Carolina Raquel Gonçalves: ‘A inexistência/existência de uma conexão emocional é o cerne da coleção’
Quando acabamos o secundário, fechamos um capítulo na nossa vida e começamos a escrever novas histórias. E foi isso que Carolina Raquel Gonçalves fez. Aos 18 anos, de malas às costas, mudou-se para Londres. Estudar design de moda, na London College of Fashion, foi o que a motivou a tomar essa decisão. Passados 4 anos, com a licenciatura concluída, é uma das finalistas da plataforma Sangue Novo da Moda Lisboa. A Comunidade Cultura e Arte esteve à conversa com a jovem designer.
Quando é que nasceu em ti a vocação para seres designer de moda?
Nunca fui obcecada com roupa nem com a ideia de comprar roupa. Na verdade, isso não despertava em mim grande interesse. A minha mãe não lia revistas de moda, nem ninguém na minha família estava relacionado com moda ou me mostrou algo que despoletasse esse interesse em mim. Aos 13 anos, percebi o que era arte e foi surgindo cada vez mais interesse em arte e design. Aos 14 anos, vi, por acaso, o trabalho do Yohji Yamamoto, por isso conheci moda através da minha pesquisa relacionada com arte. Percebi que existem pessoas que exploram conceitos e desenvolvem peças que vão mais além da funcionalidade e vestibilidade e foi isso que me interessou. Fico sempre reticente relativamente ao ‘título’ de designer de moda. Muito honestamente, ainda não me consigo considerar designer. Acabei de me licenciar, tenho uma vida inteira para explorar e desenvolver a minha estética. Julgo que ser designer de moda não é apenas sinónimo de completar um curso em design, mas sim fruto de anos de desenvolvimento de uma estética e de uma sensibilidade que só se adquire com experiência, pesquisa e educação visual.
“Não é a minha intenção transmitir a ideia de que foi rápido e fácil, pois na verdade não conhecia ninguém português em Londres que o tivesse feito. Exigiu bastante pesquisa e preparação a vários níveis antes de me mudar.”
Como é que apareceu a oportunidade de estudares na London College of Fashion?
Quando acabei o ensino secundário, quis ir uma semana para Londres fazer um curso de Verão em ilustração de moda, na Central Saint Martins. Nesse curso de verão, conheci alguns alunos e percebi que era possível candidatar-me à licenciatura em Londres e assim foi. Acabei por desenvolver um portfolio com trabalhos da melhor maneira que sabia e candidatei-me à LCF. Não é a minha intenção transmitir a ideia de que foi rápido e fácil, pois, na verdade, não conhecia ninguém português em Londres que o tivesse feito. Exigiu bastante pesquisa e preparação a vários níveis antes de me mudar.
Qual é a mais-valia de se estudar design de moda em Londres?
Em várias discussões que tenho com amigos com diferentes ‘backgrounds’ e de diferentes países, essa questão surge. De uma maneira sucinta, a verdade é que em Portugal as coisas se falam e se discutem (às vezes) em sala de aula e aqui, as coisas acontecem. Não sendo original de Lisboa, passei a minha adolescência a ter acesso às coisas através da internet e de uma intensa e constante pesquisa para tentar acompanhar o que se estava a passar num universo pelo qual me interessava, mas que, porém, era muito distante. O contacto próximo com pessoas, eventos, situações e recursos não é equiparável com o que teria em Portugal. É uma experiência diferente, uma vez que estou inserida num contexto diferente.
De que forma é que surgiu a oportunidade de concorreres ao Sangue Novo da Moda Lisboa?
Conheci a plataforma Sangue Novo quando tinha 14 anos e sempre foi uma opção, para mim, um dia candidatar-me. Depois de apresentar o meu trabalho no Press Show da LCF, pensei que seria também interessante mostrá-lo em Portugal.
“Esta ideia de inexistência/existência de uma conexão emocional é o cerne conceptual da coleção.”
O que é que a coleção aborda?
O ponto de partida conceptual foi sempre a relação com as minhas peças de roupa, sendo que se expandiu para uma exploração da relação da minha avó, dos meus amigos e de estranhos com a roupa. Esta exploração foi feita através de entrevistas ou reportagem fotográfica das boas e más relações que as pessoas mantêm com o seu guarda-roupa. Tenho várias fotos de roupa abandonada nas ruas de Londres, Paris e Lisboa, assim como fotografias da roupa da minha avó impecavelmente conservada durante anos. Resumidamente, a coleção baseia-se em três conceitos associados a ‘unwanted and wanted clothes’ que são os conceitos de ‘displacement, wrongness and memory’. Tudo isto leva à exploração da roupa abandonada nas ruas como objeto deslocado do seu ambiente natural (o nosso corpo), as roupas menos desejadas no guarda-roupa dos meus amigos, aquelas que eles compram em lojas de ‘fast fashion’ um dia e, no dia a seguir, já não gostam e vão para o fundo do armário para sempre, com as memórias presentes nas peças de roupa da minha avó tão bem conservadas ao longo dos anos. Esta ideia de inexistência/existência de uma conexão emocional é o cerne conceptual da coleção.
“O botão é um objeto para mim muito interessante, pois percorre gerações, é prático e intemporal e não quebra a harmonia visual numa peça, mas sim a completa.”
Como se desenrolou todo o processo de criação e produção?
A pesquisa conceptual começou em Junho de 2017 de uma maneira muito ligeira, natural e abstrata, sem grandes ‘deadlines’ ou preocupações. A transição deste conceito tão abstrato para design e desenvolvimento de uma coleção foi muito difícil. Houve imenso trabalho de drapeado livre no manequim com roupas que pedi emprestadas a vários amigos para chegar a formas. A produção foi feita parte no meu apartamento em Londres, e parte em Portugal. Os tecidos foram comprados em Londres e a coleção foi toda feita com botões e uma completa ausência de fechos, sendo que foi patrocinada pela SEPOL, uma fábrica portuguesa de botões. O botão é um objeto para mim muito interessante, pois percorre gerações, é prático e intemporal e não quebra a harmonia visual numa peça, mas sim a completa.
Que tipo de materiais usaste?
Os materiais são extremamente importantes na coleção. Associado à minha pesquisa focada nos têxteis presentes na casa da minha avó, usei vários tecidos com muita textura (brocados, algodões grossos e outros), mas também a popeline, um tecido tradicionalmente usado para camisaria. Os acessórios em crochet acentuam precisamente este aglomerado de textura. Em contraste, para as peças vermelhas mais esculturais, criei novos tecidos, juntando ‘vinyl’, algodão grosso e neoprene numa só superfície. Deste modo, houve muito trabalho de desenvolvimento têxtil nesta coleção.
Se pudesses caraterizar a coleção em 3 palavras, que palavras usarias?
‘Aglomerado’, ‘significado’ e ‘memória’.
O que esperas da tua participação na Moda Lisboa?
O meu único objetivo é mostrar o meu trabalho às pessoas que estão abertas para o compreender.