A pausa do frenesim e caos dos Black Midi em Cavalcade, o seu novo álbum
Depois daquele que foi, a título pessoal, o melhor álbum de 2019 (Schlagenheim), a expectativa sobre este Cavalcade, o segundo álbum de originais dos britânicos Black Midi, era bastante elevada. Infelizmente, a expectativa não atingiu o esperado e este novo álbum é, no geral, uma desilusão.
Os Black Midi surgiram algures em 2017, em Londres. Desde cedo que criaram uma sonoridade muito própria, com base no jazz e math rock, tocados de forma caótica. Essa mistura, aliada a concertos com enorme energia, levaram-nos para os grandes palcos e, com apenas um álbum, tornaram-nos numa das bandas recentes mais interessantes de seguir.
De Black Midi não se pede coesão, não se procura cantigas em estilo quase ambiente. Black Midi é caos, desnorte, confusão, gritaria e jazz misturado com math rock de forma única. Em Cavalcade, esse caos é, maioritariamente, posto de parte — salvo a excepção dos dois singles, “John L” e “Slow”. A ordem reina e a maioria das músicas, com “Marlene Dietrich” e “Diamond Stuff” à cabeça, são calmas, com uma clara influência do jazz mais ambiente. “Chondromalacia Patella” tem toques de “boa fritaria”, mas nunca chega ao patamar dos dois singles anteriormente lançados. É de referir o incrível videoclipe criado pelo artista sueco Gustaf Holtenäs para a música “Slow”. Gustaf é um ilustrador, realizador e motion designer natural de Estocolmo, com uma clara influência de Moebius em muitos dos seus trabalhos de ilustração.
O que é inesperado neste álbum é esta ordem natural, como se estivéssemos a falar de uma banda que sempre obedeceu a uma estrutura contínua e lógica. Até mesmo “Dethroned”, que explora caminhos mais criativos, está sempre amarrada a um certo controlo, e a voz de Geordie Greep, sempre tão única, é aqui muito mais banalizada. Os seus toques de gritaria e “desafinanço” (positivos) desapareceram de quase todas as músicas, assim como as guitarras estridentes e composição tão própria do math rock, substituída por rock mais “simples”, o que é uma enorme decepção. “Dethroned” termina de forma mais vigorosa e eléctrica, mas fica muito aquém do que esperávamos para este álbum, já que Schlagenheim, o álbum anterior, aposta bastante no improviso e inesperado.
Não há dúvidas que este novo álbum pode agradar a um público mais vasto. As músicas são muito mais coerentes do que as do álbum anterior e mais equilibradas, o que poderá facilitar a expansão da banda para outros territórios. Infelizmente, para quem procurava a essência do álbum anterior, pouco pode ser encontrado neste Cavalcade além do que é oferecido nos singles e em poucos momentos de algumas músicas. Contudo, este passo não é bem visto como um retrocesso, mas talvez como um amadurecimento da banda, um passo em busca do seu próprio som. É certo que a musicalidade de Schlagenheim era demasiado complexa e selvagem para continuar a ser explorada, principalmente para evoluir de forma mais comercial, mas esta mudança quase drástica pode ser um risco para os fãs mais fiéis da banda.
Entende-se a tentativa de evolução neste álbum, principalmente quando chegamos à última faixa, “Ascending Forth”, onde Geordie canta verdadeiramente, como qualquer outro cantor de uma banda de jazz. É aí que provavelmente está o futuro da banda, na mistura do jazz com um rock mais coerente. Contudo, a tamanha dissociação do que foi anteriormente feito cava um fosso demasiado grande entre os dois álbuns, e é impossível não passar de cinco estrelas para três.
A faixa “Ascending Forth” aposta fortemente no jazz, de uma bela forma, mas sente-se sempre a falta do math rock pelo meio, assim como de um tipo de jazz mais experimental. O final da música é forte e sem dúvida um dos melhores momentos do álbum, mas falta sempre algo. E este é o espiríto geral do álbum, essa noção de que falta algo que pertence tão unicamente a esta banda. Possivelmente para quem está a entrar neste universo pela primeira vez, não irá sentir tamanha diferença. As músicas são boas, estão bem construídas e apesar da voz de Geordie não ser divinal, é bastante competente em grande parte das músicas. O maior problema está para quem é grande fã do álbum anterior e queria mais do mesmo — aliás, “do mesmo” é errado, já que a banda tem uma enorme capacidade criativa e raramente cai na repetição, mas algo mais excitante e energético talvez seja uma melhor denominação.
Cavalcade é um álbum interessante, principalmente para quem não conhece bem os Black Midi. Há momentos de genialidade neste álbum, mas a decisão pelo controlo e coesão acaba por nos limitar a imaginação, essa imaginação que a própria banda nos ajudou a construir e incentivou em Schlagenheim. E quando isso acontece, é impossível não ficarmos decepcionados.