A teledermatologia e o acesso à especialidade de dermatologia. Alguém sabe como funciona?
Ponderei bastante se escreveria ou não este texto porque, em primeiro lugar, fiquei com sérias dúvidas sobre o que pensar e como enquadrar esta questão. Depois de algum tempo passado e com a distância necessária, vou escrevê-lo porque penso que seria benéfico, até porque acho que, nesta situação, os principais lesados poderão ser as faixas etárias mais velhas que, como se sabe, apresentam uma taxa maior de infoexclusão e, por isso, podem ter uma maior dificuldade em saber como usar a sua voz no mundo contemporâneo tal como o conhecemos. Sempre que aqui escrevo sobre questões que podem implicar, por inerência, o lado menos positivo do nosso SNS, não é, de todo, com forquilhas na mão. O nosso SNS é inestimável e é verdade que, a partir do momento em que se dá o seguimento certo às coisas, o mesmo consegue apresentar uma qualidade superior que os privados não conseguem ter — essa é a realidade. O SNS já me safou e estou-lhe eternamente grata, além de ser uma acérrima defensora da sua manutenção e reforço. O que vou apresentar aqui, portanto, não se trata de uma ideia fechada, até porque escrevo, somente, pela óptica de uma paciente que precisou de um serviço de saúde. Se alguém ler este texto e sentir a necessidade de apresentar uma outra ideia ou um outro contexto, então será bem-vindo ou bem-vinda — isto não se trata de termos uma razão casmurra, trata-se de tentar sermos melhores, só isso.
Em Outubro passado fui a uma consulta do médico de família e voltei a expor um problema dermatológico que não é grave, por si, mas que, mesmo dessa forma, causa incómodo físico. Das primeiras vezes em que falei disto à minha médica, já antes da pandemia, ela acabou por direccionar o problema para a dermatologia, que não há no meu distrito, mas há no distrito regional vizinho. É preciso esclarecer que essa especialidade, no SNS, é das mais difíceis de aceder por causa das listas de espera e, já antes da pandemia, a minha médica recorreu ao sistema de “teledermatologia”. Não sei dizer, exactamente, há quanto tempo esse sistema existe, mas como é que funciona? Não dá, logo, acesso directo, por si, a uma consulta. A ideia base é esta — o médico de família expõe o caso no sistema e, além disso, tem de tirar um conjunto de três ou quatro fotos à área da pele afectada. Introduz essas fotos no sistema e, o profissional do outro lado, perante a gravidade do que vê, é que vai indicar, sem consulta e perante essas mesmas fotos, a terapêutica a seguir. Quando o médico de família recebe, posteriormente, essas indicações por parte do especialista, é o próprio quem as indica ao seu paciente, numa consulta posterior. Caso a terapêutica não resulte ou houver necessidade de alguma vigilância, recorre-se ao mesmo serviço e é aguardar novas indicações, consoante o caso. É importante referir que isto não significa que as consultas presenciais de dermatologia já não existam. O objectivo é fazer uma gerência mais cuidada dos casos graves e não graves. Se o caso não for grave, então não há necessidade de consulta presencial.
A ideia, em si, não é má. Sei que o objectivo, em teoria, é combater as listas de espera da especialidade e, dessa forma, dar-se mais atenção presencial aos casos mais graves, ao mesmo tempo que os casos mais leves são vistos sem o transtorno monetário da deslocação, caso não haja a especialidade na área de residência. Vamos partir do princípio de que a ideia até tem o seu lado benigno porque, na sua base, teria, pelo menos, a intenção de abrir o acesso da especialidade a mais pessoas. A forma como, na realidade, funciona, é que me deixa com o pé bastante atrás. Tanto da primeira como da segunda vez em que os meus médicos recorreram a esse serviço — a primeira vez fui atendida, mesmo, pela minha minha médica de família e, a segunda vez, fui atendida pelo médico interno a seu cargo — foi complicado porque se notou falta de preparação para se lidar com o mesmo sistema, o que fez demorar imenso o processo, entre telefonemas daqui para ali para pedir informações extra. No caso da segunda consulta, isso revelou-se ainda mais notório.
O primeiro problema a apontar tem a ver, essencialmente, com o material e software disponível. As tais fotos requeridas pelo sistema têm de ser tiradas pelo próprio telemóvel do médico. É lógico que, assim, a qualidade das fotos vão estar dependentes do tipo de telemóvel que o médico possa ter, uma vez que não há um dispositivo que, por si, uniformize a qualidade das mesmas. Falo em telemóvel, claro, porque um médico de família não vai levar uma câmara fotográfica profissional, como se fosse algo de todos os dias, para o consultório, como é óbvio. Convenhamos que esta ideia do telemóvel pessoal pode não ser agradável, e até com razão, para ambas as partes, tanto para o médico como para o paciente. Um médico não é obrigado a ter um telemóvel que tire boas fotos nem a tê-lo sempre operacional para uma eventualidade destas, e o paciente, também, ficaria muito mais confortável se não fosse assim. Convém relembrar que a questão das fotografias deixa, sempre, o paciente numa situação mais vulnerável, quando sabemos que há problemas dermatológicos que podem interferir com a auto-estima. Mas a outra questão é essencial — a qualidade das fotografias vão estar dependentes da qualidade do dispositivo que o médico possa ter — isso varia, sempre, de pessoa para pessoa, como se sabe. Foi assim que aconteceu comigo — tanto da primeira vez como da segunda, as fotos foram tiradas com o telemóvel do próprio médico. O consultório não tinha webcam e desconheço se, realmente, o programa permite tirar fotos directamente mas, mesmo assim, seria, sempre, necessário um dispositivo que não fosse fixo.
A segunda questão tem a ver com a necessidade de redimensionar as fotos, caso o telemóvel ou o dispositivo próprio do médico tenha boa qualidade, para um tamanho compatível com o do sistema. Aqui, mais uma vez, não será preciso alongar-me muito para se perceber que sérios problemas podem acontecer. Independentemente das novas gerações serem as mais capazes de lidar com tecnologia e imagem, quem lida com fotografia diariamente sabe que há uma premissa a respeitar: quanta mais edição uma foto receber, principalmente se a edição for feita por quem não for profissional, menos qualidade uma foto terá, isso também inclui o redimensionamento. Mais uma vez, quem lida com fotos diariamente sabe como um redimensionamento mal feito pode, mesmo, implicar seriamente com a qualidade e leitura da imagem, e também sabe como há uma predisposição inata da maioria das pessoas em cortarem as fotos e redimensioná-las como se não houvesse amanhã, sem respeitar a questão da proporcionalidade. Neste aspecto em específico, para o sistema funcionar bem, necessitaria de um dispositivo móvel próprio que permitisse fazer um upload directo das fotos para o sistema ou, então, aumentar, consideravelmente, a sua capacidade de armazenamento, para não ser necessário editar o tamanho da foto.
No caso específico da minha consulta, esse foi o meu maior problema porque o médico em questão — e temos de ter em conta de que estamos a falar de alguém que não tirou informática ou fotografia, mesmo sendo jovem — estava com dificuldades em encontrar uma forma de redimensionar as fotos. Passou pelo Paint, pelo Paint 3D e, por último, já em desespero, o coitado queria tentar entregar as fotos por word, enquanto repetia que tinha tirado um curso de medicina e não de informática. Eu queria deixá-lo trabalhar, mas confesso que quando vi que estava a abrir o word e a sugerir deixar a última foto requerida para trás, com calma perguntei se não o podia ajudar e a coisa resolveu-se. Mas isso fui eu, se o mesmo se passasse, por exemplo, com a minha mãe ou uma pessoa idosa que não percebesse nada de informática, como é que as fotos seguiriam?!? Imagino, perfeitamente, que para uma pessoa de 60 ou mais anos seja, completamente, penoso assistir a uma consulta destas sem perceber nada do que se está a passar. Imagino, também, que haja mais médicos, mesmo que tenham recebido formação para lidar com o sistema (não sei), que tenham, sempre, dificuldades em alguns requisitos, até por uma questão de idade. Hoje em dia não é preciso ser-se muito velho para alguém se sentir infoexcluído — também há essa questão. Não sei como, em que moldes e quais os médicos que recebem formação para compreenderem o funcionamento da teledermatologia, mas se a há, ou esta deveria ser mais profícua e explícita ou, então, deveria estar disponível para todos os médicos de medicina geral e familiar ou para quem já pode dar consultas.
Se estamos a falar da análise de um problema dermatológico através de fotografia, a prioridade tem de ser a qualidade da imagem, que não pode deixar margem de dúvidas na sua leitura. Ora a minha questão é essa, a qualidade da imagem estará ressalvada? Pela experiência que tive, percebi que há muitas falhas nesta forma de acesso à dermatologia, que podem comprometer a qualidade das fotos, desde a qualidade do dispositivo utilizado pelo médico, até à forma como as fotos são redimensionadas, passando pela forma como uma foto é tirada — nitidez, ângulos e isso tudo. Se a prevenção deve passar a ser uma prioridade do nosso SNS, então, a meu ver, entendo que há problemas mais sérios que, desta forma, podem passar, facilmente, despercebidos aos olhos de um profissional. Mais uma vez repito, não é a minha situação em específico que está aqui em causa, mas de outras pessoas, possivelmente mais velhas, que iriam achar aquela situação extremamente caótica e das três uma — ou iriam recorrer ao privado enquanto mandariam em silêncio o médico àquela parte, iriam barafustar ou iriam estar à mercê de algo com má qualidade sem, no fundo, haver uma má intenção de parte a parte.
Mais uma vez repito, esta foi a ideia com a qual fiquei, na óptica de quem precisou e utilizou este sistema — esta foi a minha experiência real. Se alguém ou algum profissional tiver uma outra ideia, ou algum enquadramento diferente, para complementar e me esteja a escapar, então força, é só dizer. Não é que a teledermatologia não possa ser positiva, mas pela minha experiência compreendi como pode ser falível. Este texto foi escrito, claro, não numa óptica de destruir, mas pelo menos para exemplificar como uma paciente encara o sistema e como há aspectos que poderiam ser melhorados.