Amber Coffman encontra conforto na solitude em ‘City of No Reply’
Para explorarmos o primeiro álbum de Amber Coffman, como artista a solo, torna-se complicado separá-la do seu passado. Amber fez parte dos Dirty Projectors, uma das bandas mais reconhecidas da vaga do indie rock do início desta década (apesar de fazerem música há muito mais tempo), como guitarrista e, principalmente, vocalista. A sua voz harmoniosa adocica as canções angulosas da banda; no entanto, com força suficiente para não se perder nos ornatos musicais compostos por Dave Longstreth, o mentor da banda.
Coffman e Longstreth mantiveram uma relação romântica até 2012. A sua amizade veio a deteriorar-se desde então, até 2015, altura em que se separaram totalmente, de uma forma acrimoniosa o suficiente para fomentar o mais recente trabalho homónimo dos Dirty Projectors, um álbum de separação amargo e épico (confere aqui a nossa crítica). Por que é importante mencionar isto? Porque City of No Reply ainda foi produzido por Longstreth, em 2015. Como tal, este não é o álbum de resposta que os atentos ao arco narrativo desta relação esperariam. A marca do seu ex-parceiro de banda é mais notória na produção do que nas letras de Coffman. Em termos cronológicos, nasceu primeiro que Dirty Projectors, e permite contextualizar melhor este último, pela presença subtil dos sintetizadores e batidas R&B.
Amber é uma amante professa do R&B. Este facto, juntamente com as suas qualidades vocais, levou a que fosse convidada para colaborar em canções mais próximas desse meio do que aquelas que a sua banda produzia, trabalhando com artistas como J. Cole (“She Knows”), Major Lazer (“Get Free”) ou Frank Ocean (“Nikes”). Assim, torna-se lógica a ponte entre este mundo e o seu fundo de rock. Veja-se, como melhor exemplo, a balada “Brand New”, que é ancorada por um baixo sedutor e completa com notas de piano cintilantes e esparsas, numa batida que se assemelha a gotas de chuva.
A relação deste álbum com a natureza é notória. A imagética do mesmo (a capa, as capas dos singles, o vídeo do single “All to Myself”) está pejada de paisagens naturais, assim como as letras. A canção “Kindness” (uma variação de “I See You”, de Dirty Projectors) termina com sons catárticos de ondas a rebentar, transmitindo uma sensação de paz ao ouvinte, coadunando com a paz que Coffman referiu ter encontrado ao fazer este álbum. É um trabalho de uma artista que encontrou conforto em estar sozinha. Há um brilho especial que emana das canções leves, devido à personalidade de Amber, que soa notoriamente feliz por finalmente estar a cumprir o seu desejo de lançar um álbum a solo. Esta leveza é suficiente para levá-lo a bom porto.
“All to Myself” é o estandarte da descoberta do conforto na solitude, através da música. O seu refrão descreve o processo que Coffman teve ao escrever este álbum – cantar as canções para si mesma – e torna-se numa das epifanias mais tranquilas que já ouvimos. O baixo detalhado e vozes de fundo processadas elevam a batida midtempo e estrutura simples da prazerosa canção. O segundo single, “No Coffee”, é o equivalente musical a um raio de sol, com a sugestão de que é possível encontrar esperança mesmo quando o amor está em risco.
Os instintos mais acessíveis de Amber vêm ao de cima na sua música, e talvez seja isso aquilo que mais limita este álbum. Há uma certa linearidade ao longo do mesmo, e sente-se falta de alguma da genialidade que caracteriza a música da sua banda anterior, assim como da ginástica vocal que demonstrava o seu enorme talento como vocalista. Aqui mantém-se praticamente sempre num registo doce, que soa retraído e pouco desafiante, e acaba por ser fácil de ignorar, por vezes.
A prova de que este álbum podia ter mais para nos dar reside na canção-título, “City of No Reply”, uma infecciosa canção pop de ritmos tropicais, cheia de instrumentos de sopro gloriosos e um refrão estratosférico. Tem o equilíbrio ideal entre acessibilidade e experimentação, que faz dela uma canção interessantíssima.
Assim, apesar do conforto que Amber Coffman diz ter encontrado na sua própria companhia, ainda falta o total à-vontade na sua música. Este é apenas o primeiro passo que dá por si, musicalmente, ainda com o auxílio de muletas. Mas o futuro afigura-se radioso como a música deste City of No Reply.