Bernard Herrmann: o maestro dos filmes de Alfred Hitchcock
Bernard Herrmann é um dos grandes nomes da composição musical, especialmente no que toca a compor bandas sonoras de dramas radiofónicas, de filmes e de programas televisivos. Com um legado que se estende por décadas e que subsiste nos nossos dias, o norte-americano estabeleceu relações profícuas com grandes nomes do cinema da primeira metade do século XX, como Orson Welles e Alfred Hitchcock. Com uma capacidade de, através da música, caraterizar a índole de uma personagem cinematográfica, Herrmann fortaleceu a ideia de que os sons não são meros adornos de um filme, fazendo estes parte da dinâmica de toda a sua dinâmica.
Após uma educação musical rica e bastante estimulada por parte do pai, que o levava à ópera e o encorajou a tocar violino, o nova-iorquino formou a sua primeira orquestra com a tenra idade de vinte anos. Para além disto, fez parte da Columbia Broadcasting System Symphony Orchestra e interpretou em dramas radiofónicos orquestras de uma vasta gama de compositores, variando entre os mais prestigiados e os pouco familiares para a cultura norte-americana. Granjeando uma reputação que lhe possibilitou enriquecer a sua carreira em termos de prémios, Hermann fez a ponte para a composição nos grandes ecrãs. A composição musical nos anos 40 começava a tornar-se recorrente e, por isso, os realizadores dos filmes pretendiam diferenciar-se dos demais ao apostar na simbologia que a música oferece. Entretanto, dois realizadores de nomeada estavam atentos ao trabalho desenvolvido pelo compositor e convidaram-no para avulsas mas futuramente míticas colaborações.
O primeiro deles foi Orson Welles, com quem o nova-iorquino adaptou várias bandas sonoras predefinidas e as ajustou de acordo com os diversos projetos do realizador, inclusive o revolucionário drama The War of the Worlds (1938), que marcou o panorama dos conteúdos radiofónicos. Após alguns trabalhos em conjuntos transmitidos pela companhia onde trabalhava Herrmann, foi Citizen Kane (1941) o maior sucesso de ambos como parceria, filme este que é considerado atualmente como um dos melhores de todos os tempos. Recebendo a sua primeira nomeação para um Óscar, o músico também trabalhou com Welles no filme The Magnificent Ambersons (1942). Entre ambos, o norte-americano conquistou o único Óscar da sua carreira com a banda sonora de The Devil and Daniel Webster (1941), de William Dieterle.
No entanto, foi com o segundo que a sua carreira atingiu o cume da produtividade. O “maestro do suspense” Alfred Hitchcock contou com o suporte de Bernard Herrmann em grande parte dos seus maiores êxitos. Os filmes em que operaram em conjunto foram: The Trouble With Harry (1955), The Wrong Man (1956), Vertigo (1958), North By Northwest (1959), Psycho (1960), The Birds (1963, como consultor de som) e Marnie (1964). Algumas das músicas que perduram na memória dos cinéfilos foram produzidas pelo norte-americano, tais como a da famosa cena do chuveiro em Psycho, em que o violino ganha especial destaque. Herrmann também ajuda a celebrizar várias das cenas de Vertigo, em que o compositor recorre aos trabalhos intensos e invasivos de Richard Wagner (em especial a Tristan und Isolde) para caraterizar a crescente dramatização da relação amorosa que protagoniza o filme. No entanto, neste mesmo filme, o nova-iorquino lamentou não poder orientar a sua composição musical como fazia com a maior parte dos seus trabalhos e caraterizou-o como uma oportunidade falhada.
Apesar desta lamúria, o compositor considerou que a razão da relação ser tão frutífera e marcante foi a liberdade concedida por Hitchcock na produção dos seus trabalhos. A relação de ambos chegou a um fim abrupto após desentendimentos no filme Torn Curtain (1966), em que o realizador pretendia sair da velha guarda, optando por utilizar influências de pop e jazz, e percebeu que o compositor era intransigente na sua linha de produção musical. Com uma personalidade inflexível e autónoma, Herrmann abdicou de efetuar o trabalho e continuou a desenvolver música tal como sempre fizera até então.
Os últimos dois grandes trabalhos do norte-americano foram na composição para os filmes Obsession (1976, de Brian de Palma) e Taxi Driver (1976, de Martin Scorsese), que lhe concederam nomeações para os Óscares. O seu estilo é caraterizado pelo uso regular de ostinati (frase musical bastante repetida), e pelo recurso a instrumentos que não eram convencionais na habitual música de orquestra da primeira metade do século XX, tais como harpas e flautas. A partir dos anos 50, abriu a sua vasta gama de recursos aos instrumentos eletrónicos, tais como o órgão eletrónico, instrumentos de percussão, violino elétrico e o trautónio. Outro ponto interessante do trabalho deste compositor concerne a capacidade de expor caraterísticas que não saltam à vista do comum espectador pertencentes às personagens do filme para o qual o mesmo foi feito. O músico era fiel à máxima de que uma composição musical devia de ter uma identidade alheia ao projeto para o qual a mesma se insere, tendo sentido ao ser ouvida sem o filme, programa ou radiodrama.
Com um legado de tal forma proeminente que se estende à utilização de trabalhos seus noutros filmes atuais, Bernard Herrmann foi um compositor que preparou o caminho para que outros grandes cine-compositores se afirmassem, tais como Danny Elfman e Graeme Revell. Com uma identidade muito vincada e personalizada, o norte-americano foi sempre fiel às suas origens e à sua formação, que fora muito ligada à música clássica. De notável talento mas de também notável intransigência, Herrmann não escapa ao epíteto de “um grande nome simultaneamente da música, da televisão e do cinema”, deixando também o seu vinco em grandes marcos do cinema mundial ao lado de colossos como Welles e Hitchcock. Restrito mas distinto. Eis o ser e fazer de Bernard Herrmann.
“I have the final say, or I don’t do the music. The reason for insisting on this is simply, compared to Orson Welles, a man of great musical culture, most other directors are just babes in the woods. If you were to follow their taste, the music would be awful. There are exceptions. I once did a film The Devil and Daniel Webster with a wonderful director William Dieterle. He was also a man of great musical culture. And Hitchcock, you know, is very sensitive; he leaves me alone. It depends on the person. But if I have to take what a director says, I’d rather not do the film. I find it’s impossible to work that way.”
Bernard Herrmann quanto à sua ética de trabalho