“Amor, Matemática e Outros Portentos”: uma odisseia conduzida pelo matemático Jorge Buescu

por José Malta,    4 Dezembro, 2022
“Amor, Matemática e Outros Portentos”: uma odisseia conduzida pelo matemático Jorge Buescu
Capa de “Amor, Matemática e Outros Portentos”, de Jorge Buescu (ed. Gradiva)
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Amor, Matemática e Outros Portentos é o título do mais recente livro do matemático Jorge Buescu, o seu sétimo da coleção Ciência Aberta da Gradiva. Formado em Física, doutorado em Matemática pela Universidade de Warwick, actualmente é Professor Associado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tendo sido também presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Depois de obras como “O Fim do Mundo está Próximo?”, “O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias.” e “Casamentos e Outros Desencontros?”, surge uma nova obra recém-publicada em Novembro deste ano e com o prefácio do físico Carlos Fiolhais (Ler entrevista). O livro tem como principal foco a história de Grace Chisholm Young e William Henry Young, um casal de matemáticos bastante influentes que viveu entre os séculos XIX e XX, um amor que se juntou à Matemática e que acabou por gerar parte do título. Porém, outros portentos vão surgindo e Jorge Buescu acaba por conseguir conduzir uma enorme odisseia pelo mundo da Matemática.

O Papa Matemático Silvestre II (Gerbert d’Aurillac), é outro dos protagonistas que também entra nesta história. Gerbert d’Aurillac introduziu na Europa os algarismos indo-árabes, que ao contrário da numeração romana incluíam o zero, e ainda deu enormes contributos na astronomia e na música. Criou também um ábaco seu que à época, dada a sua enorme eficiência de cálculo, era encarado como hoje encaramos um supercomputador. Entram também a família Bernoulli composta por oito influentes matemáticos (pais, filhos e irmãos) que deram todos um enorme contributo nesta ciência e cujas equações e regras são conhecidas de todos aqueles que tiveram Matemática no ensino secundário e superior. Jorge Buescu mostra-nos as peripécias dos membros desta família, numa aventura que se iniciou em Basileia na Suíça, e que acabou por chegar além-fronteiras, considerando, de uma forma obviamente figurativa, um caso de estudo de um suposto “gene da matemática”. A história de Adrien-Marie Legendre, um matemático “sem rosto” e cujo retrato fora confundido durante décadas com o político Louis Legendre é outra personagem fascinante que emerge nesta obra.

O Amor e a Matemática, que dão título ao livro, são duas componentes que têm mais em comum do que se julga, embora uma seja emocional e a outra racional. A história de Grace Chisholm Young e William Henry Young acaba por surgir como o mais belo capítulo do livro, relatando também as dificuldades que as mulheres tinham na época em ingressar num doutoramento em ciências exactas, como a Matemática. Acabaram os dois por casar e viver ambos em Cambridge, passando também por sítios como Göttingen (onde Grace já estivera), País de Gales, Genebra e outros tantos locais pelo mundo fora. As dificuldades que ambos tiveram, bem como a sua enorme cooperação, são descritos de uma forma sublime nesta história de amor entre estes dois matemáticos. O autor apresenta-nos ainda a importância de beber chá na Matemática, através de um episódio engraçado que viria a revolucionar a estatística moderna com as experiências de probabilidade de Ronald Fisher, muito importantes ainda nos dias de hoje.

Um potentíssimo microscópico desenvolvido pela Alemanha no tempo do nazismo também emerge neste livro, com o método de contraste de fase desenvolvido por Frits Zernike, cuja ideia acabou por ser sequestrada pelos nazis. Como a Física anda sempre de mãos dadas com a Matemática, um físico de renome com uma postura carismática e ao mesmo tempo genial teria também que surgir nesta aventura: Richard Feynman. Para além de brilhante físico, Feynman tem uma história de vida absolutamente fabulosa, repleta de peripécias e excentricidades, mas também de alguns azares e de uma depressão que sofrera ainda jovem e que soube superar. Para além do complexo mundo da electrodinâmica quântica que lhe valeu um prémio Nobel, Feynman sempre mostrou um enorme fascínio pelos fenómenos mais simples do quotidiano, utilizando a Matemática como ferramenta para a sua interpretação. O efeito borboleta descrito pelo matemático Edward Lorenz, também é retratado, sendo também um dos fenómenos mais interessantes que a Matemática conseguiu até hoje descrever.

As medalhas Fields (conhecidas também como uma espécie de prémio Nobel da Matemática), que são atribuídas de quatro em quatro anos a jovens matemáticos (com menos de 40 anos) são também abordadas. O destaque no livro vai para Maryna Viazovska, matemática ucraniana laureada em 2022 e a segunda mulher a vencer este prémio. O livro contém imagens da sua conferência Fields juntamente com o autor que teve o prazer de assistir à palestra da laureada. Apesar da Ucrânia se encontrar em guerra, a sua premiação nada tem que ver com este contexto pois já estava decidido antes de se ter iniciado. A utilização da Matemática em planeamento urbanísticos, nos edifícios, na interpretação de fenómenos biológicos e na inteligência artificial, também são explicados pelo autor, com ênfase na Teoria do Transporte Óptimo, muito importante nestas áreas. O admirável mundo dos gémeos digitais, um método que proporciona novos avanços na inteligência artificial, e objectos recheados de matemática como o Gömböc de Colombo ou os “brinquedos” do professor Tadashi Tokieda são também retratados nos últimos capítulos do livro.

Em Amor, Matemática e Outros Portentos, Jorge Buescu volta a demonstrar o seu enorme amor pela Matemática através de uma odisseia onde encontramos várias personagens e temáticas fascinantes. Para além disso, o autor também promove uma interacção com o leitor, incentivando-o a testar experiências simples que comprovam os pressupostos abordados neste livro. Não haja dúvida de que a Matemática é uma linguagem ampla e universal que consegue descrever fenómenos desde os mais simples aos mais complexos. E é bom termos matemáticos portugueses como Jorge Buescu que conseguem transmitir essa ideia, com entusiasmo, humor e acima de tudo de uma forma simples e apaixonante.

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