Boris Johnson
Não sei se alguma vez aconteceu. Mas, hoje, talvez pela primeira vez na História recente, assistimos à nomeação para primeiro-ministro de um indivíduo cuja formação académica é uma licenciatura em Estudos Clássicos: portanto, Grego e Latim.
E não é uma licenciatura conferida por uma universidade qualquer. Boris Johnson é licenciado em Estudos Clássicos pela Universidade de Oxford.
E, dentro da Universidade de Oxford, ele não frequentou um colégio qualquer. É fruto de Balliol College – tradicionalmente o colégio dos inteligentes (tal como Christ Church era tradicionalmente o colégio dos aristocratas ricos). Balliol nunca foi um colégio de burros.
E, por isso, é preciso ter esta noção: por muito que Johnson pareça à opinião pública como uma espécie de palhaço, «he’s anything but». Isto é: ele parece-nos um palhaço, porque foi essa a personagem que ele escolheu como via rápida para aquilo que sempre foi a sua ambição. Ser inquilino do n.º 10 de Downing Street. Mas há um calculismo enorme – parece-me a mim – em tudo o que ele faz.
Acaba por fazer algum sentido que o helenista e latinista Johnson seja a partir de hoje um actor de primeira importância no palco internacional porque os tempos que vivemos já foram antevistos por gregos e romanos. Aquilo que é hoje um político de sucesso é um modelo que Platão já descreveu no seu arrepiante diálogo «Górgias». Trata-se de alguém que é capaz de dizer tudo e o seu contrário. Trata-se de alguém que aposta sempre naquilo que já as Musas tinham dito a Hesíodo: «sabemos dizer muitas verdades semelhantes a mentiras e muitas mentiras semelhantes a verdades».
Johnson, na sua carreira de político e de jornalista, já disse tudo e o seu contrário. Já foi pro-europeu – e agora é anti-europeu. Já foi anti-gay – e agora é pro-gay. Num famoso debate com Mary Beard, defendeu o ponto de vista de que a literatura grega era muito melhor do que a romana. Beard, bem munida para o debate, leu em voz alta um elogio rasgado da literatura latina onde se afirmava que o melhor livro alguma vez escrito em toda a história da humanidade é a Eneida de Vergílio. Palavras (sublinhou ela) de um texto escrito por… Boris Johnson.
É difícil sentir alguma coisa por Johnson que não seja a maior desconfiança. Mas, ao menos, o dia de hoje deixou uma pequena jóia para ser dita no futuro por defensores dos Estudos Clássicos. À pergunta que estamos sempre a ouvir – «mas isso de uma licenciatura em Grego e Latim serve para quê?» – já podemos dar esta resposta: «serve para ser primeiro-ministro».
A partir de hoje, é uma saída profissional comprovada para licenciados em Estudos Clássicos.