As últimas palavras de Bukowski: ‘Don’t try’
Não é segredo que sou fã de Charles Bukowski e do seu contributo literário que marcou a segunda parte do século XX. Os seus romances, contos e poesia marcaram uma geração. O seu estilo de realismo influenciou autores como Raymond Carver (“That’s all we have, finally, the words, and they had better be the right ones”) e Jayne Anne Philips (“Writing provides no guarantees. And writers who stay with writing do it for reasons that are larger than self.”) Embora a associação com Bukowski seja quase sempre negada por quem a poderia clamar, o estilo replicado de frases curtas, a escassa utilização de advérbios, a inexistência de metáforas ou a ausência de diálogos internos categorizam uma parte do movimento que Bukowski apadrinhou: o minimalismo literário, como subgénero ou género paralelo ao realismo sujo e honesto. A imagem criada através das palavras ganha significado não através de descrições longas e metáforas familiares, mas sim através de contexto e acção. Normalmente, as personagens neste género são párias sociais, desterrados e ostracizados pelos seus pares. Eles encaram uma pobreza geradora de um desespero interno, que é explorado pelo autor. Por outras palavras, Bukowski criou, não intencionalmente, um movimento com tudo aquilo que sempre repudiou: regras, estruturas, pilares fundamentais que definiram o género.
Bukowski escrevia sobre ele, a sua vida e existência “dura”. Nada mais. Ao descrever as suas próprias personagens, Bukowski é ainda mais duro: “Shit, my characters seldom evolve, they are too f-cked up. They can’t even type.”. Esta rudeza áspera é transversal a todo o seu trabalho.
Charles Bukowski nunca reflectiu acerca do seu legado como um todo, na influência que produziu, no género que fundou. Como muitos outros escritores, a sua descoberta não foi fácil. Aos 23 publica o seu primeiro conto “Aftermath of a Lengthy Rejection Slip” e aos 25 o segundo “20 Tanks from Kasseldown”. Seguem-se 10 dez anos em que não escreve. A este período, o autor refere-se como “ten-year drunk” que, post factum revelaram-se fulcrais para o trabalho que viria a desenvolver.
Mas o meu objectivo não é escrever sobre a biografia de Bukowski – outros já o fizeram melhor do que eu – mas falar de uma simples frase que o autor escolheu para adornar a sua sepultura até ao fim dos tempos: “Don’t try”
Não consigo fazer jus à importância que estas duas palavras tiveram em mim, enquanto aspirante jovem escritor, a desesperar internamente com o meu lugar no mundo. Foi como um interruptor, um fardo que desapareceu das minhas costas. Interpretei o “conselho” como se “não vem naturalmente, não vale a pena tentar”. O resultado? À semelhança de Bukowski, passei 6 anos sem escrever uma única palavra porque “Não tinha nada para dizer”. Não persegui paixões ou ambições porque “Don’t try”, “não tentes” livrou-me de tudo aquilo que julgava ser uma obrigação social. Se não vem naturalmente, se não me caía no colo, não era para mim, não me estava “destinado”. Olho para trás e reconheço a ingenuidade daquele rapaz que desesperadamente procurou uma resposta e encontrou-a num dos melhores autores do século XX. O que faltou, porém, foi maturidade para interpretar o significado, não como um mote para a apatia – aliada a debates internos existenciais, criados por ler e reler Kafka sem parar – mas sim, como Linda Bukowski, a viúva do poeta, explicou numa entrevista:
“Yeah, I get so many different ideas from people that don’t understand what that means. Well, “Don’t Try? Just be a slacker? lay back?” And I’m no! Don’t try, do. Because if you’re spending your time trying something, you’re not doing it…”DON’T TRY.”
É estranhamente parecida com a famosa frase do nosso Mestre Jedi preferido, “Do or do not. There is no try.” No entanto, não deixa de ser uma resposta difícil de dar. A subjectividade de cada um de nós entra em jogo quando disputamos ideias filosóficas, especialmente quando estão abertas a um grau tão variado de interpretação que nos leva a dizer: não há resposta certa. Para mim, o sentido que retirei daquelas palavras – na altura em que as li – ajudou-me. Alguns podem argumentar que desperdicei anos da minha vida à espera que as coisas acontecessem, a ver a vida a passar. De certo modo é verdade, mas foi uma escolha consciente e informada. Sinto, no âmago do meu ser, que foi a opção correcta para aquela parte da minha vida. Nesses anos em que “não tentei”, descobri-me a mim próprio, cresci e amadureci, mas também me acomodei. Não foi fácil sair do marasmo que erigi à minha volta. Por exemplo, nunca pensei que voltaria a escrever. Tinha – tenho – sonhos que considerava inatingíveis, mas que agora me guiam para um futuro mais certo e, finalmente, com um foco específico.
“Don’t try” ainda é um dos meus lemas, mas mudei-lhe o significado. Não tento, faço. Sei que nada me vai cair no colo como dádiva divina. Não penso duas vezes sobre o que escrevo e as palavras fluem sem problema. Finalmente, não estou a tentar ser algo, estou a ser. O quê, não sei mas finalmente sou alguém com ambições e uma direcção vocacionada.
Talvez daqui a uns anos revisite a interpretação das últimas palavras de Bukowski. Para já, contento-me em saber que o significado que lhes dei guiou-me ao longo de uma década. O trabalho de continuar a desvendar o sentido e aplicá-lo à minha vida, esse, cabe-me a mim. Espero continuar a ter a maturidade suficiente para, no futuro, nunca me esquecer de que não há palavras talhadas em pedra.