A plasticidade da arte

por Lucas Brandão,    20 Dezembro, 2017
A plasticidade da arte
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A plasticidade é uma das mais curiosas e tentadoras caraterísticas no âmbito da criação artística. Tanto na pintura, como na escultura, na literatura, na música, e nas demais sensibilizações criativas, a plasticidade afirma-se como um conceito que mexe com toda a composição, apostando na personalização e modularização da realização. O que é plástico, é funcional, adaptando-se à realidade da produção e do pensamento do artista, que se mune de recursos suficientes para diferenciar e para dar corpo e alma à sua amplitude, através do compasso de atributos e de concursos para conferir a forma ansiada e a confissão prometida ao exercício da criação.

Como em todas as formas de expressão mais ou menos passíveis de serem estudadas, existe uma gramática subjacente ao que é composto, similar às estruturas moldáveis e adaptáveis que a mente incorpora para melhor compreensão e construção com sentido e significado. Assim, e das teorias do belo e do fazer criador, o enfoque estético passou para aquele que contempla a obra de arte, e posiciona-se, agora, no papel que a arte representa na elaboração e comunicação criativas. Todas as transições derivaram da problematização da interpretação e das mensagens que os trabalhos transmitem, incluindo as sensações que não são possíveis de ganhar verbalização. O particular e o diferenciado emancipou-se das exigências do rigor e do belo. Mais do que objetos, importa a intuição e o valor sustentado na expressão, onde o conceito se redimensiona e se supera à tangibilidade ensejada. No campo das artes plásticas, onde a modularidade ganha especial destaque, sensibiliza-se para a força contagiante e mobilizadora que a proximidade do toque e da intimidade suscitam, principalmente através da visão. A formação de novas mundividências e “artividências” acabam por envolver a plasticidade para a plenitude de composições confecionadas, contextualizadas de formas muito distintas entre si.

Numa orientação quase lógica aplicada à arte, a experiência e a essência são mais do que aquilo que é compreendido pela existência. Assim, é maior a autonomia da arte (a arte pela arte), operando como um caminho único e singularizado que relaciona várias variáveis, como a cor, a forma, a matéria, a ideia, e onde o fulcro da criação está no conceito apresentado a si e àqueles que a contemplam. A expressão culmina naquilo que é a transformação materializada da idealização do autor, podendo-se moldar ou ajustar a diferentes realidades, mas com uma ou mais premissas a serem comunicadas. O idioma no qual discursa é o artístico, onde a individualidade se distancia veementemente da imitação, e transmite um certo significado estético. A plasticidade da arte vai-se evidenciado nesta capacidade de, com o(s) significado(s) criado(s), dar volumetria à mudança, à diferença, à inovação. Mais do que entender, a primazia reside no experienciar, dando luz ao transcender que se ajusta às linhas do tempo onde a pauta artística acaba preenchida.

Para se aferir a plasticidade, importa perceber o termo e o conceito que estão nos antecedentes da sua constituição, e vai-se de encontro ao plástico. Assim, este trata-se de uma substância com caraterísticas alquímicas, que provém da idealização humana para a modelação, e que, assim, transcende a própria materialidade de substância. Desta feita, o plástico é a ubiquidade e a transcendência infinita, uma transformação em constante conversão das ideias e dos conceitos, que não se consegue restringir a um dado material. Na noção artística de plástico, sente-se uma tendência para seguir um movimento, para dar asas e comprimento a essa mobilidade, que acaba por radicar na própria construção e criação. Interessa, no entanto, aferir se a designação daquilo que são as artes plásticas é a mais correta, atendendo, para isso, às suas origens. Desta forma, a direção assumida é o termo grego ligado à estética – plastikós, referente à olaria e à respetiva modelação. Então, já se depreendia uma referência ampla, ligada à plasticidade e maleabilidade dos materiais, para além da sua disposição de assumir uma dada forma. É o material que, ao serviço da modelação, se desvincula de qualquer molde, e que incorpora o conceito, sendo a mão humana o veículo desta prática metamórfica.

After a certain high level of technical skill is achieved science and art tend to coalesce in aesthetics, plasticity, and form. The greatest scientists are artists as well.

Albert Einstein, cientista.

Torna-se curioso, também, ver aquilo que foi o desenvolvimento do plástico como material químico, para além da noção conceptual e da artística. A sua história prende-se com uma necessidade de desenvolver algo diferente, e começa na primeira metade do século XIX. Assim, os primeiros plásticos tinham a forma de produtos que, apesar de originários da Natureza, foram retocados pela tecnologia para sua usabilidade. O primeiro sintético a tomar forma foi desenvolvido por Alexander Parkes, e foi exposto na Exposição Internacional de Londres, no ano de 1862, com o nome de “Parkesine”. Tratava-se de um material orgânico que advinha da celulose e que, aquecido, tornava-se moldável e adaptável, mesmo mantendo a forma após o seu arrefecimento. O plástico começou a ser usado na produção de brinquedos, com a adaptabilidade e a maleabilidade que lhe era conhecido, embora só se tornasse produzido em massa décadas depois. Com as necessidades impelidas pela Primeira Guerra Mundial, a introdução de novos métodos científicos e tecnológicos, e de plásticos quimicamente mais resistentes e potentes tornou a plasticidade mais voltada para a utilidade do que para a experimentação. No entanto, os materiais sintéticos modernos, tais como o poliestireno, o poliuretano, e a poliolefina, tornaram possível construir os alicerces necessários para a revolução do design, que desencadeou nos anos 60 e 70; numa fase em que se tornou cada vez mais acessível a todos, a partir da sua massificação. Porém, a massificação não impossibilitou aquilo que se contextualiza como património histórico, havendo peças de grande estima para certos colecionadores.

Voltando à indústria de brinquedos, e para além da Fisher Price e da Hasbro, destaca-se a dinamarquesa LEGO. Esta, a partir de pequenas peças que permitem construir toda e qualquer representação multicolorida e multiforme, desencadeou um caudal interessante de idealizações e de projeções, que aproximaram as sucessivas realizações das obras de arte. Porém, foi a mesma LEGO que boicotou um trabalho do artista Ai Weiwei com as suas peças, alegando não poder permitir obras de cariz político com o seu material. No entanto, o seu trabalho viria a conhecer luz após vários fãs doarem-lhe peças suficientes para construir aquilo que idealizou. Porém, a política da empresa viria a alterar-se, passando a não contrariar as intenções sociais dos trabalhos com as tais peças. A criação artística acaba, assim, por reforçar as valências do plástico, que ganha um especial elã a partir das ideias únicas dos artistas, e pelo reforço da tecnologia, embora ainda não esteja imune ao dano de terceiros. Apesar disso, considera-se que esta premissa é mais uma de promessa do que certeza, pois ainda começa a dar os primeiros passos nesta corroboração.

Uma das certezas que a plasticidade traz à produção artística é a sua capacidade de desafiar a realidade, por dispensar a neutralidade no seu âmago. A modularidade permite apresentar uma polissemia irreverente, e que desvirtua o fluxo geral e unidirecionado da descodificação da criação. A plasticidade alcançou nomes, como Salvador Dalí, que organizou um pavilhão para a World Fair de 1939, de seu título “Dream of Venus”, em que deu largas à reprodução de obras previamente feitas, para conferir surrealismo e plasticidade a uma imaginação fértil e mirabolante. Na atualidade, assiste-se à alteração do paradigma naquilo que é a visualização estética da arte plástica. Os critérios de avaliação e apreciação, assim como os tempos, mudam, mas não se privam de considerar a autenticidade e a originalidade, embora pese a escolha dos materiais e a inovação advinda deste processo. Em alturas em que o design dava os primeiros passos na sua emancipação, o plástico tornou-se interessante na perspetiva material, visto a sua pluralidade de expressões e de modulações. A versatilidade em cor, tamanho, resistência, e grau de deterioração capacitaram as mensagens que o material poderia veicular de personalização e de uma ambição única. O próprio renascimento surge como inspiração para trabalhos onde a plasticidade está patenteada, como forma de superação do então medievalismo, com suporte na ciência e com um certo rasgo alquímico.

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Dream of Venus“, da autoria de Salvador Dalí

Em tempos em que o uso do plástico se tornou mais comum na criação artística, outros valores começaram a ganhar alguma proeminência, tal como a reciclagem dos materiais. Existem projetos feitos, especificamente, de material deteriorado, e com a missão de transmitir uma mensagem socialmente pertinente (como exemplo, a portuguesa Ana Pêgo, e o projeto “Plasticus Maritimus”). No entanto, nem tudo são rosas no que é a confirmação do plástico na realidade criativa atual. Muitas das críticas (mais ao “plasticismo” que à “plasticidade”) apontam para a superficialidade, impessoalidade, e artificialidade da arte, apesar dos proveitos que reconhecem que o plástico trouxe e traz à realização, funcionando como símbolo da criação moderna. Esta oposição é refutada por artistas que defendem a facilidade e a preocupação com a mudança contínua que a arte empreende, e com a dificuldade que a utilização do plástico traz.

Outro dos valores importantes da plasticidade é a desconstrução que permite fazer à forma e à matéria, dando-lhe uma abordagem anárquica daquilo que é o previsivelmente feito e criado. Os moldes originais e os pilares convencionais acabam derrubados por esta necessidade contínua de desconstruir a tipificação artística. Esta capacidade, para além de carregar a sua ambivalência, apresenta a disrupção plástica, alinhada com a vontade de originar rutura e a própria anarquia. Estes ímpetos de inovação e de rompimento com o previamente elaborado advém, também, do século XIX, da própria poesia francesa. O poeta simbolista Stéphane Mallarmé traz essa voracidade de romper com as estruturas poéticas habituais, estendendo-se em páginas duplas, e potenciando os diferentes espaços em branco existentes (destaca-se “Un Coup de Dés Jamais N’Abolira le Hasard”, de 1897). As próprias linguagens poética e visual apresentam um virtuosismo particular, diferente para aqueles que liam a sua poesia nas várias revistas literárias da época, e apontando as orientações de ritmo e de pausas da leitura a ser efetuada. A plasticidade estende-se até à própria tipografia, augurando as várias renovações ao nível do design, e dando o mote para a formação da segunda vaga modernista. Em seu tributo, em 1969, o artista belga Marcel Broodthaers aproveitou a sua plenitude de recursos para amplificar ainda mais o tamanho e a disposição das frases, para além de misturar diversas fontes de escrita, e de apresentar o poema em vários suportes. No máximo da sua audácia artística, substituiu os versos por barras mais ou menos escurecidas, correspondendo à articulação escrita e falada da construção lírica.

A plasticidade também alcançou o próprio cinema, por intermédio do belga, em “La Pluie (Projet pour un Texte)” (1969).  Aqui, a linguagem e a própria escrita crescem na amplitude de intencionalidades que podem induzir, ganhando amplitude na apresentação e expressão gráfica. O poder circunstancial acaba por influenciar e por diversificar aquilo que é a mensagem a ser transmitida, numa espécie de caos ordenado. O acaso não deixa de ser o autor de um grupo de codificações e de combinações, afirmando-se como o exterior capaz de se contrapor à própria modernidade, com a apresentação do seu oposto. O controlo das variáveis da produção cinematográfica deriva dessa tendência laboratorial para causar a mudança e a rutura, contando com a complexidade e com a aleatoriedade para dar vida à superação das diferenças e das fronteiras. Este artista, na plenitude da sua versatilidade, tentou experimentar a plasticidade em todas as formas de expressão, desvirtuando o óbvio nas artes tangíveis e intangíveis. Na própria abordagem física com materiais, trabalhou com o plástico, principalmente na impressão. Aí, sentiu-se capacitado para cruzar a imagem e a escrita com o ímpeto necessário para subverter o próprio alfabeto. Tudo com o intuito, também, de deslocar os sentidos existentes para a problematização da arte na sua essência. A possibilidade de originar uma criação híbrida e diferenciada cumpre no privilegiar da plasticidade em relação às habituais mensagens e perceções.

Uma das bases na qual assentou o trabalho de Broodthaers foi a pintura do seu compatriota René Magritte, que, como o primeiro, também se sentiu seduzido por uma toada surrealista, se professa não na apresentação e finalização artística, mas sim no confronto de conceitos que a imagem e a escrita trazem. Ainda no que toca à desconstrução artística, interessa aflorar a prática do wrapping, trazida pelo casal de artistas Christo e Jeanne Claude. À letra, o termo indica envolver, embrulhar ou enrolar, estando dependente do contexto para que seja bem compreendido. Esta premissa cingiu-se essencialmente a trabalhos de ambiente, realizados e preservados durante um período de tempo limitado. O objetivo disto dedica-se, fundamentalmente, à construção de novas perspetivas de visualização e de abordagem da arte, para além de reconstruir aquilo que são as normais reações e perceções de cenas familiares.

Wrapped Coast, One Million Square Feet, Little Bay, Sydney, Australia, 1968-69

Wrapped Coast” (1968-69, feita em Sydney), de Christo e de Jeanne-Claude

A própria arte carnal e a performativa, usada e refletida a partir da modularidade do corpo humano, é um exemplo da plasticidade desconstrutiva da arte, que conheceu expressão em artistas, como o fotógrafo Spencer Tunick, a sérvia Marina Abramovic, ou a francesa Orlan. O suprematismo russo, que conheceu o seu epicentro no artista Kazimir Malevich, dedicou-se à eliminação de pormenores para a reconstrução do significado, transportando, de novo, a literatura para as artes visuais. Naquilo que é uma tradução, assiste-se à criação de um novo sentido, que habita nos antípodas do original, e que subverte as origens da expressão artística. Com a assessoria inspirada pelo russo Wassily Kandinsky, o movimento assumiu a cor como principal vocábulo simbólico, e viajou até à falta de objetividade do nulo, a partir de formas elementares. O poder da perceção diferenciada conduz à grande meta de libertação do materialismo, até a um estado de liberdade espiritual, sem constrangimentos a ditar os quês e porquês da arte. O grupo De Stijl, de origens holandesas, e onde se destaca o pintor Piet Mondrian, deu origem ao neoplasticismo, conduzindo as novas abordagens modernistas e vanguardistas do século XX para uma redução da arte às raízes, à linha, à cor, e ao plano, no mais elementar e puro estado. O abstrato volta a ser avolumado, e as ordens subvertidas, numa tentativa de aproximar o plástico da arquitetura e do design (noções que ficaram para a escola de Bauhaus), e de formar e desenvolver novas consciências, novos estados de alma em relação a tradições, costumes, e ditames artísticos; e novas vidas artísticas e conceptuais, independentes do figurativo e do corporativo.

Outros nomes que utilizaram a plasticidade como meio de dar consistência à sua personalidade artística foram o alemão Joseph Bueys. Influenciado pelo movimento disruptivo Fluxus (atuou numa congregação das diferentes artes visuais e codificadas, avesso ao mercantilismo artístico e assumido “antiarte”), deu origem às “Multiples”, que desembocaram em quase seis milhares de obras diferentes, processadas em vários suportes gráficos. Compreendendo vários objetos, a meta passava por reforçar a união entre a arte e a vida, para além de dar voz às ideias capazes de motivar uma mudança social. É por aí que parte dos objetos usados pelo germânico passam por elementos do dia-a-dia, como contentores ou postais; e em outros artefactos de cariz político. No palco do expressionismo abstrato, íntimo do suprematismo supracitado, está o norte-americano Robert Rauschenberg, que proporcionou a substituição e a redução de outras obras de arte – destaca-se uma do holandês Willem de Kooning – para dar fôlego e novidade à criatividade. A arte de apagar saltou à vista, debruçando-se com carvão, lápis e tinta, e que redimensiona aquilo que é veiculado pelo trabalho. O sublime encontrar-se-ia, assim, na interseção de várias fontes e de vários fundamentos, dando origem a uma transcendência do próprio objeto artístico. Também o pintor alemão Paul Klee causou espécie com a rotulada “arte degenerada”, através da qual criou uma significação muito própria, mas onde não se afastou da transposição da realidade, criticando a uniformidade conformista (o nazismo dava os primeiros passos então) com figuras nunca antes vistas ou imaginadas. É nesta realização diferenciada que assenta parte da plasticidade, que, ao importar referências palpáveis e imaginárias, se desloca em deambulações formais até a informalidade abstrata se tornar consistente.

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Erased de Kooning Drawing” (1953), do artista norte-americano Robert Rauschenberg.

A colombiana Doris Salcedo, assumindo, como alvo, a política da memória e do esquecimento, coloca a dimensão espacial e temporal ao serviço de considerações históricas e de sensações negativas conhecidas pelo ser humano. A partir de trabalhos visuais, para além de instalações com materiais vários, despertou a atenção para os traumas e as violências advindas tanto de contextos domésticos, como de cenários sociopolíticos mais amplos. Variáveis, como a metáfora, o espaço e o tempo, conhecem a oportunidade de se expressar, para além de uma voz muda que se acomoda no silencioso discurso da memória. O silêncio e o vazio conhecem uma presença sentida e ensurdecedora, estando repletos e constituídos por vários elementos. Em si, existe uma carga, um algo que, apesar de estar em aberto, não deixa de se fazer sentir. São estes momentos que, em pleno convite, deixam a arte no seu mais concretizado estado, convidando quem a contempla e quem a sente para fazer parte dela. Por sua vez, John Cage, a partir de um texto de Henry David Thoreau, também se desdobrou na linguística artística, procurando desmembrá-lo de frases e de sílabas, limitando-o a sons de letras. À música, emprestou silêncios, alcançado uma vanguarda que descredibilizava a importância das notas e das melodias nesta nova passada experimental, jogando sem rumo ou propósito. Na essência, a vontade de despertar e de afirmar a vida tal e qual como ela se apresenta. Num desafio àquilo que é a materialidade, surgiu o norte-americano Robert Barry, que produziu um poster em que descrevia um trabalho onde cinco gases invisíveis e inodoros foram soltos para o ar respirado em Los Angeles, Esse alcance das substâncias até ao infinito é a própria arte, que, apesar de impercetível, se traduz como real, e ganha sustento nessa apresentação gráfica, sem qualquer conteúdo inscrito. A própria desmaterialização conhece um fôlego novo, originando parte daquilo que é considerado arte de ambiente, e que, por mais transitório e inerte que seja o representado e considerado, não deixa de perder esse cariz. O trabalho inclui tudo aquilo que, para além do poster, fez parte da experiência, e denomina-se “Inert Gas Series” (1969).

Perante os desafios atuais que o meio digital traz, a escrita confronta-se com a questão que a pintura possuiu perante o desenvolvimento da fotografia. Assim, e à imagem desta, a plasticidade traz a possibilidade dos próprios idiomas se desenvencilharem a partir de novas abordagens, de novos conceitos, de perspetivas radical e diametralmente opostas às convencionais, de forma a destacar-se de um ponto de vista artístico. Para além disso, e diante da massificação de produção informativa, urge uma adaptação e uma redefinição, ambas capazes de transformar as linguagens existentes, e de veicular com distinção e com superação, numa espécie de revolução literária. Essa necessidade de se dissociar do mecanizado valoriza aquilo que é o intuito e a intuição do artista, que já advêm dos tempos do ready-made e do dadaísmo. Nomes, como o francês Marcel Duchamp, adaptaram a realidade pintada, esculpida, ou demais formalizada e, de forma a conferir-lhe significações novas, conferiram-lhe pequenas mas subtis alterações. Mais do que criticar e do que satirizar, o objetivo vira-se para a problematização artística, destrinçando o próprio génio criativo do comumente efetuado e apresentado.

A disposição que a arte traz, culminada num grupo organizado ou desordenado de objetos, leva a que a plasticidade se cumpra numa constante dinâmica de descoberta e de redescoberta de sentidos e significados. Tanto confinado a um laboratório, como no mais amplo e angulado espaço, o plástico sugere essa mudança, essa quebra de perspetivas e de paradigmas, reformulando e readaptando a realidade percecionada pelos cânones habituais, através de linguagens, de observações, de perspetivas, de realizações. A própria atividade cerebral conta com a plasticidade para se ajustar ao que de novo sabe, ao que de novo conhece, ao que de novo faz e descobre. A plasticidade acaba por ser um argumento que arrasa qualquer tipo de proliferação destinada somente ao consumo, alimentando a ecologia artística. Assim, destaca-se pela reutilização (já desde o medieval pergaminho), pela redução de normas e de diretivas, e pela reciclagem de um material com uma substância plural e repleta de um perfume essencial.

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