‘At What Cost?’: GoldLink mostra-nos a que soa o hip-hop do futuro
Desde 2013, ano de lançamento das primeiras faixas via Soundcloud, GoldLink tem trilhado o seu caminho de forma vigorosa, rumo ao restrito grupo dos artistas que dispensam apresentações. Porém, e nos dias que correm, o rapper ainda pauta por desconhecido do grande público. Assim, importa referir que o membro da editora, rádio e colectivo Soulection, lançou o seu segundo longa-duração – “At What Cost?” – no passado dia 24, para deleite dos fãs e ouvintes.
Fundada no ano de 2011, a Soulection afirma ser uma plataforma cultural dedicada à transmissão e produção de “música do futuro”: impreterivelmente, tal passa por uma (di)fusão de géneros musicais diversos como future beats, electrónica, soul, funk, etc. Em bom rigor, as barreiras musicais mesclam-se entre si, e é por isso mesmo que a label é a “casa” de alguns dos artistas que soam mais experimentais e vanguardistas, pelo menos dos tempos que correm.
Nomes como Ta-Ku, Sango, ESTA e o próprio GoldLink incorporam um cardápio robusto, embora diverso, que entre “prata da casa” e novas contratações, pauta pela utilização da Internet como meio primordial de partilha de conteúdos e captação de novos talentos.
Feita a devida contextualização, segue-se a dissecação ao álbum do jovem rapper de Washington D.C. A “At What Cost” já havia sido levantado o véu antes, por diversas vezes. Por sua vez, “Crew”, o tema mais fresco do álbum, foi lançado em Dezembro passado. “Meditation” – com produção de KAYTRANADA – foi conhecido semanas antes do lançamento e “Summatime” chegou-nos aos ouvidos um dia antes das restantes faixas.
À primeira vista, é perceptível que o álbum (talvez) se alongue demais: são 14 faixas. Porém, quando escutado, sabe a muito pouco: são apenas 48 minutos e, talvez fixação minha, aqui se começa a antever a qualidade, visão e destreza de um rapper: a música de GoldLink está cada vez mais apurada, mais concisa. Salvo uma ou outra excepção, cortou nos refrões repetidos até à exaustão, as músicas detêm a duração estritamente necessária para serem tanto um convite à pista de dança, como uma lição para os mais atentos às letras que o miúdo vai cuspindo. E essa é uma ambivalência que tem escasseado, sendo que quando alcançada, é-o quase sempre e apenas pelos mais sonantes nomes do hip-hop.
O tema omnipresente é – maioritariamente – o de antigos relacionamentos e consequentes reminiscências dos mesmos: o jovem já frisou em mais do que uma entrevista que tudo o sobre o que “rima” é 100% factual. Nos dias de hoje, da abundância de ghostwriters ao trap com bajulações e menções a Uzis e AK 49s, esse é um detalhe valioso que importa referir.
Porém, há neste pedaço de arte dançável um detalhe negativo: GoldLink chamou a si 12 artistas distintos, para 10 colaborações diferentes. Num álbum com 14 faixas, e em que a primeira é um Opening Credit, é bastante. É certo que as rimas do MC se fazem ouvir em todas elas, embora a imagem que passa é a de um artista bastante dependente de vocais e poder lírica de outrem. Isso, dizendo pouco a quem conhece os seus trabalhos anteriores (e, por inerência, lhe conhece o talento), pode ser fatal para quem o ouve pela primeira vez através do presente álbum.
De resto, as influências de KAYTRANADA (que é produtor de um par de músicas) ou de Ciscero (frequente colaborador e igualmente oriundo de D.C.) são bem perceptíveis, ajudando a endossar as rimas em flows mais groove-oriented, com laivos de funk.
Como era inevitável, o álbum é um banho de imersão em beats tropicais e flows de dança apurados, dando continuidade ao caminho e ao propósito que GoldLink parece ter tomado como seu desde os dias – não tão longínquos quanto isso – das faixas divulgadas no SoundCloud: descobrir os limites do hip-hop, apontando aquilo que pode vir a ser, para além daquilo que já é.
Destaques: “Crew” (com Brent Faiyaz e Shy Glizzy), “Meditation” (com Jazmine Sullivan e KAYTRANADA), “Herside Story” (Hare Squead) e “Roll Call” (com Mya).