‘A Moon Shaped Pool’: um mês depois, em loop quase infinito
Há um mês, no passado dia 8 de maio, entrámos numa nova Era. O pós-A Moon Shaped Pool. O preâmbulo ditado pela publicação de novo artwork, deleção da presença online e lançamento de músicas, culminou num domingo que mudaria o mundo. Parece exagerado, mas, numa Era em que tudo é escrutinado, antecipado e especulado, o lançamento de mais um álbum por uma banda determinante como os Radiohead é como uma pedrada no charco inquinado de informação passageira. É um marco na história musical.
A Moon Shaped Pool não só cai como uma bomba inesperada no mundo musical, como se destaca por ser precisamente o inverso de uma bomba. As reacções dividiram-se e um motivo que poderá ter potenciado isso é o facto de que, dada a dimensão da banda, as pessoas esperariam algo épico, algo que mudaria o mundo. Mas… o que é isso, ao certo? Acho que ninguém sabe.
Em termos sónicos, o álbum é ponderado, tranquilo e delicado. À primeira vista, pode até passar despercebido. O nome, A Moon Shaped Pool, remete, literalmente, para um universo aquático e astronómico. Isso resulta em canções espaçosas e amplas, com uns laivos de Kid A, mas adicionando uma componente aquosa, que torna parte da experiência algo como ouvir música debaixo de água, numa piscina larga, e outra parte algo como flutuar no espaço sideral.
“Burn the Witch” será o número que mais se afasta deste universo. Não é por acaso que foi a porta (de madeira, pintada com uma cruz vermelha) de abertura para o disco, sendo o primeiro single lançado, uma espécie de preparação para o que aí vinha. Os violinos épicos propulsionam uma batida que não estaria deslocada de uma canção de hip-hop, e conjuram um mix estranho que se vai entrosando em nós da mesma forma deliciosa que as melhores músicas da banda o fizeram. Um clássico quase instantâneo.
Já “Daydreaming” marca então o mood principal do álbum, pacientemente revolvendo à volta das mesmas teclas que se vão somando, como se subíssemos uma escada em espiral. Subindo e subindo até ao clímax, à tona da água, que revela a luz do dia. Tão forte, que o sonho quase cruza a barreira para a realidade. Ouvir isto é das experiências mais próximas que se tem de sonhar acordado.
Daqui em diante, estamos imbuídos na piscina de sintetizadores, cordas, teclas, baixo e ecos, que, numa produção cristalina, elevam músicas tão simples como “Decks Dark” ou “Desert Island Disk”, o par mais bonito e interligado do álbum, enviando ondas de som para cima, onde alumiam suavemente a música como a luz da Lua.
Sabemos que a coisa ficou séria quando a batida ameaçadora de “Ful Stop” vem de sabe-se lá onde, na canção que provavelmente se destaca mais numa primeira audição. É quintessential Radiohead, e tira qualquer dúvida aos cépticos. Os seus 6 minutos corpulentos são dissolvidos pela faixa mais etérea, “Glass Eyes”, que é tão linda como desarmante. Uma performance de Thom Yorke que nos faz largar tudo e ouvir com atenção o que aconteceu depois do mesmo sair do comboio (“Hey, it’s me/I just got off the train”). Por algum motivo, é a peça central do álbum, e aquela mais reminiscente da imagem da capa. Há tantos estímulos sensoriais providenciados por ela, que devem ser deixados ao critério de cada um.
Já “Identikit” vai e vem, e é outro dos highlights iniciais do álbum, sendo possivelmente a música mais acessível e talvez aquela à qual é mais fácil voltar sem se ouvir o álbum todo. “The Numbers” tem Jonny Greenwood escrito em todo o lado, devido às cordas maravilhosas, ancoradas pela base rítmica mais aquosa do álbum. Ouvir esta música é nadar de costas virado para um céu estrelado, com o qual nos misturamos no final.
“Present Tense” traz-nos de volta à terra, num abraço quente e terno. A água da piscina está fria, precisamos de amigos que nos envolvam numa toalha e que se juntem a nós num coro divino. Esse coro será o momento vocal mais despreocupadamente jubiloso e libertador do álbum, após o qual, “Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief” nos leva de volta às alturas, com um ritmo levíssimo que a leva a pairar. A transição é de génio e eis que nos chega… “True Love Waits”.
Não vale a pena dizer mais nada. De luzes apagadas, através de umas colunas ou auscultadores, é deixar o álbum fluir e espalhar-se pelo espaço vazio, deixando a piscina encher-se de som. Essa experiência sensorial evocada será uma das maiores virtudes deste álbum, e que o fará perdurar ao longo dos tempos.
Após discos a focarem-se no mundo em redor, provocando a opinião pública e criando thinkpieces sobre o estado da sociedade, os Radiohead encontram-se, agora, mais a olhar para dentro. E porque não será essa a verdadeira revolução actual? O virar-se para o eu mais profundo numa Era tão demarcada pela perda de individualidade?