As relações diplomáticas portuguesas durante a Segunda Guerra Mundial (parte III)
Este artigo faz parte de um conjunto de três (o primeiro e o segundo) sobre a temática de Portugal na Segunda Guerra Mundial, e é fruto de um trabalho de investigação realizado para uma unidade curricular da Universidade.
Neste terceiro artigo, irei explicar de que forma se foi desenrolando a “neutralidade portuguesa” durante a segunda guerra mundial com as grandes potências, tendo eu, para esse efeito, considerado o Reino Unido, a Alemanha e os Estados Unidos da América.
Desde o início da Segunda Guerra Mundial até à ocupação da França por parte da Alemanha, os países participantes no conflito concordaram com a posição de neutral portuguesa.
A “então fraca, dependente e pouco industrializada economia portuguesa pouco sofreu”, tendo continuado a adquirir os produtos usuais até então, excetuando o carvão dos ingleses, cujo fornecimento foi suspenso.
Quando ocorreu a bltizkrieg por parte dos alemães, Portugal começou a sentir algumas dificuldades. Em 1939, a Grã-Bretanha impôs uma “política de bloqueio ao continente, passando a sujeitar a circulação dos transportes marítimos” a um aviso prévio. Com isto, os britânicos procuravam evitar que os produtos portugueses chegassem aos países do Eixo. Para além disso, a Grã-Bretanha adquiriu avultadas quantidades de produtos portugueses, de forma a “aumentar os preços e impedir, tanto a constituição de stocks como a sua exportação para os países do Eixo”, saindo os comerciantes portugueses como principais beneficiados desta política inglesa. Também no âmbito de prejudicar os países do Eixo, a Grã-Bretanha foi adiando os acordos comerciais com Portugal, de forma a pressionar o país a reduzir os negócios existentes com a Alemanha.
Devido ao adiamento do acordo comercial luso-britânico, a chegada da Alemanha aos Pirenéus fez com que os britânicos considerassem Portugal como um país neutro adjacente aos inimigos e, portanto, promoveu a “aplicação de um rigoroso sistema de racionamento e de bloqueio”.
Entre setembro de 1940 e janeiro de 1941, a neutralidade portuguesa ficou em perigo, após Hitler desistir de invadir a Grã-Bretanha e invadir países que a pudessem cercar, entre os quais estaria Portugal, num plano que ficou conhecido por Operação Félix. Durante este período, “chegou mesmo a haver negociações com os ingleses para a retirada em caso de invasão pelos alemães, do governo português para os Açores”. Contudo, Hitler acabaria por desistir desta sua intenção, fruto também das exigências de Franco para a entrada na guerra, e focou-se nas operações a Leste
Entre 1941 e 1943, a Alemanha “foi o segundo parceiro comercial de Portugal, depois da Inglaterra”, sendo que 1942 foi o único ano em que os alemães superaram os ingleses, “com 19% do total, contra 17% da Inglaterra e 18% dos EUA”. No ano seguinte, bateria o recorde, “com 24,3% das exportações, mas já sem o primeiro lugar, pois a Inglaterra regista neste ano 29%”.
Também em 1941, após a rota da Sibéria ser cortada, a Alemanha virou-se para o volfrâmio português. Ainda que Portugal também reexportasse para os alemães “petróleo norte-americano, fosfatos do norte de África, matérias-primas das suas colónias”, para além de exportar “açúcar, estanho, conservas de sardinha, agasalhos de lã e calçado”, tudo materiais que eram importantes para a guerra, o volfrâmio era fundamental para o armamento alemão.
Dada a necessidade de volfrâmio proveniente de Portugal, a Alemanha aproveitou a vulnerabilidade da navegação portuguesa para colocar pressão na elaboração e assinatura de acordos. Assim, a Alemanha não hesitava em “afundar navios portugueses sempre que tal se revela útil como forma de obrigar Lisboa a cedências na guerra económica”. Essas agressões terão sido uma das razões que fizeram com que Portugal iniciasse as negociações do volfrâmio. Do lado alemão, as armas e o ouro, entre outros produtos, foram utilizados como moeda de troca.
Devido aos acordos luso-germânicos, para além do descontentamento inglês, também os Estados Unidos da América entraram em cena, reforçando, a partir de março de 1942, o bloqueio marítimo, “num ano em que a crise económica mais se fez sentir em Portugal”.
Em 1943, a guerra ganhou um novo rumo. Com o “desembarque dos Aliados na África sariana, de onde expulsaram as forças do Eixo, e da derrota alemã em Estalinegrado”, o regime temeu que a vitória dos Aliados significasse o seu fim.
Nesse sentido, de forma a assegurar que os Aliados não procurassem entrar em confronto com o Estado Novo, cedeu em agosto de 1943 a “utilização de uma base estratégica norte-americana nos Açores”, após exigências anglo-americanas. Neste acordo, Salazar procurou “receber garantias formais, tanto da Inglaterra como dos EUA, quanto à preservação da integridade do «império» no pós-guerra”, para além de um “novo acordo económico e marítimo de fornecimento de combustíveis”. Sabendo disso, o Governo alemão endereçou uma nota de protesto, avisando que tal decisão portuguesa poderia implicar medidas tomadas pela Alemanha. Apesar disso, não houve retaliações. Por um lado, o “esforço que a continuação da guerra na Rússia exigia impossibilitou qualquer resposta à cedência dos Açores”. Por outro lado, o ato foi compensado devido ao facto de Portugal não ter interrompido a venda de volfrâmio à Alemanha.
Na fase final da guerra, quando já era praticamente certa a vitória dos Aliados, Portugal continuou a facilitar o pouco comércio existente com os alemães, sendo que em 1944 as exportações de Portugal para a Alemanha cifravam-se nos 11% do total, e foram “praticamente nulas em 1945 (0,009% do total)”, muito devido à libertação da França por parte dos Aliados. Essa facilitação acontecia devido a alguns fatores. Primeiro, Salazar continuava a pretender que os alemães respeitassem a posição neutral de Portugal, até porque a Alemanha não tinha reagido de forma muito agressiva à cedência da base militar dos Açores aos Estados Unidos da América. Para além disso, Portugal continuava a temer o poderio marítimo da Alemanha, “muito em especial porque o país já tinha perdido dez navios até 1944”. Os responsáveis portugueses também tinham “tendência a sobreavaliar a força e capacidade de reação do Eixo” e, por outro lado, interessava a Portugal que o III Reich não colapsasse, uma vez que, em termos geoestratégicos, Portugal estaria entre Reino Unido e Estados Unidos da América, e a ditadura totalitária do Eixo.
Com o fim da guerra, houve uma “adaptação ao pós-guerra e de aproximação forçada aos EUA”, que acabariam por ficar de forma exclusiva com a base dos Açores, sendo tal pretensão apoiada pela Grã-Bretanha, que procurava manter os Estados Unidos na Europa, “de modo a conter, no pós-guerra, a União Soviética”. Em relação à Alemanha, quando terminou o conflito na Europa, confirmando-se a derrota da Alemanha e a morte de Hitler, o Governo português entregou uma comunicação ao representante diplomático alemão, onde constava que a “representação diplomática de Portugal junto do povo alemão deixou de poder exercer-se normalmente por não existir um poder central regular com o qual possa estar em relações”, dando por isso o trabalho do diplomata alemão em Portugal como concluído.
Bibliografia deste artigo:
PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2008, 3ª edição
PIMENTEL, Irene Flunser e NINHOS, Cláudia, Salazar, Portugal e o Holocausto, Lisboa, Temas e Debates, 2013
ROSAS, Fernando, Salazar e o poder. A arte de saber durar, Lisboa, Tinta da China, 2013
TELO, António José, A neutralidade portuguesa e o ouro nazi, Lisboa, Quetzal Editores/MNE, 2000