Apagou-se a luz na Palestina
Este texto foi lançado, em primeira mão, na newsletter semanal do Fumaça. Se quiseres receber estas crónicas, textos exclusivos e recomendações de reportagens, podcasts e filmes no teu email, subscreve aqui.
Ibrahim al-Talaa, palestiniano de 17 anos a viver no campo de refugiados de Maghazi, na Faixa de Gaza, pensou que fosse morrer na semana passada. Despediu-se da família e amigos numa publicação no Facebook e abraçou a irmã de 13 anos que chorava, em silêncio, temendo que a casa se desmoronasse com os mísseis que caíam lá fora.
Ibrahim al-Talaa sobreviveu a 11 dias de bombardeamentos, mas centenas de pessoas foram assassinadas pelo exército israelita até ao último sábado – 248, incluindo 66 crianças, e mais de 1.900 pessoas ficaram feridas; do lado israelita, 12 pessoas foram mortas, incluindo duas crianças.
Hoje já não caem bombas em Gaza. Na passada sexta-feira, foi anunciado um cessar-fogo que se mantém até hoje (até quando?). As notícias que encheram as capas de jornais e feedsde redes sociais são outras. Apagou-se a luz na Palestina. Desviaram-se os holofotes para outro lado. Acabou o espetáculo mediático, o frenesim dos live updates, as threadsintermináveis dos “especialistas” no Twitter, os protestos solidários pela paz, as aberturas de telejornais e comentários televisivos.
Regressámos à normalidade. Podemos respirar de alívio que a ocupação continua como sempre esteve. Arrumaram-se os mísseis, mas tudo o resto ficou: o bloqueio a Gaza, uma autêntica prisão a céu aberto sem as mínimas condições de vida, segundo as Nações Unidas; os despejos e as demolições de casas palestinianas para dar lugar a colonos israelitas; as invasões por parte da polícia israelita ao complexo de Al-Aqsa, um dos lugares mais sagrados do islão; as prisões arbitrárias de pessoas e crianças; os postos de controlo do exército que dificultam a mobilidade da população e fazem da Cisjordânia um labirinto; os disparos contra civis em protestos contra o regime de apartheid e tantas outras formas de opressão que marcam o quotidiano dos palestinianos.
O massacre de Gaza (mais um) acabou, mas a máquina de humilhação permaneceu intacta. Como nos disse Ori Givati, ex-militar israelita e porta-voz da organização Breaking The Silence, na entrevista que ontem lançámos: “A minha missão era fazer com que os palestinianos sentissem que não podiam levantar a cabeça.”
Ainda assim, há muitos que se recusam. Na semana passada, ao ler o livro The Way to the Spring: Life and Death in Palestine do jornalista Ben Ehrenreich, conheci a história de Hani Amer. Quando Israel construiu o muro do apartheid, considerado ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça, a casa de Hani Amer, vizinha do colonato de Elkana, ficou do lado israelita e rodeada pela muralha de betão. Apesar das ameaças e do aparato militar, Hani Amer recusou-se a abandonar a sua casa e passou a viver praticamente isolado da sua aldeia. “Começámos a criar uma vida aqui”, disse. “Há vitórias de diferentes tipos. Há as vitórias militares, onde as pessoas destroem e conquistam, mas há também a vitória mais doce, onde as pessoas tentam criar morte e tu crias vida a partir disso.” Desde essa altura que Hani Amer se dedicou à horta e às árvores de fruto do seu jardim. Quando Ben Ehrenreich lhe perguntou o que pensa todos os dias ao acordar, sair de casa e ver o muro, Amer responde: “Em vez de ver o muro, eu tento ver o jardim”.
Existir é resistir, na Palestina. Não podemos deixar que a luz se apague, porque a luta continua, mesmo que na quase escuridão.
Esta crónica foi publicada originalmente no Fumaça, nosso parceiro, tendo sido aqui reproduzida com a devida autorização.