A maturidade dos Arctic Monkeys chega com ‘Tranquility Base Hotel & Casino’

por Lucas Brandão,    19 Maio, 2018
A maturidade dos Arctic Monkeys chega com ‘Tranquility Base Hotel & Casino’
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Os Arctic Monkeys dispensam apresentações. São sobejamente conhecidos aos ouvidos de grande parte daqueles que se embrenhou na música indie da última década, para além dos demais que foram conhecendo a rapaziada de Sheffield, que se organizou numa banda e começou a dar caras pelos pubs e bares, passando para os grandes palcos. Actualmente são constituídos por Nick O’Malley no baixo, Matt Helders na bateria e Jamie Cook na guitarra, assim como o vocalista Alex Turner. O quarteto-maravilha fez e faz suspirar muitos que se cativaram pelo empolgar e pelo abanar com a letargia para a qual a música caminhava, após o Sol do grunge se pôr e o pop estar a dar cartas.

Cinco anos depois do agridoce AM, após Turner voltar para a companhia de Miles Kane, com quem voltou a dar cartas na banda The Last Shadow Puppets (Everything You’ve Come to Expect, de 2016), foi tempo de voltar a gravar e de chegar aos ouvidos desses habituais fãs. Neste trabalho de estúdio, veio a público Tranquility Hotel & Base Casino, que gerou grande expectativa para perceber a quantas andava o grupo, tanto tempo depois de se dispersarem nos seus mundos e submundos. No entanto, a transformação do vocalista e do seu grupo foi feita. Deixaram de ser aqueles meninos irreverentes e exultantes, na qual a música indie conhecia um apogeu notável. Agora, são homens, na casa dos 30, numa maturidade crescente, que se revela na própria abordagem lírica. O impacto instrumental sossegou, o fulgor eletrizante amainou, a puerilidade acabou. São muito diferentes do que tinham sido em Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) e em Favourite Worst Nightmare (2008). As diferenças são incontornáveis, assim como o desejo de se sentirem mais cómodos e sossegados, que resulta dessa evolução temporal.

Fotografia de: Zackery Michael

As experiências moldam e toldam aquilo que somos e aquilo que fazemos, assim como as fases da nossa vida. Também assim se revela o espírito das bandas, especialmente das que perduram na memória, que se renovam e escolhem os momentos do seu período de vida para se transformarem. Consoante mais vivem, mais se apercebem de que o mundo é mais do que o seu sentimento, do que o amor, a amizade, a desilusão e as habituais temáticas que tanto mexem com aquilo que é o fazer música e fazer arte. Abrir horizontes para o funcionamento do mundo e para o modo como a sociedade se comporta foi o caminho que este novo trabalho trouxe, uma dimensão que sabíamos que habitava na alma de Turner e dos seus companheiros, mas que ainda não tinha conhecido a altura para se exprimir da forma como queria, com a sonoridade que queria.

A onda mais jazzy que nos chega aos ouvidos revela-nos o estado de espírito que vai mais de encontro às experiências a solo de Turner, assim como a sua parceria com Kane. Do início ao fim deste álbum, de “Star Treatment” a “The Ultracheese”, aquilo a que temos acesso é a uma nova experiência musical de uma banda que se tinha demarcado das demais com uma identidade muito concreta. Aquilo que nos é proporcionado causa disrupção com aquilo que se tomava em conta que eram os Arctic Monkeys. Não basta, por si só, criar música. Existe a necessidade de a entender, a si e aos seus contextos, no mundo do entretenimento. “Star Treatment” e “One Point Perspective” colocam a nossa visão no papel do artista, que, mais do que uma personalidade criativa, é parte de uma indústria crescente, em risco de evaporar na estandardização.

Ao lado deste entretenimento, chega-nos a sociedade norte-americana, que traz o desporto, também ele uma via através da qual tanto da sociedade exprime as suas paixões e frustrações, assim como no consumismo suscitada pelo jogo e pela tecnologia, anestésicos quando tanto corre mal. Com subtileza, já após “American Sports” e “Tranquility Hotel & Base Casino”, chegam-nos apontadores à política norte-americana, onde os “Golden Trunks” são vestidos por um lutador de luta livre que tudo governa. As críticas a como as redes sociais e as críticas às peripécias virtuais, para além dos sistemas que orientam cada vez mais a vida de quem as usa, revestem-se de uma fragrância vanguardista ao nível musical, que vão buscar aquele pop-rock que ouvíamos em David Bowie. “Four out of Five”, o single lançado no contexto do disco, é talvez a música que melhor capta esta mensagem.

Para que a virtualidade não se perca, a ficção científica leva ao fragmentar de tudo isto, a pensar num futuro que, liricamente, se revela potencialmente novelesco, na intriga que a projeção de cenários sempre traz. “Science Fiction” traz mais desse registo truculento de Turner, que acaba por voltar àquilo que fez em Humbug (2009) e em Suck it and See (2011), e derivar nos riffs que tanto marcaram aquilo que é esta banda, mesmo sem prescindir dos tiques que são novos aos ouvidos de quem os conhece há tanto. Esses próprios álbuns já mostravam alguns sinais do crescimento que se ilumina agora no mais artístico dos álbuns do grupo, embora na transição daquilo que tinha sido um ritmo altíssimo imposto pela sua imponência energética. “She Looks Like Fun” é provocadora, gritty e não deixa de ser acintosa, assim como as faixas que se seguem, que não perdem os ingredientes que fazem deste álbum dos Arctic Monkeys ser tão graúdo e precioso. “Batphone” e “The Ultracheese” não escondem a sátira e prolongam aquilo que marca o registo deste trabalho do grupo, mais amplo, mais trocista, mais inteligente.

Os Arctic Monkeys cresceram do rasgo do seu virtuosismo, dos seus altos e baixos, das colaborações de Turner com Miles Kane e dos seus tempos sem nada produzir e criar. São agora maduros, observadores atentos da sociedade e capazes de, com uma sonoridade transparente, limpa e agradável, marcar o seu terreno com algo diferente, sem perder a sua identidade. Neste período, ouviram mais, viram mais, leram mais, pensaram mais, imaginaram mais, raciocinaram mais, concluíram mais. A sociedade, ligada à corrente pela tecnologia, foi o objeto de criação artística de Turner e companhia, com uma roupagem que o jazz e o pop mais solto e descomprometido se propuseram a interpretar. Na inglória tarefa de quantificar o qualificável, um “Four out of Five” coloca Tranquility Hotel & Base Casino como o marco que revela o amadurecimento dos Arctic Monkeys, agora mais pensadores e pensativos, mais estáveis e serenos, mais versáteis e completos, no papel de senhores da música.

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