Ao 5.º dia do Motelx vimos um dos melhores filmes do festival
Ao quinto dia da 12.ª Edição do Motelx, sábado, vimos um dos melhores filmes presentes na programação: “Piercing”, de Nicolas Pesce, um fantástico thriller sexual esteticamente aprimorado. “Veronica”, mais recente filme do espanhol Paco Plaza (Rec) entregou uma das mais belas sessões de terror numa lotação esgotada com a presença do realizador e da actriz principal. Já “Ghost Stories”, um dos filmes mais antecipados do festival, protagonizado por Martin Freeman e Andy Nyman, foi uma tremenda desilusão, bem como “Knife + Heart”, que concorria ao prémio de melhor curta europeia. A original animação japonesa com cartões de “Violence Voyager” deixou-nos com um sorriso e “Morto Não Fala” marcou o regresso de Dennison Ramalho ao Motelx, onde tinha estado há 10 anos.
“Piercing” (Crítica de David Bernardino)
O primeiro filme de uma sessão dupla que começou muito atrasada, rondava a 1h da manhã, foi uma bela surpresa. Nicolas Pesce, realizador do desconcertante “The Eyes of My Mother”, protagonizado pela portuguesa Kika Magalhães, regressa ao cinema provocatório com este Piercing, inspirado no mesmo livro que inspirou o filme de culto Audition de Takashi Miike. Christopher Abbot contracena com Mia Wasikowska nas duas melhores interpretações desta edição do Motelx. Ele, um homem de família que planeia matar uma aleatória prostituta com um picador de gelo. Ela, uma prostituta que é menos inocente do que aparenta. Com uma química astuta, Abbot e Wasikowska complementam-se numa noite esteticamente delirante nas mãos de uma realização deliciosamente criativa de Pesce.
Na verdade, o pequeno Mundo hermético de quarto de hotel de Piercing parece ter vida própria, englobando o espectador como voyeur da doentia fantasia do protagonista que recebe mais do que aquilo que planeava. Um design sonoro estimulante e uma banda sonora onírica e contemplativa, com um filtro de cores que não se rende ao facilitismo da corrente neo-noir recente, Pesce criou mais uma brilhante guloseima cinematográfica que apenas se fragiliza no seu argumento. Com efeito, conduzindo habilmente o espectador pela mente retorcida do duo de protagonistas, Pesce constrói um argumento labiríntico que aparenta não ter saída. Perante essa parede, Pesce decide terminar o filme ao invés de o elevar a um patamar ainda mais provocatório e criativo à semelhança do que Miike fez com “Audition”. Má decisão. Abbot e Wasikowska ainda tinham muito para dar e o espectador, o pretenso observador escondido na sala de cinema, estava interessado em ver.
“Morto Não Fala” (Crítica de Marta Vicente)
Sábado foi dia de estreia para a produção brasileira “Morto Não Fala”. O filme prometia marcar o regresso do próprio realizador, Dennison Ramalho, após a sua passagem pelo Festival, em 2008, como argumentista do filme “Encarnação do Demónio”. Nesta narrativa, a força espiritual é explorada através de Stênio que, enquanto trabalhador de uma morgue, fala com os mortos, ouvindo as suas confissões e segredos íntimos. Tudo se complica quando a comunicação com tais corpos começa a dizer respeito à sua própria vida: a partir desse momento, Stênio e a família envolvem-se numa maldição incontrolável.
https://www.youtube.com/watch?v=oQJuJT5yn3U
Adaptado de um conto de Marco de Castro, o filme torna-se cansativo nas cenas em que Odete, mulher da personagem principal, chega para assombrar a vida da família; para além de repetitivas, estas são acompanhadas de uma banda sonora que em nada contribuiu para o suspense que o filme necessitava, chegando mesmo a dar a sensação de que os sons mais fortes são forçados e exagerados. Assim, este é um filme que peca na originalidade pela forma como aborda a temática escolhida (notemos os clichés das portas a abrir e dos objetos a cair sob os quais se constroem todas as cenas de dito terror). No entanto, a seu favor, Morto Não Fala tem o retrato – ainda que claramente pouco explorado – da violência cada vez mais visível na sociedade brasileira, deixando-nos, ainda, um cheirinho do que é a realidade da sua população mais empobrecida.“Veronica” (Crítica de David Bernardino)
O realizador Paco Plaza e a actriz principal Sandra Escacena vieram ao Motelx para apresentar “Veronica”, um filme de terror sobrenatural confortável e tradicional, que apesar de não ter nada de novo a apresentar consegue subir alguns pontos graças a uma realização tecnicamente irrepreensível, uma interpretação cheia de personalidade de Sandra Escacena e 3 encantadoras interpretações infantis de duas meninas e um menino que interpretam os irmãos da protagonista, que os deve criar e proteger devido à sua mãe viúva trabalhar até tarde no seu bar/restaurante.
https://www.youtube.com/watch?v=GlalMcEiwZQ
“Veronica” oferece um entretenimento sólido e assustador para os fãs do género, evita os clichés e os jump scares, e preocupa-se mais em contar a história das suas personagens e em construir uma atmosfera de terror eficaz, embora conscientemente pouco credível. Para aquilo que pretende,” Veronica” cumpre com surpreendente eficácia todos os objectivos e afirma-se como uma das primeiras opções para quando alguém pede uma sugestão de “filme de terror giro para ver em casa”.“Violence Voyager” (Crítica de Sandro Cantante)
Uma das propostas mais originais a nível visual desta edição do Motelx surge pela mão do realizador japonês Ujicha. “Violence Voyager” é uma animação construída com uma série de cartões que representam as personagens numa história não menos peculiar. Bobby e Akkun partem rumo às montanhas para se encontrarem com um amigo de uma vila vizinha, apenas para encontrarem um misterioso parque de diversões, que assenta num contexto em que uma força alienígena tomou conta do planeta. Como já estamos por esta altura bem habituados, as crianças vão encontrar algo mais do que estavam à espera e têm de lutar pela sobrevivência. Não há nada de novo na entrega desta história e “Violence Voyager” acaba por fazer a diferença apenas em algumas tiradas cómicas ou particularidades do modo como foi animado, deixando de resto mais questões do que respostas relativamente aos eventos retratados.
A aventura de Bobby e companhia torna-se agradável de seguir, mas fica a ideia de que a sua hora e meia de duração podia facilmente ser reduzida para menos de metade, puxando mais o destaque para uma animação particular que deste modo não compensa tudo o resto. O filme encerra em grande, deixando um sorriso na cara e uma ideia enganadora de que Violence Voyager foi melhor do que realmente sentimos ao longo de toda a sua duração.“Ghost Stories” (Crítica de David Bernardino)
Era um dos filmes mais aguardados desta edição do Motelx. Alguns apelidavam-no de melhor filme de terror britânico dos últimos anos, mas a verdade é que “Ghost Stories” é uma tremenda desilusão. A sua personagem principal, interpretada pelo próprio realizador Andy Nyman, dedica-se a desmistificar histórias sobrenaturais aparentemente inexplicáveis, apresentando ao espectador 3 episódios de terror, um após o outro, ao estilo antologia. Apesar da linha narrativa que vai ligando as 3 histórias, a “moral da história” aplicada ao protagonista do filme é tão desinteressante como desnecessária.
Na verdade parece estar a mais, uma vez que qualquer um dos 3 mini episódios de horror é mais interessante que a história do protagonista os liga. Interessante será, no entanto, talvez um exagero, uma vez os pequenos contos expostos, quais curtas metragens juntas no mesmo título, não fogem ao básico dos clichés de género, apostando no jump scare como arma principal perante a incapacidade de em tão pouco tempo e perante tão pouco engenho construir personagens ou atmosferas credíveis. “Ghost Stories” é aquilo que se pode apelidar de salganhada insossa que permitirá aos seus espectadores dar alguns (poucos) saltinhos na cadeira quando o volume fica mais alto, para logo a seguir soltar um inevitável riso. Uma enorme perda de tempo…“Knife + Heart” (Crítica de Sandro Cantante)
A segunda longa-metragem de Yann Gonzalez, “Knife + Heart”, foi um dos principais destaques do quinto dia do Motelx. O realizador francês, que marcou presença nesta edição do festival, explora no seu mais recente trabalho a indústria da pornografia gay e conta com Vanessa Paradis no papel de Anne, produtora cinematográfica que aqui é protagonista. Muito mais focado na indústria em si e na relação entre Anne e a sua editora, Lois, “Knife + Heart” apresenta como secundário uma série de homicídios que visam os protagonistas dos filmes produzidos. Na produtora, parece não haver uma real preocupação com os homicídios, continuando com o desenvolvimento de um projecto que procura até tirar partido do mediatismo para ganhar mais popularidade.
https://www.youtube.com/watch?v=p3D4Pm_4sQo
A indiferença no grande ecrã começa a transparecer para o público que assiste à obra de Gonzalez e, quando numa segunda metade da narrativa a personagem principal parte em busca de respostas, o interesse nas mesmas já ficou perdido há muito. É nesta segunda parte que nos são apresentadas uma série de personagens novas, todas dotadas de particularidades quase sobrenaturais e que parecem sair de um segundo filme que se está a criar dentro do primeiro. Anne parece ser a única personagem a querer dar sentido ao argumento, conseguindo, a muito custo, encontrar elementos suficientes para o fechar forçosamente no final. Pelo meio há uma utilização abusiva de alto contraste e segmentos a negativo que só contribuem ainda mais para a confusão desnecessária em que se torna a obra de Yann Gonzalez. O filme vale como uma viagem exploratória ao meio da pornografia gay, mas tudo o resto parece demasiado acessório e desnecessário.