As esculturas de sonhos de “Di qiu zui hou de ye wan”

por Diogo Lucena e Vale,    21 Novembro, 2018
As esculturas de sonhos de “Di qiu zui hou de ye wan”
“Di qiu zui hou de ye wan”, de Gan Bi
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O LEFFEST’18, Lisbon & Sintra Film Festival 2018, começou a 16 de Novembro e vai até 25 de Novembro.

Para melhor ou pior, a tecnologia de cinema 3D não viu no cinema de autor a aderência que teve nas grandes produções norte-americanas e chinesas. Depois de um breve período no início da década, onde, graças ao impulso de algumas obras de cineastas de renome, nomeadamente Cave of Forgotten Dreams (2010), Adieu au Langage (2014) ou até Love (2015), o formato esteve em voga, houve um declínio no número de produções 3D a serem exibidas em festivais nos últimos anos (quanto tempo durará a moda da realidade virtual?), o que faz cada novo exemplo inspirar alguma curiosidade. Tal é o caso desta segunda longa-metragem de Gan Bi, metade em 2D e metade em 3D, que adicionalmente beneficiou da boa receção crítica do seu anterior filme, Lu bian ye can (2015). Todavia, este interesse não é meramente superficial, pois, pelo facto de a tecnologia não ser nem comum nem novidade, geralmente o recurso a ela é fundado num interesse conceptual pelas suas propriedades particulares, ao contrário das grandes produções, onde o seu uso é sobretudo para efeitos de pasmo pela exibição de tecnologia e pelo espetáculo.

“Di qiu zui hou de ye wan”, de Gan Bi

Efetivamente, Gan Bi utiliza a tecnologia para questionar a dimensão onírica do cinema, assim como a forma como o espetador se relaciona com ele. A primeira metade do filme trata o passado e as memórias do seu protagonista, sendo em 2D; a segunda, em 3D, consiste num único plano-sequência de um sonho seu. Para isto, o público deverá colocar os seus óculos no momento certo. Embora esta interação com a audiência não seja inteiramente inédita (alguns lembrar-se-ão da infame placa de cheiros popularizada por Spy Kids: All the Time in the World (2011), no contexto deste filme é algo de verdadeiramente extraordinário, visto tratar-se de um gesto que, de uma só vez, nos afasta e aproxima da obra. O momento em que devemos colocar os óculos é o mesmo em que o protagonista o faz e o próprio 3D torna a experiência mais imersiva, porém, a custo de uma tarefa, uma lembrança da artificialidade do aparelho cinematográfico, dos objetos à nossa volta, da sala de cinema – tivesse acontecido na exibição de L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat (1896), talvez ninguém teria fugido do comboio dos Lumière.

“Di qiu zui hou de ye wan”, de Gan Bi

E, no entanto, resulta. Di qiu zui hou de ye wan é puro êxtase sensorial, a primeira parte uma série de pinturas, a segunda esculturas. O ambiente onírico lembra Apichatpong Weerasethakul e é ainda reforçado pela lânguida passada das imagens. Contudo, este primor estético da obra não representa qualquer tentativa de escapismo, pois, como nos diz uma personagem a dada altura: “A diferença entre o cinema e as memórias é que, enquanto sabemos que o cinema não é real, as memórias são apenas imagens que passam à frente dos nossos olhos onde a barreira entre o verdadeiro e o falso se dissipa.”.

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