A vida de Dolores O’Riordan
O mundo da música perdeu ontem uma ilustre e marcante figura do indie pop da década de 90. Dolores O’Riordan, vocalista dos irlandeses The Cranberries, faleceu, tendo deixado em choque tanto os membros do grupo quanto os fãs. A artista, notória pelo seu distintivo timbre e co-escritora de várias das principais músicas de referência do grupo que liderou durante uma grande parte da sua vida adulta, fez parte de uma geração de ouro para o estilo em que se inseria, e, no seu pico criativo, era reconhecida não só pela sua habilidade de criar memoráveis harmonias como pela sua versatilidade. Neste artigo, revemos a sua caminhada, bem como os seus maiores feitos.
Os Cranberries desfrutaram de considerável sucesso no seu auge, mas o mesmo não foi imediato. O seu disco de estreia, Everybody Else Is Doing It, So Why Can’t We?, foi lançado em 1993, e contou com a produção de Stephen Street. Este, conhecido pelas suas colaborações com os The Smiths em projectos tais como os icónicos The Queen Is Dead e Strangeways, Here We Come, ajudou imenso o jovem grupo a definir as bases da sua sonoridade, e tal não é difícil de explicar: as guitarras cristalinas e melodiosas de Noel Hogan lembravam algum do trabalho de Johnny Marr, e as qualidades composicionais da banda pareciam remontar a uma versão mais jovem do conjunto liderado por Morrissey. Por cima disso, claro está, assentava que nem uma luva o registo etéreo e delicado de O’Riordan. Assim como Harriet Wheeler nos contemporâneos The Sundays – que se estrearam com o excelente e quase esquecido Reading, Writing and Arithmetic –, era ela que tinha um papel fundamental em conceder à banda o seu sentido de originalidade.
Foi aquando do tour com os Suede que a MTV apostou neles e a sua popularidade cresceu, “Dreams” e “Linger” chegando às massas graças à sua sensibilidade pop e aos seus inesquecíveis refrões. Por outro lado, músicas igualmente impressionantes como “I Still Do”, “Sunday” ou “Not Sorry” deliciavam o público, evidenciando o seu potencial e dando conta da sedutora inocência que perpassava os talentos do seu principal membro. Desde os Happy Mondays aos Oasis ou os Blur (uma assumida influência dos irlandeses), o britpop dominava, e a identidade dos Cranberries parecia conviver bem nas rádios britânicas com o amavelmente irreverente Damon Albarn ou os sempre conflituosos irmãos Gallagher.
A sua ascensão levou a que, em 1994, o seu sucessor No Need To Argue escalasse os charts com maior facilidade. O som que este apresentava combinava uma construção sonora mais polida e refinada – “Ode To My Family”, “Daffodil Lament”, “I Can’t Be With You”, “Ridiculous Thoughts” – com uma abordagem que ao mesmo tempo era mais pesada. O exemplo máximo disto era o grande single “Zombie”: emprestando ligeiramente ao grunge – que, nesse ano, via clássicos do género a serem gravados, tais como Jar of Flies (Alice in Chains), Superunknown (Soundgarden) ou Vitalogy (Pearl Jam) –, constituía uma mudança radical para o quarteto, com O’Riordan a cantar sem inibições e também a amadurecer enquanto letrista. Isto continuaria a ser explorado, de resto, em To The Faithful Departed.
O novo milénio foi pouco frutífero para os The Cranberries: após Wake Up and Smell The Coffee, de 2001, O’Riordan enveredou por uma breve carreira a solo; Roses, de 2011, e Something Else, lançado no ano passado, foram criados após a reunião, que, apesar de tudo, ficou marcada pela acção judicial que ela levantou contra Noel Hogan em 2013. O desaparecimento dos holofotes levou, por sua vez, a um abrandamento em termos de escrita. Os problemas de saúde e da vida pessoal com que a vocalista se debateu nesses anos também acabou for afectar tanto a consistência quanto a qualidade do seu material. Há oito meses, a própria revelou a sua luta com a bipolaridade, e, para além disso, viu-se forçada a cancelar concertos devido a fortes dores que sentiu nas suas costas, dores essas que estavam a afectar a sua respiração. Dolores O’Riordan estava em Londres para fazer uma pequena sessão de gravação quando faleceu súbita e inesperadamente. Tinha 46 anos.