigração e com as ondas de refugiados é deixar de contribuir para a desestabilização de África e do Médio Oriente. Pessoas felizes e satisfeitas pura e simplesmente não abandonam os seus países, isto é do mais elementar que há a saber. A ajuda aos refugiados é urgente e necessária, mas não resolve os problemas de fundo se eles não forem colmatados na raiz. O problema é que nem toda a gente admite os porquês, mesmo as que até concordam que o problema deveria ser resolvido nos países de origem, só que preferem fazer deles uma espécie de mistério metafísico algo incognoscível.
Não será digno de confiança quem quiser falar da imigração e dos refugiados sem querer falar das ingerências nesses países, na exportação desregrada de armas pelo Canada, EUA, Reino Unido, Alemanha e França, para dar alguns exemplos, assim como no favorecimento de golpes de estado para implantar líderes fantoche e sucessivas mudanças de regime, no apoio às forças mais subservientes a essas mesmas ingerências, aos representantes de interesses externos, onde na prática se alimenta e perpetua uma instabilidade que dificilmente será sanada e que jamais servirá os interesses dos habitantes locais.
Há que reconhecer que muitos destes países, especialmente no continente africano, estão economicamente vulneráveis e que isto não é por acidente, é por design. Estamos a falar de países que não podem sequer beneficiar localmente dos seus inúmeros recursos naturais que são explorados por várias multinacionais como é o caso das minas de cobalto no Congo ou a indústria multimilionária das esmeraldas no Zâmbia que é indissociável do historial de riqueza obscena do Elon Musk e da sua família, já para não falar da indústria dos diamantes, fonte de conflitos e exploração anética em vários países como a Serra Leoa, ou até mesmo a indústria do cacau na Costa do Marfim, onde os cultivadores explorados (por multinacionais que têm tentáculos naquele que é o principal país exportador de cacau, com cerca de 30% da produção e exportação mundial) não ganham sequer o suficiente para poderem comprar uma mísera barra de chocolate feita com o cacau que eles próprios cultivaram à custa do seu suor e da degradação da sua saúde, inclusivamente com casos de exploração do trabalho infantil onde a Nestlé e a Mars estão implicadas, permanecendo assim alienados dos frutos do seu próprio trabalho. Diga-se ainda que as minas de cobalto do Congo são também exploradas por outras potências como a China (não é um problema só da Europa e do Ocidente em geral, diga-se). O continente africano foi, é e tudo indica que continuará a ser espoliado por várias potências. Repito: o continente africano é riquíssimo em recursos naturais mas os seus habitantes são extremamente pobres e nada têm beneficiado directamente com isso. Porquê? Porque os africanos continuam a ser espoliados. Há muito que tem de ser reconhecido nesta matéria, se quisermos ser sérios. Isto não pode deixar de ser sublinhado aqui.
Já agora, para termos uma ideia, 73% dos terrenos para agricultura (e não só) na África do sul, onde trabalhadores são explorados em condições deploráveis, pertencem a proprietários brancos que são os descendentes directos dos colonizadores, que continuam a exercer na prática uma continuidade desse domínio económico esmagador que acaba por beneficiar famílias ricas e influentes, muitas das quais a viver em países ocidentais.
Situações idênticas ocorrem com a produção de chá no Quénia, também explorada por multinacionais.
Há que ter isso em conta na análise que fazemos quando tentamos interpretar os porquês das pessoas abandonarem os seus países e os porquês da miséria persistente num continente tão rico.
Confirme-se aqui:
– Vídeo: A indústria do cacau na Costa do Marfim;
– Vídeo: A exploração de crianças em minas de cobalto no Congo;
– Vídeo: A situação na Namíbia;
– Artigo: África do Sul onde, 73% dos terrenos para agricultura (e não só), pertencem a brancos descendentes directos de colonizadores;
– Vídeo: Produção de chá no Quénia, sob o jugo de multinacionais.
“Empurrar com a barriga para os outros, vedando simplesmente a entrada dessas pessoas na Europa, é o equivalente a varrer o lixo para debaixo do tapete para fingir que ficou resolvido, ao mesmo tempo que continuamos a beneficiar de dinâmicas exploratórias que por lá ocorrem.”
Que tal deixar de contribuir para a degradação da qualidade de vida desses países, se ela suscita a fuga de várias destas pessoas? Que tal acabar com o que resta das dinâmicas pós-coloniais (um autêntico neocolonialismo) no que toca à exploração dos seus recursos? É que o fim do colonialismo foi só de nome em vários países, um fim que é uma autêntica fachada, onde permanecem muitas das mesmas dinâmicas comerciais tão anéticas e prejudicais. Infelizmente, disto muita gente não quer falar, tampouco quer admitir, porque não convém à narrativa de quem está bem mais confortável com a sua perpetuação.
A razão pela qual as pessoas tentam sair dos seus países, para outros países vizinhos ou para a Europa, é porque seus países de origem estão um caos. A pergunta que se segue, obrigatoriamente, deveria ser: “porque é que estão um caos e o que se pode fazer (ou deixar de fazer) em relação a isso?” ao invés de ser “porque é que as acolhemos na Europa?”, pois só estancando o problema na fonte é que o problema desaparece. Empurrar com a barriga para os outros, vedando simplesmente a entrada dessas pessoas na Europa, é o equivalente a varrer o lixo para debaixo do tapete para fingir que está tudo resolvido, quando na verdade não está, ao mesmo tempo que continuamos a beneficiar dessas dinâmicas exploratórias que por lá ocorrem.
O caso do Iraque, Líbia e, por extensão, até mesmo o Sírio (embora muito longe de serem os únicos) são os típicos casos de estudo em como nada potencia mais a emigração e as ondas de refugiados do que as intervenções irresponsáveis como a invasão do Iraque em 2003 até 2011, ou a da Líbia em 2011. Intervenções destas só geram ondas enormes de instabilidade que inclusivamente afectam os países vizinhos (O Estado Islâmico, beneficiando da destruição do Iraque e da Líbia, ganhou a parte substancial da força que atingiu no seu auge, conquistando também grande parte da Síria com mais força do que teria de outra forma). Já é tempo de aprender alguma coisa e deixar de contribuir para algo catastrófico que depois não queremos aceitar a posteriori. Nem sequer dá trabalho: muitas dessas coisas passam por deixar de fazer o que está a ser feito de errado, como é o caso dos inúmeros golpes de estado patrocinados pelos EUA ao longo da história, entre outras formas de ingerência com mudanças de regime forçadas sobre a população.
Para ilustrar o problema, aqui fica uma notícia que resume o relatório que foi produzido sobre a catastrófica intervenção na Líbia, seguida do link para o relatório completo:
«A intervenção do Reino Unido na Líbia beneficiou o Estado Islâmico»
Fonte: CNN
«Líbia: análise à intervenção e colapso (…)»
Refutação de várias asserções frequentemente usadas para diabolizar os refugiados:
Permitam-me citar ainda um fact checking que fiz há alguns anos, actualizando-o ligeiramente, pois infelizmente continua a ser pertinente:
1 – “Tanta gente a precisar de ajuda e querem ajudar os imigrantes?”
Esse é o mesmo argumento que algumas pessoas usam contra a defesa os direitos dos animais, quando alegam que isso é um desperdício de tempo, de dinheiro, de esforço, etc., já que “há tantas pessoas a passar fome e a precisar de ajuda em Portugal e no mundo”. É basicamente uma falácia de privação relativa. As duas preocupações podem na verdade coexistir, não é uma questão de optar por uma e só uma, em detrimento da outra (ou de todas as outras).
Quem não ajuda ninguém, não deveria empatar quem quer ajudar, é simples. Além disso, enquanto membros das Nações Unidas, temos a obrigação de ajudar outros cidadãos do mundo em situações de emergência (guerra, catástrofes naturais ou humanas, etc), de acordo com várias convenções que ratificámos.
Se querem ir por aí, então mais facilmente poderíamos argumentar contra o esbanjar de dinheiro, até mesmo de verbas comunitárias, para que se possa aplaudir o acto de espetar ferros em touros numa arena; para salvar bancos privados; para construir estádios de futebol para o Europeu; para fogos de artifício espampanantes, etc… Se há dinheiro para isso, porque é que não há dinheiro para contribuir para a manutenção elementar dos direitos humanos no contexto das Nações Unidas? De repente, já toda a gente é amiga dos pobres e dos sem abrigo, quando ainda “ontem” a extrema-direita lhes chamava parasitas a viver à custa do RSI. É preciso ganhar alguma noção da absurdidade. Os pobres e os sem abrigo não são instrumentos para usar na hora de recusar cinicamente a ajuda aos refugiados.
De resto, existem milhões de casas ao abandono na Europa, muitas delas em Portugal. O problema é estrutural e responsabilizar os refugiados ou imigrantes pelos problemas que existem é querer responsabilizar os menos responsáveis de todos pelo estado a que chegaram as situações sociais de alguns países do Sul da Europa, ao contrário dos países do centro e do norte da Europa, que ironicamente são os mais receptivos aos imigrantes e refugiados e são os que apostam mais em serviços sociais, e os que melhor se safaram durante a crise financeira de 2008.
Ainda em relação aos que instrumentalizam de forma cínica o argumento de que “há tantos pobres e pessoas sem abrigo em Portugal a precisar de ajuda”, recomendo a leitura desta nota da PAR.
Já agora: o ódio contra os muçulmanos como um povo (ou, mais correctamente, conjunto de povos) é também fazer um favor ao Estado Islâmico. É exactamente dessa forma (juntamente com outras) que o Estado Islâmico espera arranjar mais recrutas e mais apoio das comunidades e é dessa forma que se alimenta a ideia de uma guerra identitária em curso contra muçulmanos. Mais do que uma guerra de civilizações, há uma guerra de ignorâncias. Não vamos fazer a vontade ao Estado Islâmico, maltratar pessoas que fogem dele (ou que já cá moram há várias gerações) é sinónimo de apoiar indirectamente o Estado Islâmico, é na prática engrossar-lhe as possibilidades de recrutamento, dando-lhes munições e combustível.
2 – “Os refugiados vêm cá roubar o emprego.”
São refugiados e a maioria quer voltar para o seu país quando a guerra civil acabar. Mas vamos fingir que são imigrantes e querem ficar por cá permanentemente: então e essas pessoas não existem enquanto consumidores? Não aumentam também a procura por bens e serviços, não engrossam o volume populacional em todas as frentes? Só existem como “ladrões de empregos”, não compram, não consomem, são inexistentes em todos os outros domínios?
Os imigrantes consomem, aumentam a população e, com ela, a economia cresce também, tal como todos os jovens que terminam os estudos e entram no mercado de trabalho também não vêm “roubar o emprego”. A necessidade de mais postos de trabalho aumenta também porque há mais gente a necessitar de bens e serviços. Imigrantes não existem só como trabalhadores, existem enquanto consumidores também. Estamos a falar de pessoas e não de objectos que ocupam postos de trabalho.
Não convém especular, convém olhar para os dados demográficos disponíveis:
– Artigo: NY Times, “Debunking the Myth of the Job-Stealing Immigrant”;
– Artigo: ACLU, “Immigrants and the Economy”;
– Artigo: The Atlantic, “Why American Cities Are Fighting to Attract Immigrants”;
– Artigo: Bloomberg, “What Would Happen to the Economy If Trump Got His Way”.
3 – “Os refugiados rejeitaram a comida na Macedónia porque o símbolo da Cruz Vermelha é uma cruz (ou porque não é Halal)”
Os títulos dos vídeos e dos artigos alegam que os refugiados rejeitaram a ajuda por causa do símbolo da Cruz Vermelha nas caixas (associação ao cristianismo), mas isso é falso. Primeiro, a Cruz Vermelha é conhecida internacionalmente, especialmente em zonas de conflito, como é o caso. Segundo, a razão pela qual rejeitaram a comida deve-se à frustração e protesto contra a espera imposta de várias horas, debaixo da chuva, deixando-as frustradas. Rejeitaram porque não queriam mais nada enquanto não lhes deixassem passar, garantindo-lhes que não arriscaram a vida e as poupanças em vão.
Aqui não sabemos se já comeram e se já têm mantimentos consigo no saco. As pessoas usam este vídeo como propaganda barata, sem sequer se preocuparem em apurar as circunstâncias. Além disso, mesmo que elas não tivessem comida, algumas pessoas que as criticam a partir do conforto do seu lar devem estar pouco elucidadas quanto ao conceito de greve de fome como forma de protesto contra uma situação calamitosa.
Fontes:
– Vídeo: Escrutínio;
– Notícia: RTP, “Autor esclarece vídeo de migrantes a recusar ajuda da Cruz Vermelha”;
– Reddit: Cronologia e contextualização mais detalhada;
– Notícia: ilPost, “Debunking: we spoke to the guy who shot the video purportedly showing migrants refusing Red Cross aid”.
4 – “Os refugiados atiraram a água e a comida para a linha do comboio, são uns selvagens mal-agradecidos”.
Isso aconteceu na Hungria e tem vindo a ser divulgado por vídeo por um partido nacionalista português que é do mais desonesto que existe, a roçar a apologia velada ao fascismo, sem fornecer qualquer contexto para o que aconteceu, com o objectivo de induzir as pessoas em erro. O contexto é o seguinte: as pessoas foram enganadas pelas autoridades húngaras (que têm tido uma péssima atitude perante os refugiados, diga-se) e portanto decidiram entrar em greve de fome por terem sido obrigadas a regressar ao campo quando o comboio já tinha partido. Não atiraram apenas garrafas de água para a linha do comboio, elas próprias deitaram-se na linha do comboio em protesto.
A atitude das autoridades húngaras desde o início mereceu já críticas da parte da ONU:
«Agência da ONU critica Hungria por restrições à entrada de refugiados»
Fonte: Nações Unidas
A atitude húngara foi ainda severamente criticada pela Amnistia Internacional.
Fontes:
– Notícia: Expresso, “Autoridades húngaras desviam centenas de refugiados que viajavam de comboio para a Áustria”;
– Notícia: The Guardian, “Hungarian police and refugees in standoff after train returns to camp”.
5 – “Os refugiados não são civilizados, são malvados e sujos, dá uma olhada nestes vídeos de atrocidades, confrontos e nestas imagens do lixo que acumularam com a sua passagem”
Argumentar tal coisa revela uma tremenda má fé. Deveria ser desnecessário lembrar o óbvio: que a concentração de pessoas pode ser simultaneamente propícia à acumulação de lixo (como podemos assistir em qualquer festival de verão) e aos estragos e confrontos, como se pode ver com inúmeros incidentes entre adeptos de clubes de futebol nacionais e estrangeiros, que por cá vandalizaram a estátua do Marquês de Pombal, cobriram o Rossio e a Praça da Figueira de lixo (onde até arrancaram semáforos do chão) e na Itália chegaram ao triste ponto de danificar permanentemente a Barcaccia, uma fonte histórica do século XVII.
É simplesmente ridículo sermos mais exigentes com a estabilidade emocional das pessoas que fogem de um clima de guerra e morte (e de outras situações-limite) do que somos com os adeptos de clubes de futebol e pessoas em festivais de música, exigindo a perfeição aos refugiados, quando ela não existe sequer entre elementos relativamente privilegiados da nossa sociedade, em climas que em tudo seriam festivos.
Em relação ao lixo acumulado, será que é preciso lembrar que muitos não têm transportes nem locais adequados para permanecer durante a noite, nem têm a logística necessária para as suas deslocações? Muitos europeus têm tudo isso e mesmo assim deixam carradas de lixo por onde passam, logo a começar pelo que acontece nas matas de Portugal.
É de lamentar o oportunismo cínico e desonesto da extrema-direita que busca explorar ao máximo estes casos para injectar a sua narrativa dos “muçulmanos violentos e pouco civilizados”, à procura de incitar a revolta popular contra os refugiados, incluindo ao máximo a devida contextualização para cada incidente. Ora esta é a verdadeira definição de propaganda barata, alérgica ao conceito da transparência na [des]informação que fornecem sem fontes, sem honestidade.
6 – “Porque é que a Europa tem de aceitar os imigrantes todos? Porque não ficam nos países vizinhos? Os árabes que se desenrasquem!”
Estamos a falar de refugiados, não confundir os estatutos aqui.
Ao contrário do que dizem muitas das vozes populares que ouvimos nas tascas e cafés, a esmagadora maioria dos refugiados sírios está a encontrar refúgio nos países vizinhos, a parte que tenta chegar à Europa é minúscula em comparação (mas nem por isso deixa de ser importante). A Turquia, por exemplo, está neste momento com mais de 3 milhões de refugiados sírios. O Líbano, que é um país pequeno, conta já com mais de 20% da sua população constituída por refugiados sírios, depois temos Jordânia, Iraque e Egipto. É verdade, porém, que as monarquias ricas da Península Arábica (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrein, etc) não têm oferecido ajuda digna do nome aos sírios e esse aspecto é certamente criticável.
Fontes:
– Notícia: Público, Refugiados: a tragédia maior está a acontecer no Médio Oriente
– Vídeo: “Where Are the Syrian Refugees? – Factpod #17”
– Artigo: Amnistia Internacional, “Facts & Figures: Syria refugee crisis & international resettlement”
– Artigo: The Globe and Mail, “The Migrant crisis: Here’s Why It’s Not What You Think”
7 – “Não quero dar abrigo a terroristas”
É importante não confundir os refugiados com o Estado Islâmico e outros grupos terroristas. Vir da Síria para a Europa é o meio menos eficiente de chegar à Europa para alguém que queira cometer um atentado terrorista: consiste em dormir na rua, arriscar a vida na travessia do mar Egeu e outros pontos do Mediterrâneo. Os grandes grupos terroristas têm finanças, têm recrutas dentro dos vários países, não precisam de passar pelo martírio difícil das rotas de refugiados. Muitos dos refugiados da Síria estão precisamente a fugir do Estado Islâmico.
Para quem alega que podem estar alguns combatentes do Estado Islâmico escondidos entre os refugiados: o que sugerem? Que despejemos o bebé junto com a água do banho? Que deixemos essas pessoas morrer? É simultaneamente imoral e ridículo, ainda para mais com base em suspeições infundadas. Além disso a via inversa é mais comum: normalmente os europeus é que são recrutados para a Síria, não são os jihadistas sírios que vêm para a Europa. Os atentados que tivemos na Europa foram cometidos por refugiados? Não. Foram quase invariavelmente cometidos por pessoas já nascidas e criadas na Europa. Dados em mais detalhe aqui.
A esmagadora maioria das vítimas dos jihadistas (particularmente dos salafistas/wahhabis) é muçulmana e residente no Médio Oriente, não é europeia nem americana. Essa é outra falha nos discursos populistas, sugerir que os muçulmanos adoram o terrorismo. Não, a maioria dos muçulmanos não adora o terrorismo, 1.6 mil milhões de muçulmanos não são terroristas e não há nenhum outro grupo religioso e/ou cultural que seja mais afectado no número de vítimas mortais do terrorismo e do fundamentalismo neste momento. A maioria dos muçulmanos lamenta profundamente o terrorismo e as vidas de muçulmanos que se perdem no meio desta situação.
Fontes:
«51% das vítimas são civis (…) a vasta maioria delas é muçulmana»
«Guterres: “Quem quer pôr bombas vem de avião, não se mete em barcos que podem afundar”»
Há também uma foto com informação falsa que tem andado a circular.
8 – “Eu até seria a favor dos refugiados, mas analisando a cultura islâmica (e sua reprodução como coelhos), e entendendo que o extremismo é numericamente assustador; fica fácil entender por que os Europeus tentam preservar o que lhes resta de cristão, em uma sociedade onde a taxa de nascimento está abaixo do necessário para dar continuidade ao pilar de sua nação.”
Este é um argumento que tem vindo a ser repetido insistentemente há mais de uma década, entretanto estilizado, empacotado com laçarotes e apresentado num vídeo de propaganda produzido em 2008 ou 2009.
Antes de mais é engraçado que tentem pautar isto através de um prisma de competição ferrenha entre cristãos e muçulmanos, a fazer lembrar os tempos das cruzadas, em pleno Século XXI, em sociedades seculares… não será um pouco ridículo e anacrónico? Mas vamos ao que realmente importa aqui, que são os dados sobre essa alegada “explosão demográfica descontrolada” de muçulmanos, que é falsa:
Artigo: Snopes, “Muslim Demographics”
9 – “Eles querem vir para cá violar as nossas mulheres, não querem seguir as nossas regras, jamais se conseguirão identificar com a nossa sociedade”
Vêm para cá temporariamente, até a guerra civil terminar (que é provavelmente a pior desde a Segunda Guerra Mundial).
Mas vamos fingir que vêm para cá para residir de forma permanente: existem vários milhares de muçulmanos em Portugal, especialmente em Lisboa, que se consideram portugueses há várias gerações, trabalham, fazem parte do tecido social (Portugal é considerado o segundo melhor país em matéria de integração de imigrantes). Assim como noutros países estes muçulmanos fazem parte das forças militares e policiais.
Estas pessoas, quando pensam em muçulmanos, pensam nos piores exemplos possíveis, os casos mais marcantes pela negativa. Esquecem-se das pessoas mais comuns, que são aquelas comunidades inteiras que normalmente não são motivo de notícia, que passam décadas despercebidas, porque são apenas cidadãos como todos os outros na esfera pública, ainda que com crenças religiosas diferentes na esfera das suas vidas privadas, como é o caso da comunidade islâmica em Portugal.
Existem certamente extremismos em algumas comunidades, tal como existem extremismos noutras religiões, e eles devem ser combatidos (felizmente muitas comunidades islâmicas estão empenhadas em combatê-los, até porque são as principais vítimas mortais do jihadismo). O comportamento de algumas pessoas cristãs da República Centro-Africana é também ele extremamente brutal e genocida, neste preciso momento. O extremismo de budistas em Myanmar é também brutal. Não convém tolerar nenhum extremismo genocida, mas essa recusa em tolerar extremismos não pode ser confundida, jamais, com a recusa de direitos humanos de pessoas que queiram simplesmente sobreviver e que já estão, elas próprias, a fugir do extremismo que ameaça matá-las na Síria. De resto, quanto ao argumento dos “costumes tão diferentes”, quantas das pessoas que estão a ler este texto sabem que Damasco, capital da Síria, tem sido reconhecida como uma cidade onde há bons níveis de escolarização, onde se consome álcool (arak, vinho libanês, por exemplo, mas não só) e, um pouco como na Turquia, onde as pessoas se vestem com roupas em tudo semelhantes às nossas?
Fonte: Relatório: [PDF] ICSR, “The New Jihadism: A Global Snapshot”
9 – “São todo iguais, têm todos a mesma doutrina”.
Sabes que o discurso é pouco sofisticado quando não há tacto para reconhecer as diferenças entre salafistas/wahhabis e as várias denominações sunitas (como os drusos, os sufistas), os alauitas, ismaelitas e por aí fora. A par disso, assumir simplesmente que as pessoas têm uma ideologia/doutrina totalmente igual.
Na prática, é como não conseguir diferenciar entre a Westboro Baptist Church e a Igreja Unitário-Universalista, só que com diferenças ainda mais profundas.
Fonte:
– Notícia: CNN, “Syria explained: How it became a religious war”
10 – “Olha este vídeo do muçulmano moderado, Anjem Choudary, a dizer que quer trazer a xaria para a Europa, junto com uma legião de seguidores! Claro que tenho medo!”
Antes de mais o Anjem Choudary não é um muçulmano moderado, portanto escusam de usar tal retórica/ironia, pois é um dos fundamentalistas islâmicos de destaque na Europa, um dos que faz mais “barulho”, associado ao Al-Muhajiroun.
Existem grupos perigosos e extremistas no Islão, tal como existem grupos perigosos e extremistas na Europa, pessoal da extrema-direita, por exemplo, como foi o caso do Anders Behring Breivik ou do Philip Manshaus. Assim como nos EUA a maioria dos ataques terroristas têm sido perpetrados pela extrema-direita, na Europa acontece o mesmo.
O importante aqui é não confundir os extremistas com os homens, mulheres e crianças que fogem desses mesmos extremistas islâmicos no seu país, tal como não devemos confundir todos os europeus com os fascistas que por cá andam e que têm montes de sangue derramado no seu historial, ainda antes da Segunda Guerra Mundial começar. Estes refugiados são pessoas que, como nós, querem simplesmente sobreviver, com a agravante que têm de fugir (com as crianças ao colo) a uma guerra terrível, até que ela termine, para poderem voltar e recomeçar uma vida em parte destruída.
E ninguém luta mais contra o extremismo do que muitas das próprias pessoas muçulmanas (que, repita-se, SÃO QUEM MAIS MORRE nas mãos do extremismo islâmico), pessoas como a Malala, Maajid Nawaz, Raif Badawi, Sara Khan, Dhiyaa Al-Musawi, Ayad Jamal Al-Din, Asra Nomani, Amina Wadud, Shirin Ebadi, Nawal El Saadawi, Tawfik Hamid, Hisham Kabbani, Tarek Heggy, Naser Khader, Tashbih Sayyed, Zuhdi Jasser, Naguib Mahfouz, Feisal Abdul Rauf, Raheel Raza, Ahmed Mansour, Tarek Fatah, entre tantos outros.
Fonte: Relatório: [PDF] ICSR, “The New Jihadism: A Global Snapshot”
12 . “Explica-me, quem irá suportar as despesas destes refugiados???”
Existem fundos comunitários, públicos e privados que são activados e reunidos, como já está a acontecer aqui e noutros países, assim como milhares de portugueses voluntários inscritos em plataformas de apoio aos refugiados.
As mesmas entidades que apoiam os pobres e sem abrigo são frequentemente as mesmas que vão fornecer a teia de apoio aos refugiados, até porque possuem o know how. As entidades religiosas das paróquias idem (até porque o papa pediu, afirmou que é uma obrigação católica). Todas estas organizações já têm experiência pois o seu apoio tem sido constante aos mais desfavorecidos.
Citando a PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados:
“Quem ajuda os sem-abrigo e os pobres em Portugal são as mesmas organizações que estão a organizar o acolhimento dos refugiados. Infelizmente, os que tradicionalmente fazem esta pergunta, encontram-se pouco entre os que ajudam os pobres e os sem-abrigo-
O apoio aos mais pobres é assegurado, para além da Segurança social, com as várias prestações sociais, por uma rede de instituições de particulares de solidariedade social, espalhadas pelo país (representadas pela CNIS na Plataforma de Apoio aos Refugiados) e por instituições religiosas (como os membros da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal ou a Comunidade Islâmica, também membros da PAR). Acresce que, no que toca às pessoas sem-abrigo, duas das principais organizações que apoiam estas pessoas, como a Comunidade Vida e Paz ou a CAIS, estão também presentes na Plataforma. Assim é evidente que, não só há muito trabalho já feito no apoio às pessoas mais pobres em Portugal, como este vai continuar, sem ser prejudicado pelo acolhimento aos refugiados. São estas mesmas organizações, sempre disponíveis para servir os que mais precisam, que estarão disponíveis para uns e para outros.”
13 – “E tal como acontece nos outros países, como irão vocês gerir o que nos reservam as segundas e terceiras gerações futuras destes agora recém-chegados com as melhores intenções do mundo, que, como noutros países, os filhos e netos nunca se conformarão com o nosso estilo de vida ???”
Novamente, estamos a falar de pessoas que estão à espera que a guerra civil acabe para poderem voltar. O estatuto de refugiado é muito concreto e difere formalmente do estatuto de imigrante.
Mas mais uma vez vamos fingir que são imigrantes permanentes:
Já temos 35.000 muçulmanos em Portugal, é com mais 3.000 (ou 5.000) que o país vai implodir? 35,000 é okay, não há problemas nenhuns durante as últimas décadas, mas 38,000 ou 40,000 já faz toda a diferença? Parece-me um pouco absurdo e catastrofista.
Fontes:
«Calcula-se que a população muçulmana em Portugal seja constituída por entre 30 mil e 35 mil pessoas, o que representa algo como 0,3 por cento do total da população portuguesa. A grande maioria são sunitas, e há perto de oito mil ismaelitas (um número comparativamente bastante grande se comparado com outros países europeus), um ramo xiita do islão. A Comunidade Islâmica de Lisboa foi oficialmente reconhecida em 1968.»
Fonte: ACIDI
«Refugiados e imigrantes são termos por vezes usados como sinónimos no espaço mediático quando correspondem a conceitos e a um conjunto de direitos e deveres muito distinto. Leia aqui as diferenças.»
14 – “Os muçulmanos nunca nos aceitariam se fôssemos nós os refugiados, porque é que temos de os aceitar a eles?”.
É falso e mesmo que não fosse, que raio de lógica egoísta é essa?
Durante a Segunda Guerra Mundial vários europeus obtiveram refúgio em países com maiorias de muçulmanos. Alguns exemplos:
– Refugiados polacos partem para a Pérsia (Irão) em 1943;
– Franceses refugiados em Marrocos em 1943.
15 – “É curioso que os refugiados são quase todos homens… As mulheres e crianças ficaram então a fazer a guerra…”
Falso. 49.5% homens | 50,5% mulheres.
Fontes:
– Screenshot à data da refutação: UNHCR
– Dados actuais: UNHCR, “Syria Regional Refugee Response”
16 – “QUASE UM QUARTO DOS MUÇULMANOS É RADICAL”
O Expresso já refutou essa alegação que surge num vídeo da Brigitte Gabriel.
“O vídeo tem mais de um ano, mas foi recuperado agora pela propanda contra os refugiados sírios. Num simpósio nos Estados Unidos, Brigitte Gabriel, uma famosa ativista anti-islâmica, afirmou que “15 a 25% dos muçulmanos são radicais”, ou seja, “180 a 300 milhões de pessoas dedicadas à destruição da civilização ocidental”. A declaração, aplaudida de pé numa sala cheia de islamofóbicos, foi desmontada pelo prestigiado “The Christian Science Monitor”. A publicação cita Angel Rabasa, especialista em radicalização islâmica e autor do livro “EuroJihad”, segundo o qual “menos de um por cento” da população muçulmana que vive na Europa está “em risco” de radicalizar-se, o que não significa que vão todos a correr pegar numa arma ou numa bomba.”
Outros recursos:
– Artigo: CSMonitor, “How many Muslim extremists are there? Just the facts, please.”
– Livro na Amazon: Angel Rabasa, “Eurojihad: Patterns Of Islamist Radicalization And Terrorism In Europe”
17 – “Todos os refugiados devem ser submetidos a uma determinação individual do status de refugiado”.
Segundo a Agência da ONU para Refugiados:
«Em termos gerais, a pessoa que solicita o status de refugiado têm de estabelecer individualmente que seu temor de perseguição está bem fundado. Contudo, houve vários casos de êxodos repentinos e em massa, resultantes de campanhas de limpeza étnica ou de outros ataques abrangendo grupos inteiros. A necessidade de proporcionar assistência é, por vezes, extremamente urgente e, por razões puramente práticas, pode não ser possível efetuar determinações individuais do status.»
Fonte: ACNUR
«Poderá ser conveniente declarar “uma determinação coletiva do status”, nomeadamente quando grande parte dos membros de um mesmo grupo fogem por razões similares. Dessa forma, cada membro do grupo é, na falta de prova em contrário, considerado prima facie como um refugiado.»
Fonte: [PDF] ACNUR, “Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado”
Em conclusão
Espero que este ensaio ajude a assimilar melhor os seguintes pontos:
- A conduta que a União Europeia teve, e continua a ter, perante esta matéria é no mínimo questionável;
- É importante identificar o que pode ser feito (ou até deixar de ser feito) para mitigar alguns dos vários problemas que só contribuem para o engrossar dos fluxos de refugiados e até de migrantes económicos;
- É importante questionar aqueles que pretendem usar o alarmismo e a desinformação para fomentar o ódio contra os refugiados.
Termino com uma citação de Nietzsche que descreve bem muito do que tem vindo a ressurgir na Europa:
“(…) tampouco me agradam esses novos especuladores em idealismo, os antissemitas, que hoje reviram os olhos de modo cristão-ariano-homem-de-bem, e, através do abuso exasperante do mais barato meio de agitação, a afetação moral, procuram incitar o gado de chifres que há no povo (…)“»
– Friedrich Nietzsche (“Genealogia da Moral”, 1887)