“A Written Testimony”: o eternamente adiado disco de estreia de Jay Electronica
É impossível falar do novo álbum do rapper de New Orleans sem abordar todas as circunstâncias mitológicas que o envolvem. A mixtape Act I: Eternal Sunshine (The Pledge) (2007) e o single “Exhibit C” (2009), produzido por Just Blaze, tornaram Jay Electronica numa das grandes promessas do Hip Hop americano. Ao ver o seu nome crescer, foram várias as figuras da indústria que o tentaram resgatar, acabando por assinar com a Roc Nation, produtora de Jay-Z, em 2010, com promessas de um eventual disco de estreia no horizonte próximo. Uma década volvida e nada de álbuns lançados, apenas um ou outro single e esporádicas participações em músicas de outros artistas.
Eis quando, em fevereiro do presente ano, Jay Electronica anuncia que a gravação do seu novo álbum está concluída, depois de 40 dias e 40 noites em estúdio. O projeto é composto por 10 músicas, das quais 8 contam com a participação de Jay-Z. Esta opção de dividir o trono com um dos melhores rappers de sempre tem sido contestada, mas dificilmente uma música ou, consequentemente, um álbum ficará mais fraco com a presença do “Hov”. E o mais interessante é que, apesar de Jay-Z aparecer na máxima força, nunca eclipsa de forma alguma o mestre de cerimónias. Para além de Jay-Z, o álbum conta com as participações vocais de Travis Scott e The-Dream. No que toca à produção, foram convidados The Alchemist, Swizz Beats, Hit-Boy, No I.D. e Khruangbin, sendo que em 6 músicas o instrumental foi assegurado pelo próprio Jay Electronica.
O disco inicia-se com um discurso do polémico líder da Nação do Islão, Louis Farrakhan, em “The Overwhelming Event”. As palavras do cabecilha do movimento político e religioso, outrora encabeçado por Malcolm X, traçam o rumo que será percorrido durante o álbum, onde abundam as referências ao islamismo e à identidade afro-americana.
O beat progressivo de “The Blinding” é assaltado pelos MC’s, que trocam versos refletindo sobre a antecipação em torno do álbum: “Extra extra it’s Mr. Headlines, who signed every contract and missed the deadlines, 40 days 40 nights, tryna live up to the hype”. Um dos momentos altos do projeto chega com “The Neverending Story”, onde os rappers surgem na plenitude do seu talento, brindados pela produção minimalista de The Alchemist. “Shiny Suit Theory” já havia sido lançada em 2010, aquando da apresentação de Jay Electronica na Roc Nation, estabelecendo-se como barómetro da década que entretanto passou.
Mesmo em músicas menos conseguidas — como “Flux Capacitor” e “Ezekiel’s Wheel” — continuamos a contar com letras sofisticadas como “The slave that shook hands and humbled the duke of oil, the spook that spoke sterling silver and pearls twirled, tumbled out my nappy coils”, de Jay-Z, ou “Sometimes I was held down by the gravity of my pen, sometimes I was held down by the gravity of my sin, sometimes, like Santiago, at crucial points of my novel my only logical option was to transform into the wind”, esta de Jay Electronica.
O álbum acaba em tom melancólico com “A.P.I.D.T.A.”, onde ambos os rappers dedicam umas palavras aos seus entes queridos falecidos, como Jay-Z diz no refrão: “I got numbers on my phone that’ll never ring again, cause Allah done sent them home, and they’ll never…” e Jay Electronica, na sua parte: “Sleep well, the lump inside my throat sometimes just towers like the Eiffel, sometimes I wonder do the trees get sad when they see leaves fell”.
No final paira a questão, A Written Testimony valeu o tempo de espera? Digamos que era praticamente impossível corresponder 100% ao mito que foi criado e, apesar das suas inegáveis qualidades, não chegou perto das grandes obras primas da ainda curta história do Hip Hop. No entanto, ficou mais uma vez demonstrado o imenso talento de Jay Electronica, restando-nos esperar que não seja necessária outra década para ouvirmos um próximo projeto do rapper de New Orleans.