A extrema-youtubização
O objetivo desta crónica não é soar o novo Velho do Restelo, nem ter a minha caixa de mensagens cheia de gym bros a fazerem comentários machistas, pelo que aviso com antecedência que se não querem ser uma punchline de uma piada numa crónica de alguém cujo passatempo favorito é escrever de forma amargurada sobre política, não o façam.
Sabemos que a Portugal chega quase tudo com pelo menos 5 anos de atraso, mas a importação das guerras culturais norte-americanas para um país com carências sistémicas e históricas era só uma questão de tempo, e bastou existir a sede de crescimento de um partido sem ideologia, uma figura, valores, quadros, ideias, ou intelecto no geral para responder aos referidos problemas.
A culpa está bem distribuída, mas levantaria mais três pilares deste pagode que seria cómico se não fosse tão perigoso: a falência das estruturas de juventudes partidárias em aliciar a nova geração para o processo político (85% dos jovens têm orientação política, e o conjunto da militância das duas maiores juventudes partidárias nem resvala os 4%), tal como a ideia peregrina de que ao termos todos espaço para a nossa voz ser ouvida, o devemos fazer invariavelmente.
Por fim, culpo também o meio ideal para os génios incompreendidos serem ouvidos, as redes sociais com algoritmos que promovem tópicos semelhantes, numa era em que toda a gente quer só criar conteúdo em vez de ter um trabalho.
Contudo, o objetivo desta crónica vai para além de tudo isso. Para além da oportunidade e da proliferação do fenómeno da auto-ajuda por tudo o que são plataformas digitais, existe uma estética que se tornou um ciclo sem fim. A hiper-musculação, a ode à masculinidade tóxica, o receio infundado e falso de que todos os espaços recém conquistados por mulheres empurram homens para fora do mesmo, o Joe Rogan, o Jordan Peterson, o Andrew Tate. A crença profunda de que o insucesso na capacidade de relacionamento com mulheres se deve a estas e ao feminismo, e não por todas as tretas americanizadas que têm na cabeça.
E, claro, abrem o Youtube. E os mesmos youtubers que iam a correr pelo Jardim da Estrela com o fato do Borat perceberam que os miúdos que os viam enquanto tomavam o pequeno almoço cresceram e agora têm outras prioridades. Querem sair da sua vida pequenina, vivem no mundo dos perdedores e dos vencidos, e querem ver e admirar alguém que “vença”.
E o que é “vencer”, perguntam vocês? “Vencer” é ter um Audi R8 apreendido no Marquês de Pombal, quando foi comprado com dinheiro de burlas em criptomoedas aos mesmos miúdos. “Vencer” é ter um deputado a admitir que vê dito youtuber antes de dormir todos os dias, youtuber esse que usou o convite do mesmo deputado para visitar a Assembleia da República para insultar o Primeiro Ministro, e consequentemente criar conteúdo para as suas redes. É cómico não é? O mesmo palanque que teve Natália Correia em cima a ler o Coito do Morgado levou também com alguém que acha que é corajoso porque disse o mesmo que os amigos do meu avô dizem na tasca depois de 10 cervejas.
Quando o líder do partido de extrema-direita vai ao podcast de outro conhecido youtuber fica claro o seu ímpeto de criar estes novos reacionários, especialmente quando não têm nem vocabulário nem conhecimento histórico para saber o que é um reacionário, quanto mais que são um.
Isto é especialmente verdade quando o referido youtuber se levanta no Twitter contra o socialismo (seguido de um rácio de emojis/caracteres que fariam um miúdo de 5 anos corar), mas recebeu 18,5 milhões de euros de fundos públicos para vitaminar a sua empresa.
Portanto, temos a cultura, o público alvo, o ambiente de competição constante, vidas estagnadas à nascença num país onde o elevador social está estragado, e quem apresente soluções básicas para estas questões de uma forma eloquente, sendo as mesmas propagadas pelos seus gurus intelectuais (sim, revirei os olhos a escrever isto). Vai ficar tudo bem.