Caetano Veloso para sempre
Caetano Veloso actuou pela primeira vez em Portugal a 19 de Setembro de 1981. Quase 42 anos depois, Caetano diz-nos que os concertos que nos oferece por estes dias serão os últimos por terras lusas e que, se o quisermos voltar a ver, teremos de ir à Bahia, onde pretende voltar a viver.
No segundo de cinco concertos desta breve digressão, Caetano mostrou-nos mais uma vez porque foi, há dias, agraciado com o título de doutor honoris causa pela Universidade de Salamanca pelo seu contributo para as artes, colocando-o numa “constelação muito selecta” juntamente com Bob Dylan, Patti Smith ou John Lennon. Mostrou-nos também que não está sozinho, nem nunca esteve. Está com Gal Costa, com Gilberto Gil, com Tom Jobim, com Jaques Morenlenbaum. Está com os cinco músicos que o rodeiam em semi-círculo, numa cerimónia de partilha e de admiração entre todos. Está com todos aqueles que, segundos antes de iniciar o espectáculo, são enunciados pela voz off, desde roadies, a produtores, técnicos e equipa de comunicação. E todos estes elementos contribuíram para que Caetano nos oferecesse um concerto exímio, onde tudo parecia milimetricamente pensado para uma extraordinária celebração da vida e da música.
Iniciando o concerto com o tema Avarandado, Caetano mostra-nos que o tempo pode ter passado, mas a sua voz continua impoluta. Passa depois para Meu Coco e depois para Anjos Tronchos, onde Caetano revisita presente e passado com as suas influências antigas, como Cage e Schönberg e dá um salto à cena musical actual com “Miss Eilish faz tudo do quarto com o irmão”. Intercalando com os seus míticos passos de dança e manifestações de apreço, Caetano entoou You don’t know me do seu disco Transa, e depois de Ciclamen do Líbano do seu último disco, voltou a chamar Carminho ao palco, para cantarem em conjunto o tema Você-Você, que escreveu “por ela e para ela”, e Argonautas, tema de 1969 que a sua irmã, Maria Bethânia, lhe pediu para escrever e que traz Fernando Pessoa no refrão com “Navegar é preciso; viver não é preciso”.
O concerto de Caetano é uma celebração da vida e de quem passou. É um acto de memórias, de passagens de testemunho, de críticas e de homenagens. É tropicalismo, é samba, é bossa nova. É uma escrita de um acto que fica na memória de quem ali o viveu. E nessa memória fica-nos a História da música popular brasileira, dos poemas de Caetano, do seu sorriso, do respeito que nutre por quem os acompanha e por quem fez parte do caminho. Por isso, no intervalo entre canções, afirma “Gal Costa para sempre”, porque Gal Costa viverá sempre em Caetano. Num “calor que provoca arrepio”, Caetano conduz o seu concerto com uma leveza que nos desconcerta, não esquecendo os seus temas mais icónicos como O Pulsar, poema de Augusto de Campos (e considerado, por Caetano, como o maior poeta brasileiro vivo) e Leãozinho, tema quase transformado em hino escrito em 1977 para Dadi Carvalho.
O concerto termina com A Luz de Tieta, tema que Caetano compôs e gravou com Gal Costa num encore onde as cadeiras deixaram de fazer sentido e o público dançou com Caetano e para Caetano.
Caetano para sempre.
Hoje, dia 12, Caetano voltará ao palco do Coliseu dos Recreios. Nos dias 14 e 15 de Setembro estará no Coliseu do Porto.