‘Bone Tomahawk’, o western ao estilo de Tarantino que John Carpenter nunca realizou
Bone Tomahawk, que estreia em Portugal sob o nome de A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas, data de 2015, tendo agora distribuição em Portugal pela mão da Cinema BOLD em parceria com a FILMIN, plataforma online onde o filme estará também disponível. O filme marca a estreia do realizador S. Craig Zahler, e trata-se de facto de uma estreia assinalável ao conseguir despertar um género tido como “ultrapassado”.
Bone Tomahawk é um filme de John Carpenter sem o ser. Se o realizador, um reconhecido fã de western e de alguns dos seus clássicos (em especial filmes de Howard Hawks e John Wayne que viriam a dar origem a Assault on Precinct 13 de Carpenter), tivesse feito um filme deste género, podia muito bem ser este o resultado final desse trabalho, muito por culpa, sobretudo, do terço final de filme Bone Tomahawk. Mas não é só na evocação de aspectos fílmicos e de estilo que se esgotam as semelhanças. Também num dos protagonistas, Kurt Russell, as mesmas perduram, sendo Kurt figura central de muitas das obras de John Carpenter e uma feliz junção ao género depois de trabalhos como Tombstone (filme de 1993) e o mais recente The Hateful Eight de Quentin Tarantino.
Nos últimos tempos, o supra citado The Hateful Eight e Django Unchained de Tarantino, True Grit (uma modernização do filme homónimo de 1969) , dos irmãos Coen ou The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford de Andrew Dominik foram filmes que, juntamente com westerns situados na “actualidade” como The Rover, de David Michôd e o recente Hell or High Water, de David Mackenzie e nomeado aos Óscares, são exemplos de qualidade dentro de um género que está longe de estar desactualizado, mas que já conheceu os seus dias de ouro. No entanto, Bone Tomahawk vai mais longe, e reinventa o próprio género fazendo uma mescla com vários outros estilos que vão desde a comédia ao… gore.
A premissa parece relativamente simples, evocativa de uma típica missão de resgate, mas o espaço que essa mesma premissa dá para se trabalhar é uma inteligente decisão do realizador e dos seus guionistas, tendo em conta o que todos pretendem fazer do filme e das personagens em questão. Trata-se de um cast de primeira linha que conta com o já citado Kurt Russell (Sheriff Hunt), Patrick Wilson (Arthur, o “Aleijado”), Mattew Fox (Brooder) e Richard Jenkins (Chicory). Os quatro vão partir por planícies áridas e desfiladeiros na busca da mulher de Arthur, mas essa busca, se durante a mesma vamos encontrando perigos juntamente com os quatro cowboys, nunca nos prepara realmente para a parte final do resgate.
Os actores, todos em excelente plano, trarão uma simpatia e preocupação necessárias às suas personagens. Sobretudo Patrick Wilson e Kurt Russell (a idade fez-lhe bem) têm interpretações maduras, convincentes e argutas.
Esta aproximação entre telespectador e personagens é estritamente necessária e bem orquestrada para que o filme nos possa desarmar numa parte final onde canibais irrompem pelo ecrã espalhando sangue de forma selvagem, chegando até ao gore em algumas cenas capazes de nos fazer franzir os olhos (no minimo).
Trata-se de uma estreia refrescante e arriscada, num género que é muitas das vezes olhado de lado. S. Craig Zahler ignora todos esses chavões e pensamentos pré-concebidos. O ritmo é lento mas os diálogos nunca são forçados e a acção arranca qualquer um da quietude da cadeira de onde vê esta obra. Bone Tomahawk é irreverente, é um mergulho nas profundezas da escuridão de comportamentos e leva-nos a um clímax que resulta na perfeição (exagerando ou não na quantidade de sangue), curiosamente, um clímax onde muitos filmes do género falham sistematicamente. A juntar a toda a escrita e desenvolvimento do ritmo e acção, as actuações dos seus actores trazem, tudo junto, apesar das limitações do filme (que são também parte intrínseca da aposta de risco que é feita em muitas alturas), momentos que podem tornar Bone Tomahawk num clássico instantâneo com laivos tarantinescos.