‘A Thousand Skies’, de Clap! Clap!, conta-nos que há tribos nas estrelas
Este foguetão somos nós, numa viagem entre constelações, reais e imaginárias. O som constrói a paisagem que nos rodeia, à medida que avançamos. Os ritmos e as melodias fazem-nos olhar para trás, para o planeta que nos é tão querido; e ao mesmo tempo propulsionam-nos, fazem-nos partir para o que o futuro trará. Por mapa, temos o título de cada uma das faixas, a indicar-nos em que ponto da galáxia já estamos. A Thousand Skies, o segundo álbum de Clap! Clap!, é um vulcão cheio de ideias fervilhantes e coloridas, que nos embalam num cruzamento poderoso entre o folclore africano e a música electrónica. Uma viagem improvável? Sem dúvida. Mas o brilho da produção conquista-nos, e faz-nos admitir que se trata de uma viagem necessária.
Cristiano Crisci é um DJ e produtor italiano que tem vindo a trabalhar em vários géneros musicais, sob diferentes pseudónimos. Tendo começado a sua carreira em 1998 com experiências no campo do hip-hop, veio a ser saxofonista numa banda punk jazz no virar do milénio. A partir de 2008 aventura-se com uma carreira a solo, no campo do dubstep. Mas o crescente fascínio pelo universo musical africano e pelas sonoridades tribais faz nascer o novo projecto Clap! Clap!. Por premissa, o cruzamento das bases electrónicas da carreira de Crisci com uma miríade de samples, encontrados e imaginados. Em entrevistas, o músico conta que o seu deslumbramento pela paisagem sonora tribal africana anda a par e passo com um interesse pelo campo antropológico: “Alguns confundem este tipo de intervenção com apropriação cultural, mas a minha música é resultado de uma constante investigação antropológica. Estou interessado em revelar as nossas raízes humanas; não tem nada que ver com sexo, raça, ou outras categorias”.
A Thousand Skies constitui uma agradável surpresa, pelo menos para quem ainda não conhecia o antecessor Tayi Bebba, que inaugurara a carreira de Clap! Clap! em 2014, com este mesmo espectro de sonoridades (e com uma capa igualmente bela e inspirada). No mais recente trabalho, os ritmos e atmosferas são apresentados de uma maneira menos frenética, mais equilibrada e digestível – talvez por se continuar a afastar, passo a passo, da declarada influência EDM e dubstep, que ainda dominava em excesso o álbum anterior. Estas raízes continuam a influenciar A Thousand Skies, mas a sonoridade geral é mais relaxada. Continuamos no campo do UK Bass, da música electrónica dançante e alternativa. É difícil encontrar comparações, mas não estamos distantes de algumas das experiências recentes de Jamie XX.
As palavras que vão pontuando algumas das faixas são-nos indecifráveis, muitas vezes cantadas por uma voz masculina de timbre quente e agradável, num idioma que nos é desconhecido. Tudo se apresenta como ritmo, melodia e cor. Nunca temos a certeza se o que ouvimos são instrumentos musicais físicos – xilofones, percussões, cordas, flautas – ou design de som electrónico. É provável que as duas coisas se conjuguem. “Hope” é reminiscente dos exercícios downtempo de Bonobo, “Ar-Raquis” recorda-nos algum trabalho de Disclosure. Por todo o lado, batuques vários, profundos, polirritmados, que nos remetem para geografias distantes e imaginadas.
Se algumas das faixas são mais imediatas, outras, como “Ode to the Pleiades”, demoram a tomar forma: a mais longa faixa do conjunto é uma viagem em si mesma. O teclado chama o jazz, convoca-o para o centro cronológico do álbum, dá-lhe um lugar de destaque e tempo para se expressar. Encontra-se rodeado de coros femininos, e de vozes distantes que vão marcando o ambiente de fundo de A Thousand Skies. Estas vozes fazem-nos questionar se estaremos efectivamente a meio de uma viagem interstelar, ou com os pés bem assentes na terra (o título da faixa-extra, “A Dream. Wasn’t it?”, é sugestiva nesse sentido).
A segunda metade do álbum é constituída por uma sucessão de músicas de curta duração; todas as seis com menos de três minutos. Não são tanto canções estruturadas, quanto ideias em desenvolvimento. É divertido o jogo de tentarmos adivinhar para que lado irá pender a música que se segue: se mais acústica (“Oriens. Oriri” consegue-o, assim como a faixa de abertura) ou electrónica. Porque este (des)equilíbrio marca muito a identidade do álbum. O jazz volta a aparecer, timidamente, em “Rainbow Coast”. E é interessante observar como A Thousand Skies se conserva colorido e cheio de ideias até ao fim. As últimas faixas apresentam-se como sínteses elegantes, e montras da criatividade caleidoscópica de Clap! Clap!. É tempo de continuar a busca pela raiz e pela origem; a resposta, é claro, está tanto na dança tribal como na viagem entre as estrelas.