“A Orquestra”, de Mikkel Munch-Fals: comédia em lugar improvável

por João Estróia Vieira,    4 Dezembro, 2024
“A Orquestra”, de Mikkel Munch-Fals: comédia em lugar improvável
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Este artigo pode conter spoilers.

Do original dinamarquês “Orkestret”, “A Orquestra” faz parte do vasto leque de ofertas da plataforma de filmes e séries Filmin e estreia agora também na RTP2 e RTP Play. Trata-se de uma brilhante comédia dramática que mergulha nas tensões e nos jogos de poder de uma orquestra sinfónica dinamarquesa, explorando as dinâmicas interpessoais e as intrigas que se desenrolam atrás do pano. Num registo que combina o humor seco e irónico do norte da Europa com uma observação aguda da condição humana, a série não só revela o lado menos glamoroso do universo musical como o faz com uma pitada de absurdo e exagero da mesquinhez inter-relacional. Muito além daquilo que geralmente se vê, o palco e as performances, “Orkestret”, criada por Mikkel Munch-Fals, expõe o que acontece nos bastidores, onde o talento artístico é frequentemente ofuscado pela ambição pessoal, vaidade e política (que muita vez se confunde como lealdade à amizade) interna.

A disputa de poder entre maestros, músicos e administradores é o ponto de partida de uma série bem construída e com atenção ao detalhe escrito. Cada personagem parece lutar para afirmar o seu espaço, seja pela posição de destaque na orquestra, seja pelo simples reconhecimento entre os pares. Este “microcosmos” de rivalidades e tensões reflete a estrutura de qualquer organização humana, mas é amplificado pela sensibilidade artística dos seus membros, pelos egos e pelas paixões (e paixonetas) que provocam e amplificam a assinalável capacidade da série de ir do riso ao desconforto. A dinâmica entre o administrador e os músicos, por exemplo, oscila invariavelmente entre o autoritarismo e o desespero (cómico), espelhando uma luta de poder bem comum a todas as organizações hierárquicas.

A escolha de uma orquestra como palco para esta história é, em si mesma, um exemplo perfeito desse tal humor nórdico, que encontra assim o cómico onde muitos apenas veriam mais facilmente espaço para o drama ou, pelo menos, um lugar inóspito para o riso e que vive muito da dinâmica dos seus dois atores principais, Frederik Cilius Jørgensen (enquanto Bo) e Rasmus Bruun (enquanto Jeppe Nygren), que já antes se haviam cruzado em “St. Bernard Syndicate” e que aqui continuam a dar espaço à sua química humorística.

Ao contrário de filmes como “Tár” – que também explora os bastidores do mundo musical, mas com um tom mais sombrio – ou mesmo nas obras satíricas de Ruben Östlund, “Orkestret” ri-se da seriedade que envolve o mundo da Arte, sublinhando como o egoísmo, a obsessão pela perfeição e o culto do talento podem gerar situações patéticas. O contraste entre a música imaculada que o público ouve e o caos que se vive nos bastidores encapsula essa dualidade que caracteriza o humor escandinavo: a busca pela beleza entrelaçada com o inevitável fracasso humano auto-inflingido.

Mais do que uma série sobre música, “Orkestret” é uma comédia humana que explora com uma precisão quase cruel as fragilidades e os desejos contraditórios que definem as pessoas. Com uma estética minimalista e diálogos muito bem escritos que frequentemente deixam espaço para o subentendido, a série exige do espectador uma atenção aos detalhes e uma apreciação pelo absurdo da vida e das relações humanas. É uma obra que, como a própria música, ressoa de forma única em cada um, lembrando-nos que mesmo nas situações mais tensas – ou justamente nelas – existe (sempre) lugar para o riso.

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