“Adolescência”: quando é a ficção que nos diz a verdade

por Ricardo Costa,    27 Março, 2025
“Adolescência”: quando é a ficção que nos diz a verdade
“Adolescence”, série criada por Jack Thorne e Stephen Graham (que também a protagoniza)

Vi a série britânica “Adolescência” (Adolescence, no original) com um nó no estômago. E ainda bem.

Não é a melhor série do mundo, nem a mais sofisticada em termos técnicos. Mas é crua, inquietante e, acima de tudo, necessária. Num país onde os jovens estão a gritar em silêncio, talvez seja a ficção estrangeira a acordar-nos para realidades que insistimos em varrer para debaixo do tapete.

Ansiedade, bullying, identidade de género, isolamento, dependência das redes sociais, pressão dos pares, violência emocional. Está tudo lá. E está lá da forma que mais incomoda: sem filtros, sem manual de sobrevivência, sem soluções fáceis.

Enquanto isso, em Portugal, continuamos a pintar a adolescência como “uma fase”. Uma fase que se ultrapassa com boas notas, regras bem definidas e uma dose de paciência parental. Só que os dados dizem outra coisa.

Segundo o estudo “Health Behaviour in School-aged Children” (HBSC), realizado em 2022 e divulgado pela Direção-Geral da Saúde, mais de 30% dos adolescentes portugueses reportaram sentimentos frequentes de tristeza ou desespero. A ansiedade disparou. Os casos de autolesão e ideação suicida aumentaram de forma alarmante nos últimos anos. E o número de jovens com acompanhamento psicológico nunca foi tão elevado.

O que estamos a fazer com esta informação?

Pouco. Demasiado pouco.

Vivemos num sistema escolar que ainda mede sucesso por testes e rankings. Numa sociedade onde falar de saúde mental ainda soa a fraqueza. E numa cultura em que muitos pais, por mais bem-intencionados que sejam, continuam a dizer “isso passa” quando deviam perguntar “como posso ajudar?”.

A série Adolescência não é perfeita. Mas cumpre uma missão que os adultos têm ignorado: dar voz ao caos interior de quem está a crescer num mundo que já não entende.

E é por isso que arrisco dizer: esta série devia ser debatida nas escolas. Não como produto de entretenimento, mas como ferramenta pedagógica. Devia servir de ponto de partida para conversas difíceis, para escuta ativa, para criar pontes entre gerações.

Porque se há algo que aprendi a ver a série – e a escutar jovens ao longo dos anos – é que os adolescentes não precisam que lhes digam o que sentir. Precisam que alguém, finalmente, os oiça.

Como pai, como empresário, como cidadão, vi esta série com vergonha e com esperança. Vergonha pelo tempo perdido a minimizar emoções. Esperança de que, se formos capazes de encarar estas verdades desconfortáveis, ainda vamos a tempo de mudar o rumo.

A adolescência não é um intervalo da vida. É a fundação. E se a ignorarmos, tudo o que vem depois pode estar comprometido.

Fica a provocação. E o convite: vejam. Falem. Escutem. Antes que o silêncio se torne definitivo.

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