A “nossa RTP” e o futuro de que não podemos desistir

por Pedro Miguel Coelho,    9 Outubro, 2024
A “nossa RTP” e o futuro de que não podemos desistir
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Não escondo ao que venho: tenho uma ligação pessoal e emocional com a RTP. Não a oculto, porque ocultá-la seria também cortar um momento determinante da minha vida profissional enquanto jornalista.

Foi na RTP que, em 2017, fiz um estágio que mudou a minha vida e que me permitiu estar aqui hoje como jornalista e não como outra coisa qualquer. Já tive muitas outras profissões, e já tentei gostar tanto de outras coisas como gosto de jornalismo e de informação. Não consegui, e a certa altura percebi que tinha de aceitar este amor problemático por uma profissão mal paga, sem horários, e que nos obriga a abdicar de tanta coisa.

Na altura em que fiz o estágio curricular de mestrado na RTP, tinha outra profissão em simultâneo, para poder pagar as minhas contas. O meu estágio foi na RTP e não noutro sítio qualquer porque foi a RTP que se disponibilizou para me receber em estágio no horário da noite, de modo a que eu pudesse estar na redação em “pós-laboral”.

Fiquei com a equipa do 360º, o noticiário de horário nobre da RTP, que tinha acabado de começar. Era um jornal noturno com espaço para a análise, com a explicação gráfica dos temas do dia, e com um timing diferente, que fechava diariamente com um vídeo ou uma fotografia que condensavam, de alguma forma, o que ficava para a história das 24h que tínhamos acabado de atravessar – tive a grande responsabilidade de a escolher muitas vezes.

Já nessa altura este noticiário, o principal do canal, tinha uma equipa pequena, com uma pivô, uma coordenadora por semana e um jornalista de apoio. Quando eu cheguei como estagiário ofereci-me para ajudar com qualquer coisa e tentei provar que podia ajudar mais do que atrapalhar.

Fazer o 360º, com aquela equipa pequena, mas empenhada em entregar diariamente um bom trabalho num jornal diferente, manteve-me entusiasmado e com uma motivação inesgotável, mesmo que a acumular o trabalho com o ‘full time’ que me pagava as contas. Pouco tempo depois de ali estar, entendi porque é que as pessoas falavam da “nossa RTP”. E aquela passou a ser a minha RTP, onde os amigos e camaradas com que pude trabalhar me ensinaram porque é que, quando eu contava que estava a estagiar na RTP, as pessoas diziam que estava na “grande escola”.

Nesses meses especialmente agitados do ano de 2017 atravessámos noites de muitos atentados terroristas, cobrimos eleições internacionais, assistimos ao início da “era Trump” na presidência dos Estados Unidos, vencemos a Eurovisão, vimos chegar o inferno a Pedrógão.

Nessa altura, lembro-me bem, fazíamos um jornal que queria ter audiência, relevância e influência, e ficávamos felizes quando vencíamos a concorrência. Mas não confundíamos as coisas: isso nunca fez com facilitássemos, ofegantes, e tratássemos a vida dos outros de uma forma que não gostaríamos que tratassem a nossa. Contrariamente ao que se tem feito parecer por estes dias, não é a diminuta quota de publicidade que fica para a RTP que impele a que se facilite quando o assunto é sério, e a informação de confiança é o assunto mais sério que existe. 

Hoje, sete anos depois, muito mudou. A equipa do jornal hoje em dia ainda é mais pequena. De acordo com o que se anunciou esta semana, o cenário não vai melhorar: aguarda-se um futuro de miniatura para o serviço público de televisão. E, acreditem, a informação de confiança, que é relevante e próxima, mas que não se deixa cair na faca e alguidar, não se faz com equipas esgotadas, sem recursos. E não é possível fazer informação diferente e alternativa sem meios ou sem pensar no público – e naquilo que precisa de um jornalismo de serviço público. Isso não é ser alternativa, é ser irrelevante.

Trabalhar lado a lado com as equipas da RTP, com os jornalistas que envergam com orgulho essa camisola, foi uma escola que trouxe para o resto da vida, e lamento se, numa fase tão crítica para a liberdade e para a democracia, a opção for fragilizar o jornalismo de serviço público. Independentemente do que digam os seus detratores, muito agarrados a casinhos ou questiúnculas particulares, a RTP tem dado provas de seriedade, independência e transparência, e em condições normais, com mais de 60 anos de história, continuará a ser determinante para o futuro.

A mesma RTP que abriu novas linhas criativas no streaming, com a RTP Play, que deu fôlego a sério à produção de séries, que hoje já nos internacionaliza; que todos os dias resiste ao sensacionalismo mas está no país real; e que ainda faz televisão e rádio para todos os públicos, não se dispensa se Portugal quiser mesmo futuro para a informação e para o jornalismo. Mas será que quer?

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