A metamorfose dos Beach House dá à costa com ‘7’
7 é o sétimo álbum dos Beach House, o sétimo de uma carreira que já vem encantando com o seu dream pop muito denotado. A dupla de Baltimore, composta pela vocalista e teclista Victoria Legrand e pelo também cantor e guitarrista Alex Scally, deu os seus primeiros passos no ano de 2003, quando ambos ainda eram estudantes universitários. O primeiro álbum chegou em 2006, homónimo ao nome da banda, seguindo-se de Devotion (2008), Teen Dream (2010), Bloom (2012), Depression Cherry e Thank You Lucky Stars (ambos de 2015), aos quais se juntaria B-Sides and Rarities (2017), que revelava aquilo que os álbuns não tinham mostrado da capacidade deste duo. O caminho, no entanto, foi assumido como pronto para uma mudança, que seria rematada com as raridades complementadas e com a chegada de 7. Este trabalho desdobra-se para lá da habitual sinfonia de harmonia e procura florescer com energia e frescura, além de uma fórmula de serenidade musical.
Conforme assumido pelo grupo, a intenção do álbum era a de responder à negritude que se apoderou da sociedade, considera caótica e crescentemente insana, imersa nessa escuridão que os Beach House revelam, não só na música, mas na capa fragmentada do próprio disco. A própria condição feminina nos tempos é uma fonte de inspiração, que é debatida e questionada naquilo que são os papéis que assume. No entanto, e mais que a mostrar, o álbum vai em busca da aceitação e da empatia com essa perda de claridade. O número 7, mais do que concretizar a contabilidade cronológica, quis transmitir o seu significado simbólico e numerológico, tão representativo em tempos clássicos.
É nestes tons acinzentados, deambulando entre a realidade do preto e a esperança do branco, que “Dark Spring” nos chega, apresentando outras tonalidades instrumentais, que saem da monotonia de deslumbramento que nos habituou. A transformação é sentida no cruzamento de sons e de perspetivas que se desenham ao som destas composições, sensação que alcança “Pay No Mind”, aqui com mais pujança, e o primeiro dos singles a ser lançado, “Lemon Glow”. Este revelou-se num cartão de apresentação que exemplifica aquilo que é a nova derivação dos Beach House, com uma sonoridade mais transformada e menos elementar, em mistérios e transições anunciadas.
O francês é um dos idiomas usados em “L’Inconnue”, fundido com o inglês. Por si só, a música embrenha-se numa espiral lírica e instrumental, que abraça quem a ouve e a conduz nesse mesmo movimento, à imagem dos efeitos proporcionados por “Drunk in L.A.”, fulgurante na eletricidade que transporta na sua cablagem, mesmo que a perdição se mostre como a sua conectora. Para corroborar este mergulho, “Dive” devolve a harmonia perscrutadora da clareza, que se foi perdendo nas dúvidas e incógnitas do ofuscamento musical até ao momento, mas sem deixar quem ainda agora acolheu: a toada magnética da música eletrónica.
“Black Car” pontilha mais um pouco dessa novidade musical no compêndio dos Beach House, enquanto o carro preto da música joga com os sons intrusivos da morte e do desalento, tal como “Lose Your Smile”, em que a janela da esperança surge sorrateiramente em conjunto com as potencialidades de se ouvir o sonho formado. As estrelas outrora conquistadas em álbuns anteriores, cujas odes eram entoadas nas suas canções, são postas em causa e problematizadas em “Woo”, em outra das faixas em que a instrumentalização musical assume momentos de protagonismo a solo, sem recorrer à absorvente voz de Victoria Legrand.
Em plena reta final deste sétimo álbum dos Beach House, “Girl of the Year” não nos deixa esquecer que a solidão pontua parte deste álbum, uma solidão que não é consentida, mas que surge com a aspiração de que seja colmatada. Os instrumentos, forçados, assumem o discurso arrancado e compelido que a voz exprime, que seguem até ao último suspiro do álbum, na sua “Last Ride”. Uma despedida que se sente na melancolia da música, na voz embargada de Legrand, nas sensações e emoções que chegam até nós, catalisadas pelo que depreendemos do que ouvimos e vemos, de olhos fechados, no alcance fantasioso da música.
Nesta nova toada, musicalmente mais destacada e liricamente mais pesada, os Beach House deixam, nos ares que tanto percorreram, o sabor etéreo das suas composições, e devolvem-nos à terra. O processo criativo mudou, olhando para o íntimo do anonimato que se acomodou na reclusão cinzenta do seu sentimento. A transformação sente-se já neste álbum, que corresponde a uma experiência artística de realce, mas que não nos sacia a saudade do encanto auspicioso do seu repertório. Ainda assim, os Beach House não nos deixaram, dando à costa com a maresia que tanto nos consola e tão bem nos compreende, agora na noção de todos como um todo.