As sombras nos contos de ‘Teatro Vertical’, de Manuel Alberto Vieira
Na cena literária portuguesa, nem tudo se cinge aos lançamentos das grandes editoras, que monopolizam o mercado. Recentemente, a Snob, livraria de Guimarães, em conjunto com a editora independente Pé de Mosca, criou a Colecção Pedante, onde é agora publicado Teatro Vertical, de Manuel Alberto Vieira, tradutor literário sobretudo de autores contemporâneos de língua inglesa (casos de Ali Smith e David Mitchell). Este bracarense, que mantém ainda o blogue Kid A, estreado como autor em 2012, com a compilação de contos Caderno de Mentiras (Liríope/Eucleia), traz-nos outro conjunto de pequenos contos burilados ao máximo, onde nenhuma palavra se encontra deslocada, tudo encadeado de forma precisa, criando uma história onde tudo o que lá se encontra foi escrito por merecer a nossa atenção.
A um género que, em Portugal, não é muito acarinhado pela generalidade das pessoas, Manuel Alberto Vieira traz fulgor. Ao longo das doze histórias que marcam este pequeno livro, é patente o apreço pelo sombrio e perturbador. Ainda que não necessariamente fora do género realista, o livro entrega-nos sucessões de desfechos aterradores, ao longo de contos que, desde o início, desconfortam, quer pelo estilo, tão despojado quanto certo, quer pela própria temática. No entanto, tantas vezes acaba por ser puxado este lado dramático-arrepiante que, no final dos contos, a chegada do desfecho dramático a certa altura acaba por perder o efeito, já não surpreendendo.
Talvez por isso mesmo, os melhores contos acabem por ser aqueles onde o autor consegue fugir dessa convenção. Em O filho, conto que abre o livro e nos leva por um dia num percurso feito por um pai e pelo seu filho debilitado mentalmente, e em A Puta, onde uma prostituta tenta convencer o seu cliente a partilhar os seus sentimentos com ela, Manuel Alberto Vieira alcança aquilo que procura, um conto que mostre as diversas dinâmicas e faces da realidade humana: a crueldade, a compreensão, a dureza. Tudo isto mantendo sempre o ritmo frenético, marcado pelas sucessões de acções e falas, numa condução do nosso processo de leitura sempre mais preocupada em mostrar-nos o que acontece, mais do que em nos fornecer explicações para tal. Essas são nos deixadas.
Numa pequena edição muito cuidada, onde além das palavras somos presenteados com belíssimas ilustrações de Sebastião Peixoto a acompanhar cada conto, Manuel Alberto Vieira oferece aquilo que, infelizmente, se parece reservar apenas às pequenas editoras, face à ausência de vontade das grandes em arriscar: uma escrita que nos sobressalte e desafie.