“A Man On The Inside”, de Michael Schur: o valor da memória e o poder transformador da amizade

por João Estróia Vieira,    19 Dezembro, 2024
“A Man On The Inside”, de Michael Schur: o valor da memória e o poder transformador da amizade
“A Man On The Inside”, série de Michael Schur

Este artigo pode conter spoilers.

Michael Schur, conhecido génio criativo por trás de algumas das séries de comédia mais amadas dos últimos anos, regressou com mais um projeto marcante: “A Man on the Inside”. Para muitos, Schur começou por ser conhecido apenas como Mose, o primo excêntrico de Dwight Schrute em “The Office”, mas na realidade estamos a falar do criador de “Parks and Recreation”, “Brooklyn Nine-Nine” e “The Good Place”, do produtor executivo de “Master of None” e “Hacks”, mas também do escritor da curiosa obra “Como Ser Perfeito – A Resposta Certa para todas as Questões Morais”. Uma mistura de talento na escrita com a capacidade de humor sensível. Nesta nova empreitada, ele volta a colaborar com o carismático Ted Danson, com quem trabalhou anteriormente em “The Good Place”. Para os nostálgicos, é impossível não recordar também Danson no seu papel icónico como Sam Malone na clássica sitcom “Cheers, Aquele Bar”.

“A Man on the Inside” tem como base o documentário chileno “The Mole Agent”, realizado por Maite Alberdi, vencedor de vários prémios e elogiado pela sua abordagem a um tema sensível e complicado. Nesse documentário, um octogenário viúvo infiltra-se num lar de idosos para verificar se os residentes são alvo de maus tratos. Partindo dessa inspiração, esta nova série desenrola-se em San Francisco, mais concretamente na fictícia Pacific View, um lar de idosos e um lugar aparentemente caloroso e harmonioso. No entanto, ao contrário do documentário que lhe serviu de inspiração, o “caso” aqui é menos grave e o impulso para a investigação é um roubo misterioso: um colar com elevado valor que pertencia a uma das residentes. O que poderia ser apenas um enigma ligeiro transforma-se num ponto de partida para uma narrativa emocionalmente rica e profunda.

“A Man On The Inside”, série de Michael Schur

Com episódios de aproximadamente meia hora, “A Man on the Inside” é uma verdadeira jóia televisiva. Michael Schur, mestre em equilibrar comédia e drama, utiliza aqui o formato curto para contar histórias concisas, mas cheias de significado. A série não se limita apenas ao mistério central do clássico whodunit (quem cometeu o “crime”), explorando com delicadeza temas como a solidão, a memória, o respeito e a amizade, criando um retrato comovente e respeitador da vida num lar de idosos que oferece um contexto muito particular para estas reflexões. Longe de cair em estereótipos ou caricaturas, Schur trata as suas personagens com empatia, destacando as suas vulnerabilidades e forças. Cada residente tem uma história para contar, e é precisamente neste mosaico de vidas e experiências que a série encontra a sua maior riqueza.

Ted Danson, como sempre, brilha no papel principal, oferecendo uma interpretação que transita entre o humor afetuoso e a melancolia, fruto da recente morte da sua mulher por complicações relacionadas com a doença de Alzheimer. Interpretando Charles, um professor reformado e incitado pela sua filha Emily (Mary Elizabeth Ellis) a encontrar um hobby, decide aceitar um trabalho como par detective de Julie (Lilah Richcreek Estrada) e investigar o roubo em Pacific View. O carisma de Danson é essencial para o tom da série, que procura aquecer o coração do público sem incorrer em lugares comuns narrativos. A sua presença, aliada à realização cuidadosa e ao argumento apurado, garante momentos para rir e, inevitavelmente, momentos para chorar sem nunca se apoiar em clichês. A sua personagem, fora da investigação, lida também com os seus próprios problemas, nomeadamente com a dificuldade em se reaproximar da sua filha após a morte da sua mulher (a “cola” que os ligava) e o consequente afastamento que daí advém dos seus três netos. No entanto, a jornada tratará de trabalhar a proximidade e as barreiras comunicacionais entre as personagens, permitindo um arco impactante e próximo.

Ao longo dos episódios, vão-se formando relações de amizade improváveis entre os habitantes e entre estes e o staff de Pacific View, com particular destaque para Didi (Stephanie Beatriz), a diretora do lar. Personagens que, à primeira vista, não teriam nada em comum, encontram apoio e companhia uns nos outros. Estas ligações revelam o poder das pequenas interações diárias e da bondade para com o próximo, que transformam um lugar de solidão e de proximidade com a inevitável morte num espaço de verdadeira partilha e comunidade. Charles, sobretudo, lida inclusive com o seu papel duplo enquanto residente/detetive privado e como a mentira poderá afetar essas relações, dando-lhes uma profundidade extra, sobretudo com Calbert (Stephen Henderson).

Em tempos em que as produções televisivas muitas vezes são aceleradas e excessivamente grandiosas, “A Man on the Inside” destaca-se pelo seu ritmo tranquilo, intimista e empático. A série é uma celebração das relações humanas e dos pequenos momentos de conexão que tornam a vida significativa. É uma experiência televisiva acolhedora, ideal para ser apreciada em noites frias de inverno, quando tudo o que queremos é algo que nos aqueça o coração. “A Man on the Inside” é uma mistura perfeita de leveza, emoção e boa disposição. Uma obra que nos faz refletir (com um sorriso nos lábios) sobre o que realmente importa: o valor das memórias, a importância de um olhar atento e o poder transformador da amizade. É um pedaço de perfeição televisiva que merece ser apreciado com carinho e que já foi renovado para uma segunda temporada.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.