“Bombshell”, de Jay Roach: um retrato superficial de um caso sensível

por Espalha-Factos,    22 Janeiro, 2020
“Bombshell”, de Jay Roach: um retrato superficial de um caso sensível
“Bombshell”, de Jay Roach
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Bombshell é um filme realizado por Jay Roach sobre a denúncia de assédio sexual feita por várias trabalhadoras da Fox News contra Roger Ailes. As atrizes Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie são as estrelas principais deste drama baseado em factos verídicos.

O filme está nomeado para os Óscares da Academia em três categorias: Melhor Atriz Principal, Melhor Atriz Secundária e Melhor Maquilhagem e Estilo de Cabelo. As restantes cerimónias de prémios não correram bem para o filme e é expectável que acabe por não ganhar nada.

Liberdade factual

A narrativa de Bombshell é feita a partir de quatro perspetivas: as três protagonistas que sofreram assédio e o responsável pelo mesmo. Curiosamente, o grande foco do filme é dirigido a Megyn Kelly (Charlize Theron) e a Roger Ailes (John Lithgow). Esta escolha é a base para a maioria dos problemas do filme.

“Bombshell”, de Jay Roach

A personagem principal de Bombshell é Megyn Kelly. Isto é um problema visto que a jornalista não esteve envolvida nas denúncias iniciais que levaram ao processo em tribunal contra Roger Ailes. Aliás, de acordo com Gabriel Sherman, escritor de uma biografia de Ailes, “qualquer dramatização que torne Megyn Kelly a figura central é pura ficção”. O filme sofre por isto, já que metade do tempo é focado na polémica entre Megyn Kelly e Donald Trump, um tema à parte que em nada se liga com o drama das vítimas de Ailes. E o próprio agressor tem mais tempo de antena do que as mulheres que o enfrentaram.

Para além da liberdade com os factos, Bombshell nunca consegue ir além do retrato superficial do caso. Personagens aparecem e o filme coloca logo um texto a explicar quem elas são e como estão envolvidas no caso em vez de o demonstrar. As vítimas são pouco mais do que isso, tendo de lidar com o dilema habitual de se chegar à frente ou não. Sobre o impacto que o assédio tem nas suas vidas e carreiras pouco é representado.

“Bombshell”, de Jay Roach

Outro problema é o ritmo. Bombshell limita-se a mostrar momentos essenciais do caso, queimando etapas como quem está a correr para chegar ao fim. Não há calma nem ponderação com o desenrolar dos eventos. A nível visual, a cinematografia e a edição são razoáveis, cumprindo o que se espera de um filme biográfico sem nunca deslumbrar.

Espreitar os bastidores

Mesmo com todos estes problemas de representação, Bombshell consegue ser minimamente interessante, devido à intriga inerente ao caso. A oportunidade de perceber algumas das dinâmicas dos media americanos é fascinante e agarra os espetadores, inicialmente. A Fox News, em particular, tem uma reputação infame que aumenta ainda mais a curiosidade. Infelizmente, tirando a primeira meia-hora, pouco sobre os bastidores do canal de televisão é explorado.

O grande problema do filme acaba mesmo por ser que o interesse dos factos supera a capacidade dos criadores de os dramatizar. Talvez o problema tenha sido a execução. Um documentário com o mesmo tempo de duração faria um melhor trabalho como produto de entretenimento capaz de explicar o caso.

“Bombshell”, de Jay Roach

As performances do elenco não superam as falhas de Bombshell, mas dão uma boa ajuda. A coragem determinada de Gretchen Carlson (Nicole Kidman) está muito bem representada e merecia mais destaque que Megyn Kelly. Margot Robbie produz a melhor interpretação do filme, através de uma personagem ficcional que representa simbolicamente várias vítimas de Roger Ailes. E já que estamos a falar do agressor, John Lithgow encarna-o perfeitamente, revelando alguma humanidade que não justifica nada, apenas torna tudo mais realista.

Um palavra para a caracterização. O trabalho de maquilhagem é excelente, especialmente no caso de Megyn Kelly e Roger Ailes. A mistura de imagens reais com encenações do filme também está bem feita.

Bombshell é uma oportunidade perdida. O filme faz o retrato mínimo de um caso sensível que abalou o mundo complexo dos media americanos. Em vez de selecionar uma linha narrativa, os criadores preferiram falar de diversas componentes e não conseguiram abordar nenhuma profundamente.

Para quem quer uma explicação simples da queda de Roger Ailes e é fã das atrizes principais, o filme não deixa de ter algum interesse. No entanto, se a vontade é de perceber o que realmente aconteceu, o funcionamento dos media americanos ou até a ligação entre a Fox News e Donald Trump, há outros produtos que cumprem melhor esse propósito. Um deles é o documentário The Loudest Voice, da HBO, que curiosamente alcançou mais prémios que Bombshell.

O filme estreia esta quinta-feira, dia 23 de janeiro, nos cinemas portugueses.

Este artigo foi escrito por João Malheiro e originalmente publicado em Espalha Factos.

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