“Atrás dessas Paredes”, de Manuel Mozos: tornar o passado tangível
Este artigo pode conter spoilers.
“Atrás dessas Paredes” integra a Competição Nacional do IndieLisboa, secção que tem vindo a ser considerada a mais completa e diversificada das 19 edições do festival, testemunho da qualidade e resiliência dos cineastas portugueses, mesmo perante os constrangimentos provocados pela pandemia. Manuel Mozos venceu a competição em 2009 com “Ruínas”, e é curioso que o seu regresso ao Indie ocorra com um filme tão próximo do anterior. Comparando os dois filmes, Mozos refere ao jornal Público: “A diferença mais notória é que neste (“Atrás dessas Paredes”) se utilizam imagens de arquivo maioritariamente habitadas por pessoas, como se um lado fantasmático pretendido em ambos os filmes aqui ganhasse corpo e outra expressão.”.
Os protagonistas voltam a ser lugares esquecidos, vazios, abandonados e decadentes. O traço que os liga é o passado de reclusão, forçada ou voluntária, de quem os habitou. Prisões, hospícios, conventos, hotéis e fortes. Mozos utiliza o cinema para materializar os fantasmas dessas paredes, como o próprio alega, através de duas formas distintas. Por um lado, intercalando as imagens contemporâneas das ruínas com imagens de arquivo a preto e branco dos mesmos locais – ou locais equivalentes – em pleno funcionamento. Por outro, através da narração em voz off, que nos vai lendo cartas e outros escritos da época, representativos dos usos e costumes da sociedade, vigentes naqueles locais.
Alguns dos dizeres declamados possuem um cariz humorístico, como a receita/dieta para a tuberculose, que contempla a ingestão considerável de vinho e carne de carneiro crua. Outros são mais austeros, como a caracterização problemática – aos olhos de hoje – de doentes mentais, presente na correspondência entre dois psiquiatras. O objetivo de Mozos é colocar em tensão duas épocas distintas, sobrepondo-as através da montagem de imagens e de texto e procurando retratar a evolução da história de reclusão de um país, vinculada àqueles espaços.
A carreira de Manuel Mozos tem sido marcada pela oscilação entre ficção e documentário. No entanto, a preocupação transversal do realizador é a preservação de certos valores, ofícios, espaços físicos e personalidades representativos de uma determinada identidade portuguesa, cristalizando-os nas imagens dos seus filmes. Na curta-metragem “Times Are Changing, Not Me” (2012), de José Oliveira, Marta Ramos e Mário Fernandes, Manuel Mozos caracteriza o cinema de Sam Peckinpah como um “resistir contra o esquecimento das pequenas coisas”, expressão que se enquadra perfeitamente na obra do realizador português. Mas que não se confunda este gesto com qualquer saudosismo bafiento, antes uma oposição à homogeneização cultural que erode a diferenciação. Ao fixar a câmara, Manuel Mozos procura tornar tangível a história que emana atrás daquelas paredes em ruínas, garantindo que, da justaposição do passado com o presente, desponte um futuro melhor.