‘Altered Carbon’, a promessa que acaba em desastre
Anunciado como uma série futurista com características que nos iam lembrar o que de melhor Blade Runner fez pelo cinema, Altered Carbon, uma das grandes apostas da Netflix para o início deste ano, chegou finalmente à plataforma digital. No futuro retratado, os corpos passaram a ser apenas veículos para um chip que guarda a essência humana, tornando-se estes numa espécie de entidade eterna que só cessa de existir no caso de o dispositivo ser destruído. Os cenários são brilhantes e iluminam cada canto de uma cidade recheada de seres sintéticos, tecnologia invejável e perversão. A série criada pela americana Laeta Kalogridis, produtora de filmes como Shutter Island e Avatar vai ao encontro das expectativas criadas com primeiro episódio, “Out of the Past”. Contudo, este é não só o ponto mais alto de Altered Carbon, mas também, provavelmente, o único.
Um pouco expressivo protagonista, Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman), passeia-se no futuro distante numa cidade que parece perder qualidades – ou orçamento – a cada minuto, procurando resolver o mistério da morte do aristocrata Laurens Bancroft, bem interpretado, mas mal aproveitado, por James Purefoy. A busca pela solução do puzzle é, no entanto, intermitente, uma vez que por entre as linhas da narrativa vão entrando outras peças com as suas próprias histórias, como é o caso da detective desnecessariamente sexualizada Kristin Ortega (Martha Higareda) e do ex-militar excessivamente agressivo Vernon Elliot (Ato Essandoh). A ideia de que todas as histórias se ligam, apresentando-se cada uma delas como fundamental para resolver a trama central, não passa disso mesmo, uma ideia que não é bem executada.
Também a premissa central da imortalidade rapidamente é desconstruída, tornando-se em algo que facilmente passa ao lado, tendo em conta a facilidade com que as personagens conseguem contornar o problema em tantas situações. Excepto em alguns twists, tão inesperados como desnecessários, a tecnologia que permite seguir a vida em diferentes corpos ao longo dos tempos torna-se apenas numa inconveniência ultrapassável. Temas interessantes como o dilema em que se torna a religião são mencionados apenas de um modo superficial e por personagens secundárias e o foco cai, demasiadas vezes, sob novos modos de tortura ou formas pouco originais de eliminar uma personagem. Manifestamente pouco para aquilo que deveria tornar a série diferente de tantas outras propostas.
Se os primeiros episódios lançam a série em várias frentes, prometendo desenvolvimento e um final com sentido, a segunda metade perde-se além de qualquer noção lógica. A acção torna-se no foco único e toda a narrativa é apressada para ficar tudo arrumado a tempo. Destaque especial para o modo preguiçoso como a interacção entre personagens é escrita, tornando cada uma delas num ser automatizado capaz apenas de expressar um número limitado de expressões. Tornam-se incompreensíveis as relações que são mantidas entre os vários intervenientes e força-se um desfecho que está longe de ser satisfatório. Para a falta de credibilidade contribui também a prestação fraca dos actores que encarnam a maioria das personagens centrais, sendo excepção apenas os já mencionados Joel Kinnaman e James Purefoy.
Altered Carbon é uma promessa que acaba em desastre. Ainda que a comparação a Blade Runner seja injusta, elevando expectativas para uma série que tem muito pouco em comum com a obra de Ridley Scott, a série de Laeta Kalogridis, com ou sem expectativas prévias, não tem o que é necessário para vingar no vasto universo que é o das séries de ficção científica. O potencial da premissa central é desfeito numa fase inicial, banalizando aquilo que tornava a série única, cambaleando a partir daí, episódio após episódio, até chegar ao fundo, numa altura em que só ficamos satisfeitos por ter finalmente terminado.